Existe limite de idade para a maternidade?

Casada há quase 50 anos, mulher na Índia deu finalmente à luz. Mas, segundo a ética médica, 70 anos é uma idade muito avançada

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Por Bem Guarino
Atualização:
Ao dar à luz com 59 anos, uma mulher chamada Dawn Brooke foi considerada a mãe mais idosa que não usou tratamentos para a reprodução Foto: Reprodução/ Twitter

Depois de quase 50 anos de vida em comum, mas sem filhos, Aljinder Kaur disse ao marido Mohinder Sing Gill, Amristar, na Índia, que não iria esperar mais: ela teria um filho, com ele ou sem ele. "Por causa de uma briga de famílias nós nunca pudemos ter esse sonho de nos tornarmos pais", contou Gill à Barcroft TV. Em setembro de 2014, Kaur anunciou que estava decidida a ir para o Centro Nacional de Fertilidade e Bebês de Proveta em Haryana. Se quisesse, o marido poderia acompanhá-la.

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Em abril, 46 anos desde que Kaur e Gill se casaram, a mulher deu à luz um filho chamado Arman. Ela tem pouco mais de 70 anos, Gill tem 79.

Kaur desconheceu os protestos dos médicos da especialidade de Haryana, e estes acabaram concordando que ela estava suficientemente apta - e suficientemente pertinaz - para parir. Arman foi concebido por fertilização in vitro.

"Eu me sentia vazia. Sentia uma enorme solidão", contou Kaur à Agência France Presse. "Hoje eu me sinto abençoada por poder segurar meu filhinho no colo. Tinha perdido as esperanças de ser mãe um dia". A saúde de Kaur parece tão boa quanto seu estado de espírito; ela própria amamenta o filho, o que atenua algumas das preocupações dos médicos da clínica.

Kaur é uma das mulheres mais velhas - senão a mais velha - a gerar um filho; mas não se sabe ao certo, porque ela não tem uma certidão de nascimento. Ela acredita ter 70 anos. Anurag Bishnoi, o médico que acompanhou sua gravidez, disse ao jornal Guardian que é possível que ela tenha 72.

Ao dar à luz com 59 anos, uma mulher chamada Dawn Brooke foi considerada a mãe mais idosa que não usou tratamentos para a reprodução. Considerando-se as tecnologias reprodutivas assistidas como a fertilização in vitro, há recordes consideravelmente maiores. Uma espanhola de 66 anos, Maria del Carmen Bousada de Lara, deu à luz gêmeos em 2006; posteriormente ela admitiu que mentiu para os médicos a respeito da idade - ela declarara 55 anos - para poder ter acesso aos tratamentos de fertilização em vitro. Rajo Devi Lohan, também indiana como Kaur, afirmou ser a recordista em 2008, quando, aos 70, teve uma filha. Em 2013, a Organização Mundial da Saúde calculou que a expectativa de vida de uma mulher na Índia era de 68 anos.

Durante a fertilização in vitro, FIV, o esperma atinge o óvulo num prato de Petri e não no tubo de Falópio. O advento desta tecnologia, associada à doação de óvulos, abriu a possibilidade de engravidar para mulheres que tinham passado da menopausa; um estudo anterior realizado com mulheres entre os 50 e os 63 anos indicou que a probabilidade de engravidar por FIV, bem como a taxa de abortos, era equivalente à das mulheres com menos de 30 - entretanto, os pesquisadores notam uma possibilidade maior de complicações entre mulheres mais velhas.

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Nos Estados Unidos, embora o número de partos entre as mulheres que passaram da menopausa continue baixo, estão aumentando. Os nascimentos entre mulheres dos 50 aos 54 triplicaram entre 2000 e 2013, informou o AARP em 2015, de 255 nascimentos para 677 em mais de 13 anos. Não existe formalmente um limite de idade nos EUA para a FIV, embora as clínicas de fertilidade provavelmente não a permitam a mulheres acima dos 55 anos. Na Índia, um protocolo recomenda que os casais cujas idades somadas são superiores a 100 não deveriam ter acesso à FIV.

Bina Vasa, ex-presidente da Sociedade Indiana de Reprodução Assistida, observou que a soma das idades de Kaur e de Singh é de 150. "Esta é uma mensagem equivocada para a sociedade, que qualquer pessoa pode dar à luz uma criança em qualquer idade", ela disse numa entrevista ao Times of India. "Nós condenamos esta prática".

Outros consideram que negar às mulheres os procedimentos in vitro equivale a interferir em seu direito de ter um filho. É difícil estabelecer um limite de idade rigoroso, afirmou à revista Times o especialista em bioética Jeffrey Kahn da Johns Hopkins University, em 2015, porque contradiz a liberdade de se reproduzir, estabelecendo um paralelo com os homens que têm filhos a uma idade avançada.

Bishnoi, o médico de Kaur, concorda. "A reprodução é um direito fundamental", ele disse ao Telegraph. Quanto aos pais de Arman, acrescentou o médico: "Eles têm parentes dispostos a ajudá-los a tomar conta da criança. E eles podem indicar qualquer um como tutor".

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Para alguns especialistas, uma gravidez tardia não é uma questão de possibilidade médica, mas suas ramificações são pouco claras. "Alguém precisa cuidar do interesse destas crianças", disse o especialista em bioética Arthur Caplan ao Los Angeles Times em 2007, depois que Bousada revelou que ela mentira a respeito de sua idade.

Caplan e o especialista em fertilidade da Universidade Yale afirmam num estudo acadêmico de 2010 que, embora seja censurável tirar o direito a uma família, não existe "uma obrigação legal de oferecer a pessoas mais velhas o requisito tecnológico necessário para elas se reproduzirem". Eles concluem que há três exigências "morais" para mulheres mais velhas que pretendem usar a FIV: exames médicos completos; salvaguardas para assegurar que, aconteça o que acontecer, a criança terá um dos progenitores ou um tutor; e o estabelecimento de limites de idade, juntamente com o número de embriões de doadores usados em cada ciclo. Singh e Kaus afirmam que eles têm fé de que terão um futuro ao lado de Arman. "Deus ouviu as nossas preces", disse Kaur à AFP. "Minha vida agora está completa'.

Tradução de Anna Capovilla

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