Música em Trancoso: um festival de ritmos, encontros e perspectivas de futuro

Música brasileira foi destaque na 8ª edição do evento com Elba Ramalho homenageando Dominguinhos e tributos a Tom Jobim e aos compositores Heitor Villa-Lobos e Antônio Carlos Gomes

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Por Charlise de Morais
Atualização:
Música em Trancoso reúne música clássica, popular, jazz e world music e proporciona espetáculos marcantes Foto: Cauê Diniz

TRANCOSO - Entre os feriados de Carnaval e Páscoa, o distrito de Trancoso, no litoral sul da Bahia, vira palco de uma mistura interessante de ritmos musicais. O festival Música em Trancoso, que está na 8ª edição, reúne música clássica, popular, jazz e world music e proporciona espetáculos marcantes. 

Neste ano, durante os oito dias de festival, mais de 300 artistas de diversos países tocaram e encantaram o público que foi até o Teatro L’Occitane, construído especialmente paraabrigar o festival. No palco, foi possível assistir à regência de maestros renomados como o alemão Leonard Elschenbroich e o espanhol Pascual Osa. A soprano brasileira Angelica de la Riva emocionou a plateia ao lado da também soprano argentina Mónica Ferracani, da mezzo-soprano russa Svetlana Shilova e dos italianos Vincenzo Costanzo (tenor) e Duccio Dal Monte (baixo).

A soprano brasileira Angelica de la Riva emocionou a plateia ao lado da também soprano argentina Mónica Ferracani, da mezzo-soprano russa Svetlana Shilova e dos italianos Vincenzo Costanzo (tenor) e Duccio Dal Monte (baixo) Foto: Cauê Diniz

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A música clássica também deu as mãos a outros ritmos. O Edmar Castañeda Trio trouxe todo o suingue do jazz latino por meio dos dedos mágicos do colombiano que dá nome ao trio. Em uma apresentação emocionante, Castañeda contou com a participação especial nos vocais de Andrea Tierra, sua esposa, e tocou o amor na sua harpa.

A música brasileira teve espaço de destaque nesta edição. Elba Ramalho homenageou Dominguinhos, levantou a plateia e colocou todo mundo para dançar no teatro. "É um festival de música erudita, eles abriram exceção este ano e me convidaram, talvez pelos anos de Trancoso que eu tenho, talvez pelos projetos culturais que eu sempre realizei aqui trazendo vários artistas da música brasileira pra cá, por meio do projeto Elba Convida, que faz 20 anos. Acabei me tornando uma figura emblemática na cidade, de amor e de respeito. E estar neste festival de música erudita e cantando Dominguinhos, que é um compositor extremamente popular, mas com uma musicalidade extremamente clássica, nordestina, isso me honra bastante", disse a cantora ao E+

Elba Ramalho homenageou Dominguinhos, levantou a plateia e colocou todo mundo para dançar no Teatro L'Occitane, ao lado de Mariene de Castro Foto: Cauê Diniz

Além de cantar os sucessos que fazem parte da história do músico pernambucano, Elba contou com a participação especial da cantora baiana Mariene de Castro para integrar o samba ao festival... Deu certo!

O Música em Trancoso também teve tributo a Tom Jobim, comandado pelo casal Paula e Jaques Morelenbaum. E uma noite especialmente dedicada ao País com a Orquestra Acadêmica Mozarteum Brasileiro (OAMB) e o Coro Mozarteum Brasileiro, regidos por Carlos Moreno, com apresentação peças de Heitor Villa-Lobos, Antônio Carlos Gomes e composições estrangeiras que remetem ao Brasil.

Orquestra Acadêmica Mozarteum Brasileiro sobre a regencia do maestro Carlos Moreno se apresentam no Bosque do Quadrado Foto: Cauê Diniz

Um festival de oportunidades

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O festival Música em Trancoso tem uma vertente social muito importante. A orquestra acadêmica Mozarteum Brasileiro (OAMB), por exemplo, foi criada em 2017. Neste ano, são 85 jovens músicos aprendizes que podem contar com a oportunidade de se apresentar e de aprender com seus ídolos. "Hoje em dia, quantas orquestras jovens existem focadas no processo da formação? Quando abrimos uma orquestra que faz uma imersão e com músicos renomadíssimos mundialmente, que são referencia para eles, isso é um sonho", pontua o maestro Carlos Moreno.

