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Macarrão e preconceito

Algumas semanas atrás, após sofrer uma considerável humilhação da União Europeia, o país finalmente legalizou as uniões civis entre casais do mesmo sexo

Por Frank Bruni
Atualização:
Itália é um país "gay"? Foto: Jerome Naselli/Creative Commons

ROMA - Se existir um país mais gay do que a Itália, eu ainda não vi.

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Eu não digo demograficamente gay. Não tem como saber isso. Eu digo espiritualmente gay. Eu me refiro ao estilo autoconsciente e de ópera berrante do lugar.

O país tem o formato de um calçado com salto alto. É uma meca da roupa masculina de alto preço. Seu mármore mais famoso, o Davi, parece mais estar posando entre agachamentos na academia do que zombando de Golias. E você já viu aqueles candelabros de vidro de Veneza, com suas cores ardentes e tentáculos amalucados? Eles bem poderiam ser polvos gays a caminho de uma apresentação subaquática da Cher.

Então por que a Itália não é mais gentil com os gays?

Algumas semanas atrás, após sofrer uma considerável humilhação da União Europeia, o país finalmente legalizou as uniões civis entre casais do mesmo sexo. Embora isso tenha sido um progresso, também foi um lembrete de como ele ficou para trás de colegas europeus católicos romanos como Irlanda, Portugal e Espanha, que já concederam a gays e lésbicas o direito ao casamento.

E logo depois disso, quando um grupo internacional de defesa LGBT divulgou um de seus relatórios sobre os direitos gays, a Itália foi classificada no terço inferior dos 49 países que o grupo classificou como europeus, atrás da Albânia, Bulgária e Estônia.

Mas a Itália, sempre uma marinara de contradições, há muito tempo abraça e reverencia artistas, designers e até mesmo líderes políticos abertamente gays. A região da Apúlia, no sul, elegeu um governador abertamente gay, Nichi Vendola, em 2005, e o manteve no cargo por dez anos. Ele um dia foi apontado como possível futuro primeiro-ministro.

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Preconceito no país existe Foto: Pixabay

Quando lhe perguntei sobre o atraso italiano, ele citou, entre outros fatores, seu relacionamento particular com a Igreja Católica.

Somente uma minoria de italianos vai com frequência à missa, e muitos desafiam os ensinamentos da igreja quanto ao divórcio e ao aborto, que é legal aqui (embora de difícil acesso). Mas a situação da Cidade do Vaticano no centro do país lhe dá um incentivo especial e um convite a se meter nos assuntos italianos. O Vaticano usa a Itália para avaliar e anunciar sua influência.

Vendola afirma que em termos dos direitos gays e "à ideia primária da família tradicional, a igreja joga todas as suas cartas para influenciar a política italiana, mesmo hoje em dia". A união civil foi aprovada, mas a adoção gay - inflexivelmente combatida pelos líderes da igreja - foi tirada da legislação.

Giovanni Dall'Orto, historiador gay de Milão, analisou essa dinâmica de forma mais contundente. "Pense na Igreja Católica como na nossa versão da Associação Nacional de Rifles" dos Estados Unidos, ele declara.

Existem mais coisas em jogo, no entanto. Durante boa parte dos últimos 50 anos, a política italiana não estava estruturada de forma que algum dos grandes partidos estivesse disposto a abrigar e defender os direitos gays.

"O problema é a falta de coragem da classe política", assegura Alessio De Giorgi, fundador de um dos sites gays mais famosos da Itália.

E o movimento dos direitos gays não se aglutinou tão rapidamente aqui quanto em outros lugares.

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"Em geral, os italianos são muito sossegados com suas batalhas políticas", diz Nina Peci, designer gráfica de Florença que se casou com a esposa, britânica, na Inglaterra, onde isso é permitido.

Refletindo a respeito da recente crise econômica, ela me disse: "Na Espanha, as pessoas foram às ruas. Na Grécia, foram às ruas. Na Itália, foram às ruas - fazer fila para comprar o novo iPhone quando foi lançado."

Considerando que seja verdade, isso reflete uma bifurcação pronunciada da vida pública e da privada. Eu vivia me chocando com isso quando morei em Roma entre 2002 e 2004, e noto novamente sempre que visito a Itália.

Esta é uma terra de regras rococó - religiosas e laicas -, mas poucas pessoas pensam em obedecê-las. Por que mudá-las se é possível escolher quais obedecer?

Também é um costume aqui mostrar uma cara para o mundo e outra em casa: conformar-se quando existe uma multidão e rebelar-se quando não tem. E o espaço para talhar certos ajustes é a família, não a praça pública.

"Será que todos deveriam se revelar e ser revelados?", indagou Fred Plotkin, um amigo norte-americano que poderia muito bem ser italiano, levando-se em consideração o tanto que ele estudou e trabalhou na Itália, o tema de muitos dos livros que escreveu. "Acho que os italianos não pensam assim, e não é por causa da vergonha - mas por um amor genuíno à privacidade."

Onde outros enxergam contradições que precisam ser resolvidas, os italianos não.

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Meu parceiro, Tom, tem tios agricultores em uma vila toscana de 250 habitantes. O casal passou dos 75 anos. Quando nós os visitamos, nos serviram coelho e polenta. Eles chamaram os primos. Insistiram para que ficássemos três noites.

E colocaram roupa de cama refinada na nossa cama, posicionada logo abaixo de uma das dezenas de ícones católicos espalhados pela casa: um retrato emoldurado do papa