Discutir educação sexual na internet supre a falta do assunto na escola ou em casa?

Especialistas aderem ao digital para quebrar tabu acerca da sexualidade

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Por Bárbara Pereira
Atualização:
Responsabilidade da educação sexual se divide entre pais e escola. Foto: Unsplash / @gaellemm

Conhecimento do corpo, prevenção de doenças, métodos contraceptivos. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, esses são os verdadeiros assuntos abordados em uma aula de educação sexual. "Acham que vamos ensinar sexo para as crianças, mas relação sexual ninguém ensina. Quando falamos de sexualidade, falamos de responsabilidade", explica Sheila Reis, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana.

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Os jovens que buscam informações sobre o assunto encontraram na internet uma forma de suprir a falta do debate dentro de casa ou da sala de aula. Dona do maior canal de sexualidade no YouTube, Cátia Damasceno entrou na plataforma há cinco anos para falar sobre sexo e relacionamento, deixando tabus e preconceitos de lado e trazendo informação com humor. A sexóloga trabalha há 15 anos na área e afirma que o interesse surgiu justamente porque nunca teve informação alguma durante a infância e adolescência: "O assunto era indiscutível dentro da minha casa". Filha de pai militar e mãe nordestina, a educação religiosa era muito forte e acabou tirando a sexualidade dos assuntos familiares.

Quando entrou no mercado de trabalho, Cátia percebeu que a maioria das mulheres não tinha conhecimento da anatomia do próprio corpo, muito menos sobre sua sexualidade. Pensando nisso, começou a se aprofundar no assunto e criou o blog Mulheres Bem Resolvidas. Com o canal no YouTube, viu seu público aumentar drasticamente. São mais de 3 milhões de inscritos e 12 milhões de visualizações mensais: "A gente atinge um público que não teve acesso à educação sexual na escola e tampouco tem acesso a um médico da área da sexualidade". Por ser um assunto que envolve muito tabu, Cátia se destacou pela naturalidade. "Acredito que o fato de falar sobre isso de uma maneira muito leve, com muitas brincadeiras, colabora para o canal ser o maior da plataforma", aponta.

Por ser um mundo aberto, Sheila alerta quanto a qualidade de conteúdo disponível no digital: "A internet é uma ótima ferramenta, mas o que precisa levar em conta é quem está por trás da tela. Estamos lidando com pessoas bacanas e que têm conteúdo, mas também está aberto a qualquer pessoa que não tem formação", reflete.

Educação sexual é papel de quem?

Hoje, no Brasil, é raro ver escolas que tenham inserido as aulas de educação sexual na grade curricular. No entanto, as exceções mostram o quanto isso é necessário. "Recebi um comentário de uma jovem que julgo ser adolescente que me deixou muito feliz. Ela dizia que a professora dela usou um dos meus vídeos sobre tipos de preservativo para gerar uma discussão sobre a importância do mesmo", compartilha Cátia. Apesar do foco não ser esse público, ela comemora quando professores usam seus vídeos durante as aulas: "Acredito que o modo como vivemos atualmente, os modelos tradicionais de livros e tudo mais, talvez não engaje mais os jovens e os vídeos prendam mais a atenção deles", pontua.

Mesmo com a crescente influência da internet, Sheila acredita que a educação sexual permanece sendo papel da escola e dos pais. "A escola é local de educar, é um lugar onde a criança troca informações com outros colegas". A especialista explica que o conteúdo deve ser ministrado com cuidado, de forma que respeite a demanda de cada faixa etária. Cátia concorda e acrescenta que na família deve ser o mesmo: "A resposta que dou ao meu filho de 20 anos não é a mesma que dou para o meu filho de 5, então temos que falar na idade que ela entende, porém nunca deixar de responder ou repreender a criança". Ela começou a educar os filhos sexualmente aos 5 anos, idade em que a curiosidade das crianças despertou e as perguntas começaram a surgir.

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"A gente ensina tudo: comer de garfo e faca, andar de bicicleta, tomar banho. Mas quando chega na sexualidade, isso não pode ser falado?", reflete Sheila. Para ambas as especialistas, o diálogo é a melhor forma de educar as crianças e deve começar dentro de casa. "É muito fácil delegar a responsabilidade de pais a outros, terceirizar para a escola, mas o local onde deve ser o berço da discussão precisa ser dentro de casa. Seja para sexualidade, educação financeira, religião, política, respeito ou caráter", completa Cátia.

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