"Isso deu muito certo, nossa orquestra ficou ótima, todo ano temos novos integrantes e alguns se repetem. A escolha é feita anualmente e a OAMB também toca em São Paulo em determinadas oportunidades. Para a carreira deles é ótimo e eles gostam. Queremos aumentar a participação de jovens e tudo isso aqui é feito para isso", explica a presidente do Mozarteum Brasileiro, Sabine Lovatelli.

Participar da orquestra foi determinante para alguns jovens que nasceram e cresceram em Trancoso. "Para mim mudou tudo, mudou, sobretudo, a perspectiva. A orquestra - e o maestro Carlos Moreno - me abriram muitas portas para o futuro", conta o violinista Edivonei Júnior, 18 anos.

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Edivonei, assim como o primo Robert Barreto, 18 anos, também violinista da OAMB, tiveram o primeiro contato com a música na escola, vendo uma apresentação de orquestra e se encantaram pelo instrumento. "A gente, naquela época, pensava que só os ricos que tocavam violino. Pensávamos que era muito caro, até que descobrimos que era possível", lembra. 

Atualmente, os primos moram em São Paulo e fazem faculdade de música. Eles voltaram para Trancoso para se apresentar com a orquestra, mas fizeram questão de prosseguir ensinando da mesma forma que aprenderam. Eles participaram das atividades gratuitas do festival para levar a música ao maior número de pessoas, como a iniciação musical nas escolas e o concerto no bosque. 

Alunos da Orquestra Acadêmica Mozarteum Brasileiro participam da iniciação musical na Escola Higina Cristo Foto: Cauê Diniz

Perspectivas de futuro

Um dos objetivos do projeto é formar público. Isso mesmo, criar espectadores ávidos e interessados pelo universo musical. Para isso são feitas aulas de iniciação musical nas escolas públicas para apresentar os instrumentos e despertar o interesse das crianças. "Acho muito importante levar a música para os que não têm acesso. Pode ser que aquela criança tenha um talento escondido e ninguém vê. Por isso, é sempre bom podermos passar nos lugares e mostrar nosso trabalho", diz Robert. "Na escola [durante a iniciação musical], o aluno aprendeu rapidinho a tocar o instrumento, talvez ele só precise de alguém que mostre, que o ensine, que olhe pra ele", concluiu.

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O maestro Moreno concorda: "A demanda se faz necessária sempre, porque a criança se encanta. Se você acerta a linguagem, elas se encantam e jamais vão esquecer."

Elba Ramalho também tem um olhar apurado sobre a importância desse trabalho socioeducativo. "É muito importante olhar para os jovens de hoje com perspectiva de futuro e não deixar que eles se percam nas drogas, pela vida fácil do dinheiro. A arte me fez superar muitas coisas, ele é soberana, tem uma conotação divina, transcende esse mundo. Trazer isso pra Trancoso e ver que a população pode ter acesso à cultura é lindo. A cultura alarga, amplia os sentimentos e os pensamentos", defende.

"Quando a gente pensa na realidade do País nos últimos anos, no pouquíssimo crescimento de apoio e fomento, aí você vê uma instituição que faz um esforço hercúleo para manter essa arte... Veja bem, o consumo, a apreciação e a prática da cultura musical num país desses, por exemplo, é algo que a gente precisa e, para isso, depende de uma equipe muito corajosa para fazer", diz Moreno.

Se depender de Sabine, esses jovens da OAMB (e os que estão aprendendo com eles ou através deles) ainda irão muito longe. "Quero que continue por muitos anos. Queria fazer uma turnê com eles pela Europa para que o trabalho deles seja conhecido. Estamos trabalhando para isso, não sei quando vai acontecer, mas vai acontecer", garante, sobre seus planos para o futuro.

O E+ viajou a convite do Mozarteum Brasileiro

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