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Mulheres viajantes: autoconhecimento e transformação estão além do lazer

Com cadeira de rodas, cão-guia e sozinhas, elas se aventuram pelo mundo e transpõem os próprios limites

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Por Ludimila Honorato
Atualização:
As viagens podem ser uma oportunidade para fazer trabalhos voluntários, conhecer outras culturas e fazer novas amizades. Foto: fabifer/Pixabay

Viajar é mais do que viver um momento de lazer, é uma oportunidade para se conhecer mais, transformar a si e, se possível, o outro. Fazer isso sozinho pode ser um desafio ainda maior, mas muitas mulheres estão encarando essa aventura e desbravando o mundo. Nos próximos dias 27 e 28, elas vão se reunir no 1º Encontro Brasileiro de Mulheres Viajantes para compartilhar experiências.

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O evento foi idealizado por Gilsimara Caresia, jornalista e turismóloga que já viajou por 90 países e pela maioria dos Estados brasileiros. "Durante seis anos da minha vida, viajei por 50 países como bancária. Em 2015, surtei e após 17 anos de carreira fui dar a volta ao mundo sozinha", conta. O fato de ela ir para lugares pouco conhecidos, com culturas muito diferentes da ocidental e se isolar nas montanhas do Nepal, por exemplo, atraiu olhares de outras mulheres.

"Eram muitas perguntas, então criei um grupo no Facebook para contar tudo às mulheres. Começou pequeno e hoje tem 50 mil", diz. Ela resolveu trazer essa discussão para mais perto, o que motivou a realização do evento. "A viagem é uma ferramenta de transformação, não só de lazer. A primeira coisa é empatia e quebra de preconceito com determinadas culturas. Quando você conhece, percebe que se tivesse nascido ali, ia ser igual."

Gilsimara destaca também que a viagem pode servir para fazer o bem ao próximo, por meio de trabalhos voluntários, e que isso é uma via de mão dupla. Para ela, o fato de ser mulher nesse cenário às vezes espanta. "As pessoas acham que a gente fica mais vulnerável. O mundo é um pouco mais perigoso para a mulher no geral, mas é imaginária essa insegurança em países como Índia e Rússia. Me sinto mais segura em 95% dos países que já fui do que em São Paulo", afirma.

O evento contará com mais de 20 mulheres palestrantes e os temas, segundo Gilsimara, estão baseados em: mulheres que inspiram, como viajar e mercado de turismo. "Teremos pessoas que superaram barreiras além de tudo, como uma mulher negra, solteira, que leva a filha para viajar, um casal de meninas e uma mulher transexual que viajou pela América Latina para fazer um documentário". O encontro é aberto ao público e a compra de ingressos pode ser feita pelo site.

Cadeira de rodas não é limitação

Suelen Almeida, de 35 anos, achava que não teria como fazer uma viagem internacional, para Buenos Aires, sobre uma cadeira de rodas. "Eu tinha essa crença de que não conseguiria sem minha família, aí consegui duas pessoas para viajar comigo. Foi bem interessante e me motivou a viajar mais", conta.

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Em 2015, ela começou a visitar lugares mais próximos de São Paulo, como o litoral, e o fato de ela ser a única da família que sabe dirigir foi uma motivação a mais. Porém, ela começou a ter dificuldades com acessibilidade nos locais aonde ia e para encontrar informações que auxiliassem pessoas com deficiência.

Suelen Almeida criou o projeto Viaje com Acessibilidade e compartilha dicas para pessoas com deficiência. Foto: Arquivo pessoal/Cedida por Suelen Almeida

Uma das pousadas em que ela se hospedou disponibilizava uma cadeira especial para entrar com pessoas que não andam no mar. Ela só descobriu isso quando chegou ao local. "Às vezes, você se surpreende positivamente, mas às vezes o lugar fala que é acessível e não é". Com isso, ela criou o projeto Viaje com Acessibilidade e começou a compartilhar informações direcionadas para pessoas com deficiência e viagem. Suelen, que estará no evento do próximo fim de semana, diz que não se priva de visitar lugares que não são 100% acessíveis. "O importante é procurar informações e se predispor a aceitar a ajuda das pessoas", afirma.

