A hamburgueria LGBT+ de BH que viralizou vendendo nos apps de 'pegação'

Delivery contra a homofobia serve batata frita com glitter e busca desconstruir estigmas além de alimentar

PUBLICIDADE

Foto do author Simião  Castro
Por Simião Castro
Atualização:
Estratégia de marketing de guerrilha rendeu brincadeiras para hamburgueria LGBT+ e viralizou no Twitter Foto: Reprodução/Grindr

‘Manda nude… do hamburguer’. Este foi o tipo de mensagem que um empresário de Belo Horizonte recebeu como resultado de uma estratégia ousada. Ele resolveu usar apps de relacionamento para oferecer prazeres da carne um tanto diferentes dos esperados ali - e viralizou. Hudson Bonatto e mais dois sócios abriram uma lanchonete no final de junho, mas o atraso na entrega de panfletos para divulgar a inauguração colocou o negócio em xeque.

Isto porque o estabelecimento é dedicado à comunidade LGBTQ+ e eles queriam aproveitar o Dia do Orgulho para abrir. Daí veio a ideia: por que não tirar proveito da segmentação e geolocalização dos apps de ‘pegação’? Ele criou um perfil para a lanchonete no Grindr, colocou as fotos dos hambúrgueres e passou a usar a função ‘tap’ para chamar a atenção. Lembra das cutucadas no Facebook? É isso! Marketing de guerrilha 4.0. O esforço, no entanto, durou pouco. Apesar do retorno bem humorado dos usuários, o app proíbe nos termos de uso qualquer tipo de comércio na plataforma e bloqueou a conta. “Consegui uns 30 seguidores e boas risadas. Já amanheci bloqueado, mas valeu a pena”, diz Hudson.

PUBLICIDADE

Como uma lanchonete pode alimentar e lutar contra a homofobia

A tática rendeu de brincadeiras como a que abre este texto a propostas proibidas para menores. Hudson publicou algumas delas no Twitter e as reações já chegaram a mais de 55 mil likes e quase 3.500 retuites. A repercussão ajudou a divulgar o negócio e conquistar cerca de 400 seguidores para as redes sociais da lanchonete - mas o retorno financeiro não foi lá essas coisas. São de seis a oito pedidos por dia via Ifood e alguns poucos outros por WhatsApp, mas a avaliação da experiência é positiva.

Hudson conta que o projeto é transformar a hamburgueria, que começou no delivery, em um espaço onde pessoas de diferentes sexualidades possam aprender sobre a cultura e história do movimento LGBTQ+.

Delivery entrega informações sobre acontecimentos da história da luta contra homofobia Foto: Divulgação/Stonewall Burger/Reprodução/Tinder

A lanchonete foi batizada em homenagem ao Stonewall Inn, bar nova-iorquino que virou berço para as marchas contra a LGBTfobia após a revolta de 1969. Nos panfletos que Hudson entrega junto aos sanduíches, vai impressa a história do protesto que deu origem ao 28 de junho como data de luta da comunidade. Confrontado com a possibilidade do estabelecimento original não gostar do uso do mesmo nome e buscar alguma ação legal, Hudson apenas espera pelo melhor. “Acho que Stonewall virou patrimônio da história queer. Vou ficar triste se isso acontecer”, afirma. Outros materiais também serão produzidos explicando os nomes dos pratos, todos em referência - e reverência - a ONGs, acontecimentos e elementos da cultura e história queer do Brasil e do mundo. “Não quis dar nomes de pessoas à comida. Há muitas situações em que fortes ativistas foram silenciados, assassinados. Não achei de bom tom”, explica.

Conscientização é estratégia para derrubar preconceitos e combater LGBTfobia Foto: Divulgação/Stonewall Burger

Crise e desemprego como molas propulsoras

Publicidade

Jornalista por formação e fotógrafo por profissão, Hudson ficou sem emprego por causa da pandemia de covid-19. Mesma realidade dos sócios, a chef Jéssica Araujo e o ajudante dela Pedro Souza, e de outros 14,8 milhões de brasileiros. Veio da necessidade de fazer renda o impulso de, juntos, investirem R$ 15 mil no aluguel de um imóvel no bairro Santo André, na capital mineira, e montagem da cozinha. Eles criaram também uma estrutura para viabilizar o delivery e contam com um motoboy para as entregas.

A lanchonete foi batizada em homenagem ao Stonewall Inn, bar nova-iorquino que virou berço para as marchas contra a LGBTfobia Foto: Divulgação/Stonewall Burger

Com menos de 15 dias de abertura, ainda estão longe de recuperar o capital. Mas o otimismo é regra e alimenta o sonho, que nasceu de um momento vivido entre Hudson e a mãe. Gay, ele fazia a cobertura fotográfica de um festival de drag queens e levou a mãe junto. “Ela ficou maravilhada, foi acolhida, as pessoas acharam o máximo ela estar lá. E ela me disse que tinha sido um dos melhores dias da vida dela”, conta.

Agradar o paladar e derrubar preconceitos

Com olhos no pós-pandemia, os sócios já miram mudar para uma área mais nobre e boêmia de Belo Horizonte, como os bairros Floresta e Savassi. A intenção é abrir as portas para a diversidade e o combate à homofobia. “Quero um ambiente onde LGBTs possam trazer suas famílias e desconstruírem nossa imagem, como minha mãe cristã fez no show de drags”, afirma o empresário. As bases já estão lançadas.

Casa em Belo Horizonte serve blends autorais e batata com glitter comestível Foto: Divulgação/Stonewall Burger

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Com experiência anterior em uma rede de hambúrgueres, a chef Jéssica Araujo desenvolveu todo o cardápio com blends e molhos autorais. A casa oferece também opções veganas e vegetarianas, além de porções de sobremesas e até batata frita com glitter comestível. O cliente vai ter contato também com expressões como 'Voguing' e GALF’ nos nomes dos hambúrgueres, que são, respectivamente, um estilo de dança inspirado nas poses de modelos e um grupo lésbico-feminista que em 1983 encabeçou em São Paulo revolta semelhante à de Stonewall.

De volta aos aplicativos de ‘pegação’

No dia seguinte ao bloqueio no Grindr, Hudson, que é casado, já tinha feito novo perfil na rede. Desta vez, com o próprio nome e fotos, deixando para a descrição as informações do restaurante e entregar no chat os ‘nudes’ dos sanduíches e cardápio. Ele também criou uma conta para a hamburgueria no Tinder, mas também arriscando punição. Nos termos de uso do app ficam expressamente limitadas as interações a contatos pessoais, sem nenhuma forma de comércio. E, de acordo com o empresário, Jéssica, que é lésbica, também ficou de levar a estratégia de marketing de guerrilha a outro app. Este, destinado exclusivamente ao público feminino.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.