Um marco da Rive Gauche

O Hotel Lutetia, em Paris, onde Saint-Exupéry, Picasso e Sartre deixaram sua marca, prepara sua festa de 100 anos

PUBLICIDADE

Por Maria Ignez Barbosa
Atualização:

Sinônimo do espírito Rive Gauche, o Hotel Lutetia, que já teve no nome um V latino no lugar do U, o único cinco-estrelas na região, completa 100 anos em dezembro. Uma grande festa de réveillon e muitos outros eventos, como concertos de jazz, sábados literários, jantares com menus especiais na brasserie e no restaurante Le Paris, decorado por Sonia Rykiel, vêm sendo programados ou já estão à disposição de quem se animar a um séjour parisiense este ano. Além disso, estão previstos os lançamentos de uma safra especial de champanhe Taittinger, de selos, uma vela de cheiro e um robe com a grife do hotel.

 

PUBLICIDADE

Menos pretensioso do que muitos dos grandes e nada boêmios hotéis do lado direito do Sena, o Lutetia se orgulha de sua história, às vezes conturbada, e de ter sido morada – e continuar abrigando – de intelectuais, artistas e criadores que ali acabam deixando sua marca. Matisse, Gide, Joyce, Saint-Exupéry, Picasso, Sartre, François Mitterrand, Pierre Bergé, até nosso Vik Muniz, são alguns dos que moraram, foram hóspedes ou viveram um momento especial nesse monumento art déco, que abriga hoje uma incrível e variada coleção de arte e tem apartamentos e suítes com decoração assinada por diferentes criadores.

 

Deve-se aos donos do Le Bon Marché, a grande loja de departamentos que fica a poucos metros dali, na própria Rue de Sèvres, a ideia de sua construção. Era preciso haver nas cercanias um lugar onde os compradores que vinham da província pudessem se alojar e que estivesse à altura de seu padrão de vida. Os arquitetos Boileau e Tauzin fizeram o desenho, Binet e Belmondo, o pai do ator, as esculturas da fachada, e as empresas Christophe, Baccarat, Haviland e o Le Bon Marché garantiram o mobiliário e os utilitários.

 

Paris era a capital do mundo, sede de exposições universais, e o hotel ganhou a imponência e o formato de um grande transatlântico.

 

Noite de núpcias. O primeiro conflito mundial do século, porém, viria logo arrefecer os ânimos. O prédio foi transformado em hospital e ocupado por freiras e voluntários à disposição dos feridos e moribundos. Nos anos 20, no entanto, o champanhe e a boêmia voltaram a circular pelos salões e pelos bares do hotel. Foram anos dourados e bem vividos esses, entre a 1ª e a 2ª Guerra. Nesse período, o general De Gaulle escolheu o hotel para sua noite de núpcias, Josephine Baker, para morar por um longo período, e escritores americanos, pintores, músicos e poetas, para se reunir.

 

Quando veio a 2ª Guerra e Paris foi ocupada, o Lutetia não escapou, como muitos outros hotéis, de ser requisitado pelas forças invasoras. Abrigou a Abwehr, uma organização alemã de contraespionagem. Viveu então, o pior momento de sua história, mas, com a Liberação, recobrou o astral e se transformou em local de encontro dos sobreviventes, cujos parentes chegavam munidos de fotos, identidade do procurado e, sobretudo, com a esperança de encontrar seus entes queridos. Nem todos tiveram a sorte da atriz e cantora Juliette Gréco, que ali reencontrou a mãe e as irmã deportadas em 1943.

 

Bem no limite entre os distritos 6 e 7 de Paris, o Lutetia não poderia estar mais bem localizado. Próximo à Saint-Germain, ao Boulevard Raspail e à Rue de Rennes, tem nas cercanias universidades, editoras, livrarias, os mais badalados cafés da cidade, butiques de importantes designers, grandes apartamentos de classe média alta e a famosa Grande Epicerie du Bon Marché, um supermercado de encantar olhos e paladares, e onde o que se sonhar pode ser encontrado.

Publicidade

 

Tratado de paz. Não é de surpreender, portanto, que esse hotel, uma referência da arte francesa de bem viver, luxuosa e requintadamente, tenha sido palco de tantos acontecimentos importantes. O tratado de paz do Vietnã foi negociado entre as paredes do Lutetia, comprado em 1955 pela família Taittinger – desde 2005, ele é parte da cadeia Concorde Hotels e Resorts e foi tombado como monumento histórico em 2007.

 

Foi lá que, depois de 30 anos de relações cortadas, Jean Paul Sartre se reconciliou com Raymond Aron. Em seus salões, onde os imensos lustres Lalique também já foram tombados pelo patrimônio e pesam cada um 70 quilos, se realizam até hoje cerimônias de entrega de prêmios como o famoso Médici.

 

No hall de entrada desse hotel, que se confunde com um museu vivo, César, o conhecido artista plástico francês, instalou em 1989 uma escultura dedicada ao construtor da Torre Eiffel. Outro francês famoso, Arman, desenhou todo o mobiliário da suíte que ganhou seu nome. E, mais recentemente, em parceria com a Maison Européenne de la Photographie, quatro suítes especiais, Les Rotondes, foram inauguradas com fotografias de artistas de diferentes partes do mundo. Na suíte Vik Muniz, uma Brigitte Bardot retratada com diamantes, uma Marilyn Monroe de chocolate e uma Mona Lisa recriada em peças de quebra-cabeça enfeitam as paredes.

 

No restaurante Le Paris, uma escultura de Philippe Hiquily, apelidada Carmem, se faz de vendedora de cigarros. E, não faz muito, roubou-se da cozinha um espaço para se criar o The Kitchen, um fumoir para os amantes de charutos onde impera absoluto o humidor L’Ernestine, outro trabalho de Philippe Hiquily.

 

Para quem se interessar em saber mais sobre o que aconteceu e acontece em todos os cantos desse hotel, que junta o charme do passado a uma estrutura das mais modernas, e sobre as personalidades que por ali passaram, viveram ou foram responsáveis pela decoração dos seus 170 apartamentos e 60 suítes, um belo livro, Hotel Lutetia, O Espírito da Rive Gauche ( 33,25, no www.fnac.com ), recém-lançado pela editora JC Lattès, vale a leitura.

 

( www.mariaignezbarbosa.com ).

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.