Para ela, viajar é "uma ferramenta de empoderamento, independente de deficiência". "A gente costuma colocar mais empecilhos do que a situação já coloca. Se tem medo, vai com medo mesmo e confia que as coisas vão se ajustar. A cadeira de rodas é só uma forma diferente de acessar os lugares", diz.

Viajante desde pequena

Aos 29 anos de idade, Marina Zoppei já visitou mais de cem países. Quando criança, ela viajava com os pais, que são grandes entusiastas, e depois recebeu o apoio deles para continuar se aventurando pelo mundo. Só entre janeiro de 2016 e dezembro de 2018, quando decidiu 'mochilar' de verdade, foram 45 países conhecidos.

"Para mim, viajar está muito ligado a autoconhecimento, se emocionar com coisas que não te emocionam no dia a dia, prestar atenção em detalhes, se colocar no lugar do outro, conhecer seus limites e descobrir habilidades que você não sabia que tinha", descreve.

Marina Zoppei em viagem pelo Tajiquistão. Foto: Arquivo pessoal/Cedida por Marina Zoppei

Os perrengues também fazem parte dessas vivências. Quando fez um intercâmbio para Praga, ela se apaixonou por um rapaz alemão. "Fui visitá-lo [na Alemanha], deu tudo errado, a gente brigou, eu não ia mais ficar na casa dele e tive de me virar. Fui para a Bélgica, que ainda não conhecia, e tinha só 200 euros para sobreviver por uma semana", relata.

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Antes de iniciar a volta ao mundo, Marina vendeu brigadeiros para bancar os trajetos e, principalmente, compensar a alta do dólar que ocorreu depois das passagens compradas. Diferente do que muitos pensam, viajar sozinha sendo mulher é uma vantagem para Marina.

"Tem infinitos benefícios: de construir relações, conhecer mais gente. Em países muçulmanos, muitas pessoas me convidaram para tomar chá nas casas delas. Quem faz esse tipo de convite é mulher e ela não faria a um homem sozinho". Marina, que compartilhou suas experiências em seu perfil no Instagram, também estará no encontro de mulheres viajantes.

Ver além da visão

Mellina Hernandes tinha 14 anos quando descobriu uma doença que a fez perder a visão aos poucos. Mesmo assim, ela nunca deixou de viajar, algo que sempre fazia com a família desde a infância. Hoje, aos 35 anos, ela tem apenas 5% da capacidade visual e várias histórias sobre os lugares que já visitou. Algumas delas também serão divididas em sua palestra no encontro do fim de semana.

Antes do problema de visão se agravar, ela viajava acompanhada e chegou a ir sozinha para a Europa em 2008. "Caí, peguei carona com estranho", conta. Mas as dificuldades começaram a minimizar quando a cão-guia Hillary chegou na vida dela. Depois de um ano com a cadela, ela viajou apenas com a acompanhante de quatro patas para ter certeza de que teria sua autonomia de volta.

Millena Hernandes e sua cão guia Hillary. Foto: Instagram/@4ppelomundo

"Fomos para Curitiba e foi difícil. Cheguei lá e comecei a chorar, sem coragem para sair do hotel", conta Mellina. Apesar disso, ela tomou coragem e começou a sair para almoçar e visitar lugares. "Eu comecei a pôr na minha cabeça que a minha limitação não podia me impedir de seguir a vida, principalmente de fazer algo que gosto muito. Tenho uma experiência que vai além da visão, que vai de sentir as belezas do lugar", diz.

Para se localizar, ela usa um aplicativo de mapa que indica por qual direção seguir, "apesar de fazer eu me perder um pouco". De acordo com ele, Mellina dá as orientações para Hillary. Para ter certeza de que está no caminho correto, ela pede ajuda para as pessoas na rua. Pedir orientação para as pessoas e confiar nelas é algo que ela aprendeu com o tempo. "Foi difícil essa questão de pedir ajuda, mas ninguém é autossuficiente em tudo. A gente vai encontrar pessoas mal-humoradas, que não estão dispostas, mas, na maioria das vezes, encontro pessoas receptivas."

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