Um salto de dois séculos

Irineu Engler revitaliza paisagem de fazenda de café do século 19 com espécies que não se usavam na época

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Por Marisa Vieira da costa
Atualização:

De 2002 a 2004, o paisagista Irineu Engler pegou a estrada pelo menos duas vezes por semana para acompanhar o andamento de um projeto grandioso - o de revitalização da paisagem da Boa Esperança, uma fazenda de café do século 19, na região de Campinas. Hoje, passados três anos, ele ainda vai lá com certa freqüência para ver de perto os trabalhos de manutenção, testar o plantio de novas espécies, melhorar uma obra aqui e ali. O projeto se resumiu a uma parte dos 64 hectares da fazenda, que foi registrada oficialmente em 1846. De lá para cá, teve 16 proprietários até ser comprada pelos atuais, em 1999. "Meu projeto se concentrou na entrada, na área social, nas pontes e na circulação. O resto é ocupado pela plantação de café e a mata nativa", diz esse apaixonado por história, que traz no sangue o gosto por plantas. "Meu avô, Arthur Moreira de Almeida, conseguiu, por meio de exaustivas experiências, cultivar uma rosa negra na casa onde morava, na Aclimação. Isso está registrado em cartório", conta o paisagista, que no final dos anos 80, largou o curso de Arquitetura para viajar. Acabou se fixando na Tailândia depois de conhecer os jardins do Palácio Real e se encantar com os bonsais, os orquídários, os aromas e as topiarias. "Quando voltei ao Brasil, em 92, passei a fazer cursos de paisagismo, a acompanhar pesquisas de agrônomos de Holambra, a participar de congressos e exposições fora do País." Radicado em Pedreira, também perto de Campinas, em 2000 Irineu foi convidado para fazer o paisagismo da Boa Esperança. "Havia barrancos gramados, algumas frutíferas e a alameda de palmeiras imperiais que leva à sede, como muitas fazendas da época", recorda, explicando que paisagismo em fazenda é prática recente. "No Brasil Colônia, quem projetava a arquitetura das fazendas eram os jovens que estudavam na Europa e traziam modelos de lá. Usavam o branco e o azul nas paredes, punham a cozinha no centro da casa para o calor do fogão aquecer os quartos em volta. Em torno das moradas, fechado por muros, havia sempre um jardinzinho com rosas. O resto era pomar, horta e mata nativa", diz. O luxo veio com as palmeiras imperiais, plantadas pela primeira vez no Brasil por D. João VI, em 1809, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. "Usar espécies tropicais no paisagismo só viria mais tarde, com Burle Marx", explica. Irineu conta que a proprietária fez duas exigências: que ele desse ênfase às espécies vermelhas e brancas e às aromáticas. Na estrada de terra, colocou pedras recolhidas no pasto. "Usei-as para criar um efeito envelhecido", explica. Ele ainda substituiu as toscas pontes de madeira por outras de pedra e foi criando alamedas de agapantos (para as flores azuis darem continuidade à cor das edificações) e de vermelhas eritrinas que atraem beija-flores. Também limpou o caminho das palmeiras (o exemplar de 5 m custa R$ 400, na Capa Plantas) e tipuanas (R$ 15 com 2,30 m, no mesmo endereço), que conduzem à sede. Como a geografia da fazenda não é linear, Irineu construiu jardins independentes. O interno, da casa, exala o perfume de damas-da-noite e jasmins. O vermelho vem das russélias, acácias-baianas e acalifas; e o branco está em copos-de-leite, gardênias, camélias e capim-dos-pampas. Próximo à piscina e nas laterais das passagens de serviço, da capela e casa de hóspedes, usou as repelentes citronela e malva. Já as suculentas - agaves (R$ 13 a caixa com 6 mudas, no Viveiro Paulo Hino), Aloe vera, espadas-de-são-jorge - estão junto do haras, com lavandas e hortênsias. O canteiro do estacionamento abriga um espaço para pesquisa com rosas exóticas, um gosto da proprietária. Irineu conseguiu que as da espécie Imperatriz Dona Leopoldina florescessem na cor creme com borda pink. Ali, lavandas misturam-se a arruda e outros arbustos e, mais adiante, no gramado de um dos quatro lagos, crescem oliveiras e uma trepadeira Jade. Como toda fazenda que se preza, o pomar é exuberante e farto. Lá estão pés das chinesas lichias e olhos-de-dragão, de abacate, carambola, jabuticaba e uvaia. Irineu se orgulha de dois detalhes do projeto: os taludes de pedra que contêm a terra dos canteiros e as vertentes com pedras furadas para as pingadeiras fluírem a água mineral que sobra da caixa d?água e retorna ao lago. Num arco com rosas vemelhas foi aplicado o conceito do feng-shui. Irineu explica: "Como a casa está em linha reta em relação à entrada, o arco ?segura? o ch?i, que é a energia da harmonia e do equilíbrio, e espalha bons fluidos pelos espaços."

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