‘Lutei para meu filho não ficar isolado e hoje isso é questão de sobrevivência’, diz mãe de autista

No Dia Mundial da Conscientização do Autismo, mulher desabafa sobre dificuldades do filho pequeno na quarentena; mudanças na rotina devido à pandemia podem prejudicar tratamento de pessoas com o transtorno

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Por Caio Nascimento
Atualização:
Imagem ilustrativa. Foto: Pixabay / @cherylholt

Jussara Araújo precisou interromper a entrevista duas vezes para evitar que seu filho Henrique, de sete anos, repetisse comportamentos inadequados em casa. A mãe, de 39, está isolada com o menino e o marido há duas semanas devido ao coronavírus e conta que os dias em quarentena têm sido difíceis. Assim como a maioria dos autistas, Henrique não está sabendo lidar com as mudanças drásticas na rotina. 

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Antes da pandemia, o pequeno havia se acostumado em fazer suas atividades diárias nos mesmos horários e com as mesmas pessoas, o que ajudava em seu desenvolvimento. Mas agora tudo mudou. “Nos primeiros dias foi tranquilo conseguir antecipar e controlar os impulsos dele para inibir ações inadequadas. Só que agora está cada dia mais difícil. Tiveram momentos em que ele pedia para sair, se frustrava e chorava”, diz Jussara. 

O caso de Henrique não é único entre autistas. A psicóloga infantil e doutora em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo (USP), Tauane Gehm, conta que é comum entre esses públicos casos de agressividade e estereotipia - ações repetitivas como o balanço do corpo - quando ocorrem alterações extremas na vida. Ela vem atendendo crianças com sinais de sofrimento desde que a quarentena começou. “[Aparecem casos de] maior necessidade de atenção, aumento da irritabilidade, choro fácil, mudanças no padrão de sono, medo da morte de entes queridos e desinteresse geral pelas atividades e brincadeiras”, conta. 

Para crianças sem deficiência, reverter esses problemas pode ser fácil. Contudo, a situação se torna complexa para as que têm o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Jussara, por exemplo, criou um modelo visual para o filho seguir e se adequar à nova vida, só que o garoto ainda tem dificuldade em acompanhar.

Embora ele esteja entendendo o contexto da pandemia aos poucos, a mãe sente medo do pequeno retroceder nos tratamentos. O menino ia toda a semana às sessões de fonoaudiologia, psicoterapia, terapia ocupacional e psicomotricidade. Em todas tinha um cronograma a seguir, mas, com a quebra da rotina, terá que ser submetido a novas abordagens após apresentar algumas condutas inéditas. “Nesta quarentena, ele mostrou comportamentos que nunca teve e eu não sabia o que fazer. [Tirando o atendimento psicológico feito por Skype], está tudo parado. A falta de terapias pode causa perdas de repertório social e habilidades”, diz.

“[Fazer terapias em casa] não é o mesmo que num consultório. Quem tem o TEA sente não só dificuldade em mudar de ambiente, mas também em mudar a pessoa que aplica o tratamento nela. Aí a resposta do paciente muda. Lutei para o meu filho não ficar isolado e hoje o isolamento é questão de sobrevivência”, lamenta Jussara.

Possíveis retrocessos no tratamento de milhões de autistas pelo mundo devido ao isolamento social se tornam ainda mais dramáticos ao se observar situações como a de Henrique. O garoto tinha um nível grave de autismo e chegou ao grau moderado após anos de cuidados. Se regredir, ele pode demonstrar ausência completa de qualquer contato interpessoal.

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Tauane Gehm analisa que uma boa estratégia para lidar com autistas neste momento é usar historinhas de situações específicas, com desenhos e sentenças simples que descrevam a situação atual - sem nunca exagerar no consumo de notícias e tomar cuidado com as fake news. 

Seguindo esse raciocínio, a psicóloga infantil colombiana Manuela Molina criou uma cartilha para crianças ‘conversarem’ com o coronavírus de forma lúdica e entenderem os sintomas e as formas de prevenção com sentimento de proteção. Logo nas primeiras páginas, o vírus ‘pergunta’ o que a criança sente quando escuta falar sobre ele e pede para o pequeno desenhar as emoções. A cartilha está disponível em 25 línguas, incluindo o português falado no Brasil. Clique aqui para acessar. 

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*Estagiário sob supervisão de Charlise Morais

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