Como falar sobre a morte com crianças e adolescentes?

Luto infantil deve ser abordado de formas diferentes, respeitando cada faixa etária

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Por Camila Tuchlinski
Atualização:
Como falar sobre a morte com crianças e adolescentes? Foto: Pixabay

A morte ainda é encarada como um tabu na sociedade, apesar de o ser humano ser extremamente ‘ritualizado’. Quando nascemos, fazemos um ritual para comemorar a chegada da criança, através de festas ou batizados. Quando casamos, celebramos na igreja e fora dela. E quando morremos, preparamos o funeral, o velório, o túmulo, enterramos ou cremamos nossos mortos. Apesar de lidar com essa situação, trata-se de um comportamento quase mecânico e, de certa forma, saudável para a nossa psiquê. Poder ritualizar a morte, mesmo que com toda a carga emocional de tristeza e dor, faz parte da elaboração do luto.  Para os adultos, a perda pode ser extremamente difícil. E para as crianças? “A criança vai encarar a morte com o mesmo olhar e potencial lúdico que ela tem para encarar a vida. Para a criança, a morte ainda não tem a quantidade de símbolos, nomes e significados que nós adultos damos”, na avaliação de Juliana Guimarães, psicóloga especialista em luto.

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Na opinião do psicanalista e hipnoterapeuta Alexandre Pedro, os pais precisam falar sobre a morte com a criança desde cedo. “Plante uma semente e vá mostrando como ela nasce, cresce e morre. Lembra daquele feijãozinho plantado no algodão que todos nós fizemos na escola? Pode ser um ótimo aliado neste momento. O mais importante desta experiência é mostrar que esse processo é natural e que independe de ele ter cuidado direitinho da planta”. 

O sofrimento emocional de quem perde alguém

Lidar com a morte de um familiar ou amigo não é fácil. Por vezes, diante do luto infantil, é muito comum existir uma tendência a querer proteger a criança da dor, como se ela não precisasse viver isso. 

“Quando impedimos esse sofrimento, perdermos a grande oportunidade de ensinar as nossas crianças o que é o sofrimento, que essa emoção faz parte da vida, que tudo bem ficar triste e, principalmente, que podemos desenvolver recursos para lidar com tristeza e momentos difíceis. Nós não precisamos esconder das crianças o quanto aquela perda também nos abala e nos faz sentir coisas difíceis”, avalia a psicóloga Juliana Guimarães.

O exemplo de sofrimento dos adultos pode tornar a vivência com as crianças mais concreta. 

Demonstrar sofrimento para a criança pode ser uma boa oportunidade parafalar sobre sentimentos com ela. Foto: Pixabay

Como falar sobre morte com crianças

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As fantasias, por vezes, fazem parte do universo infantil. Não é raro ouvir frases do tipo “o tio virou estrelinha” ou “a vovó está dormindo no céu”. A criança desenvolve, através do lúdico, seu entendimento sobre o mundo. Ela precisará de tempo para compreender conceitos mais complexos que envolvem a morte, como a irreversibilidade por exemplo. 

“Mas, mesmo com as crianças mais novas, é muito importante falar a palavra morte e explicar seu conceito, sem tornar esse tema um grande tabu”, considera Juliana Guimarães.

Para o psicanalista Alexandre Pedro há três itens em relação à morte que a criança precisa entender: “Tudo que é vivo vai morrer um dia. Quando a pessoa morre, não volta mais. Depois que morre, a pessoa não sente dor, não corre, não sente medo, não dorme, não pensa, não age mais”, ressalta. 

Respeitando as características de cada fase da criança, elaboramos uma lista, com ajuda de Juliana Guimarães e Alexandre Pedro, sobre o que é esperado para algumas idades:

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* De zero a dois anos: A criança ainda não tem aquisição de linguagem e por isso o conceito de morte não existe. Nessa fase a criança sentirá muitas coisas, mas não conseguirá nomear e compreender do que se trata. E o lúdico será uma grande ferramenta nesse processo. Crianças até 3 anos não conseguem perceber claramente isso, mas entendem que não brincarão mais com a tia ou que o avô não a buscará mais na escola. 

* De três a cinco anos: A criança tem uma compressão linguística de modo muito concreto e literal. Também não conhecem o conceito de irreversibilidade. É muito comum que a criança pareça compreender que não verá mais aquele ente querido e, em seguida, acredite na sua capacidade de retornar a vida. 

* De seis a nove anos: A criança conseguirá relacionar a morte com algo que ela perdeu, como um brinquedo, por exemplo. Ela já compreende a morte como algo definitivo, permanente e inevitável. Já consegue compreender e nomear melhor suas emoções.

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* A partir dos 10 anos: A morte já ganha complexidade e abstrações em seu entendimento. As mais velhas percebem que a morte é algo natural, mas precisarão de explicações concretas para entendê-la. Só a partir de 12 anos é que a criança consegue entender completamente todo o processo.

* Na adolescência: O adolescente já possui um nível de maturidade cognitiva que lhe dá capacidade de compreender os fatos de outra forma. Como a criança, o adolescente sempre vai usar seu mundo interno para interpretar e sentir a morte e a vida. O luto pode vir acompanhado de revolta e agressividade, desenvolvendo quadros depressivos. 

O que não fazer durante o luto infantil

Evitar o diálogo não é um caminho saudável. “Não falar sobre a morte com a criançapode provocar uma quebra de confiança na relação da criança com o adulto e com isso uma sensação de desesperança e solidão por não ter quem a ajude”, enfatiza Juliana Guimarães.

Alexandre Pedro também recomenda que os adultos nunca associem morte com o sono, por exemplo: “Para contar à criança que alguém morreu, o melhor é não mentir e nem contar historinhas do tipo: “ele dormiu para sempre”, “descansou”, ou “fez uma longa viagem”. As crianças entendem as frases exatamente como são ditas e isso pode causar confusão na cabecinha delas. Podem achar que a vovó que morreu está apenas dormindo e vai acordar a qualquer momento e chegar em casa, ou que todo mundo que viaja nunca mais volta, ou quando o papai chegar e disser que está cansado, ela vai achar que ele vai dormir e morrer”. 

A mentira pode provocar uma série de problemas para a criança, inclusive fobias. Ela pode começar a ter medo de dormir e não acordar mais. Associar mentira e fantasia como “fulano virou uma estrelinha” pode fazer com que a criança, ao olhar para o céu, acredite que todas as estrelas são pessoas mortas.

A relação dos adultos com o morrer

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Os adultos precisam ser referência para as crianças: acolher, ofertar espaço de escuta e diálogo, mas isso não precisa ser blindado do sofrimento. No entanto, a psicóloga Juliana Guimarães aconselha: “Mas se em algum momento um adulto se sentir muito indisponível emocionalmente para estar com essa criança é importante pedir ajuda. Eleger outros adultos de confiança da criança que possam dar o suporte naquele momento ou até auxílio profissional caso necessário”. 

A perda é sempre traumática para ambos os lados, porém, o diálogo e a superação dessa fase é de fundamental importância para a saúde mental. “Essa é uma fase que precisa ser vivida. A tentativa de ocultar essas emoções ou negar esse fato pode ser ainda mais prejudicial. Insisto que é fundamental o acompanhamento de um profissional que ajudará a "cicatrizar" essas feridas”, conclui o psicanalista Alexandre Pedro.

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