Chefiando 39% dos lares, mães solo ainda sofrem preconceito

Mulheres que criam seus filhos sozinhas sentem mais dificuldade para arrumar emprego

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Por Anita Efraim
Atualização:
Mulheres com filhos notam que têm mais dificuldade em começarem novos relacionamentos Foto: Pixabay

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 57,3 milhões de lares são chefiados por mulheres, isto é, 38,7% das casas. Apesar de ser uma situação comum, ser uma mãe solo é um grande desafio.

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Sozinha há 10 anos, Ilana Nimtzovitch, 54 anos, não teve opção. "Foram as circunstâncias, me separei e ele não apareceu mais", relembra a pediatra, que tem duas filhas. Além de ter de sustentar a casa, a médica vê a educação como o maior desafio para quem não tem apoio. "Acho que a maior dificuldade é essa: transmitir os valores, ser amigo, sustentar, tudo ao mesmo tempo", opina.

Por outro lado, Ilana reconhece que há um lado bom em ter se distanciado do pai de suas filhas. "O relacionamento estava infernal, estava prejudicando as meninas, então, a partir do momento que você tira esse peso, você passa a ter uma convivência melhor". Ela garante que a relação das três é ótima, "mas faz falta essa presença paterna".

Fabiana tem uma filha de quase dez anos e desde os três a menina não tem contato com o pai. A empresária de 36 anos vive sem apoio financeiro ou emocional de seu ex-marido. "Esperava que ele fosse um bom pai, porque quando éramos casados, ela era a princesinha do papai. E depois da separação ele simplesmente desapareceu, não esperava isso", diz.

As dificuldades que enfrentou para criar a filha sozinha fizeram com que Fabiana crescesse muito, mas ela acha que, no futuro, a filha pode sofrer as consequências do abandono. Outro desafio para a empresária é balancear a hora de 'ser legal' e 'cobrar mais': "É difícil educar uma criança sem o outro lado. Eu tenho que pensar em tudo sozinha. Acaba que eu sou mais rígida do que boazinha".

Preconceito. Claudia Stella, mestre em psicologia e professora de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie constata que, "embora isso seja uma realidade brasileira, ainda existe preconceito".

Fabiana, por exemplo, afirma já ter sido excluída na escola da filha. "Eu senti dificuldade do grupo [de mães e pais] em me aceitar, porque eu era uma mãe solteira. O grupo sempre se fechava, tinha confraternização, eu nunca era chamada", afirma.

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O mercado de trabalho também é um problema para mães solo, diz Claudia. "Essas mulheres que criam filhos sozinhas muitas vezes podem ter de sair do trabalho para cuidar do filho, porque ela não tem um parceiro para dividir os encargos dessa criança", diz a psicóloga.

Daniela (nome fictício) tem 21 anos e teve de se afastar do pai de seu filho depois de sofrer ameaças dele. "Eu comecei a ficar com medo, então, eu decidi que eu ficaria sozinha. Mas não é fácil, nunca é", relembra.

Quando começou a procurar emprego, a estudante ouviu que a prioridade da empresa era contratar pessoas sem essa 'questão', ou seja, sem filhos. "O mercado de trabalho tem muito preconceito com a mãe solteira, porque ele sabe que você não tem outra pessoa para dividir", opina a jovem.

Há também as dificuldades em se envolver com outras pessoas. Na visão de Daniela e Fabiana, homens olham mães sozinhas de uma maneira diferente.

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Há consequências para a criança? "Depende da criança, depende da situação. Pode não ter um pai presente, mas pode ter um avô, um tio muito legal", responde Claudia. Ela explica que existem mulheres que se empenham tanto para que as crianças tenham boas experiencias que elas (as crianças) acabam não percebendo essa ausência deixada pela figura paterna.

A idade também influencia de maneira diferente nos sentimentos da criança que não tem uma 'segunda pessoa' em sua criação. A psicóloga explica que o que realmente interfere no desenvolvimento dos pequenos é ter múltiplas guardas, mas ser criada por uma mãe solo, não necessariamente é ruim.

Empoderamento feminino. Para Ilana, ser uma mãe sozinha a fez ver o mundo de forma diferente como mulher. "Tem horas que eu derrapo, que eu caio, mas nós temos força. Nós somos sozinhas no mundo, mas se tivemos força interna, dá certo", e é isso que a médica tenta transmitir às suas filhas.

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Daniela acredita que as mulheres que criam seus filhos sozinhas estão ganhando mais visibilidade nos últimos tempos, "porque elas sempre foram oprimidas, mas hoje não é motivo de vergonha", opina. "Eu tenho que estar antenada, eu tenho que tomar as rédeas, trazer o sustento. Isso me traz forças em busca de um poder."

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