A busca desesperada por um emprego sem estresse

Nos meus 30 e tantos anos, as constantes mudanças de trabalho afetaram minhas finanças, meu currículo e, finalmente, meu casamento

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Por Mike Scalise
Atualização:
Emprego ideal é difícil de achar Foto: Pixabay

Eu tinha 26 anos e estava caído na plataforma de uma estação de metrô na cidade de Nova York. Minha sacola estava sobre a cabeça. Uma constelação de chicletes pisoteados e enegrecidos estava a poucos centímetros do meu rosto. Minhas mãos e meus pés: dormentes.

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Eu não tinha tropeçado. Ninguém me empurrou. Eu me movia pelo fluxo humano da hora do rush como todos os outros, indo do trabalho diurno, em uma editora educativa, para o noturno, escrevendo slogans para uma empresa de marketing. Tive dois empregos durante um ano, enquanto minha esposa fazia faculdade, equilibrando dois volumes de trabalho e dois prazos, chegando em casa perto da meia-noite quase todos os dias da semana.

Quando alguns estranhos me ajudaram a chegar a um banco ao lado, me indicando um fio de sangue escorrendo de meu cotovelo, soube o que havia acontecido. Eu já havia sido avisado.

Dois anos antes, fui parar em uma sala de emergência graças ao que eu acreditava ser uma enxaqueca e descobri que um tumor benigno havia se formado na minha glândula pituitária, que envia sinais para outras glândulas do corpo produzirem hormônios. Por essa razão, meu corpo já não fazia nenhum, incluindo o adrenocorticotrófico, ou ACTH.

Isso preocupou meus médicos. Meu corpo já não respondia ao estresse como os outros; não enviava mais o ACTH para a corrente sanguínea para combater as descargas de adrenalina que ocorrem em situações de tensão. Basicamente, não tenho reação e reflexo e o estresse pode desencadear fadiga acentuada, pressão arterial baixa, cognição comprometida ou uma "insuficiência adrenal" que, no pior dos casos, é capaz de afetar meu corpo como um acidente vascular cerebral, podendo até ser fatal.

Mandaram-me tomar comprimidos de cortisol em momentos estratégicos todo dia e nunca mudar esse horário. Visitava regularmente minha endocrinologista para sessões de controle hormonal, e no início de cada uma, ela me perguntava: "E o seu estresse?".

As mentiras que lhe contava ("Sem problema!") eram nobres, pensei, e até eu acabei acreditando nelas. Eu estava bem. O estresse estava bem. Ele estava por toda parte - como poderia ser diferente? No meu trabalho diurno, ia fumar com colegas de trabalho no telhado do nosso prédio e tínhamos conversas aparentemente profundas, baseadas essencialmente em comparações: os prazos que se aproximavam, as tarefas com as quais tínhamos que lidar, todos nós orgulhosos de nossa capacidade de fazer cada vez mais coisas ao mesmo tempo.

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No meu emprego noturno, meus colegas eram atores, cineastas e escritores na batalha, que durante o dia faziam audições, mandavam seus trabalhos para revistas ou mexiam seus pauzinhos. O estresse que comparávamos ali era mais sobre o que não tínhamos e como sofríamos para chegar lá.

Eu me convenci de que dominava o estresse. Conhecia seus ritmos (achava que sim), e gostava da exaustão que ele produzia, quer fosse saudável ou não. Ele era sedutor, uma realidade que provava meu valor muito mais que meus salários baixos.

Mas a queda na plataforma do metrô mexeu comigo. Ela me impôs um limite que eu não podia ignorar. Nas semanas e meses que se seguiram, tive mais episódios como aquele. Eram mais agudos e sempre debilitantes. Um erro em um email para os clientes, algo que dava errado em um projeto, até os mais simples fatos do trabalho causavam uma paralisia semelhante. Eu digitava emails com as mãos dormentes, ia me sentindo incapaz de controlar os detalhes mais simples e ficava nervoso com os erros que causava, me sentia preso pela ansiedade que eu mesmo havia criado e da qual não conseguia escapar. Estava exausto e confuso. Não conseguia dormir.

"Aumente a dose do cortisol quando sentir que o estresse está chegando", disse a minha médica. Mas quem de fato sabe dessas coisas? O poder mais insidioso do estresse é a sua capacidade, como a água, de encontrar as rachaduras e se embrenhar por elas. Eu tinha que mudar alguma coisa, mas o quê? O estresse parecia ser a força vital de uma carreira produtiva. O que significa, agora, ter que evitá-lo a todo custo?

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A melhor resposta que encontrei: largar tudo. Nos oito anos depois da queda na plataforma, larguei 12 empregos. Trabalhos freelance, trabalhos de equipe, trabalhos administrativos, trabalhos de gestão. Alguns eu odiava, outros, adorava, mas me tornei um demissionário em série, trabalhando duro até que o estresse se aproximasse o suficiente e se mostrasse uma ameaça séria, então saía. Tornei-me o mestre do aviso prévio.

Tinha um orgulho perverso dele - sou o melhor demissionário que há; ninguém desiste de empregos tão bem quanto eu -, mas sabia que estava destruindo minha reputação irremediavelmente. Entre meus amigos, conquistei a fama de furão profissional e percebi que ganhei um novo rótulo, um que nunca havia tido: preguiçoso.

Nos meus 30 e tantos anos, as constantes mudanças de trabalho afetaram minhas finanças, meu currículo e, finalmente, meu casamento. Eu havia trazido o estresse venenoso do trabalho para minha casa e ali também ele se embrenhava pelas rachaduras.

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Uma demissão e uma rescisão de contrato mais tarde, lá estava eu em outra busca, cansado e derrotado, quando o trabalho número 13 apareceu: desenvolver testes para um centro de ensino de língua estrangeira. O trabalho me lembrou de outros que tive aos 20 anos, na editora educativa e na empresa de marketing televisivo. Mas as pessoas aqui eram calmas e tranquilas e normalmente saíam às cinco da tarde.

Minha chefe era uma ex-professora de espanhol que terminava toda conversa, dizendo: "É assim mesmo", ou "Essa é minha história e eu a aceito". Ela disse que iria me treinar em tudo, pois tinha um bom pressentimento. Mesmo assim, fiquei com medo de desapontá-la. Então, quando, algumas semanas depois, descobri que havia formatado algumas especificações incorretamente na finalização de um produto muito grande, acabei sendo tomado pela ansiedade e decepção. Com as mãos dormentes e nauseado (novamente), corri ao seu escritório para confessar meu erro, já preparado para me demitir (de novo).

Ela suspirou profundamente.

"Sabe qual é a profissão do meu marido? Ele é cirurgião militar. Vê pessoas morrendo. Todos os dias", disse ela.

"Lá vem", pensei, já me preparando para um discurso sobre minha ética de trabalho, ou meu vigor. "O estresse faz parte da vida. Se vira", disse ela, como se eu não tivesse passado os últimos oito anos fazendo exatamente isso.

"Este trabalho? Ninguém morre neste emprego. Tudo pode ser resolvido", acrescentou.

Depois disso, ela e eu elaboramos um plano calmamente. Fizemos o mesmo no dia seguinte e no outro dia, até que logo meu trabalho acabou provando ser a mais rara de todas as verdades relativa a uma carreira: era apenas um trabalho. Nada mais, nada menos; e me agarrei a ele ferrenhamente.

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