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Dá para ter um bonsai bonito em casa, mas é preciso cuidar - mesmo em dia de jogo da seleção

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Por Lorena Tabosa
Atualização:
S11 ARQUIVO 09-06-2014 EXCLUSIVO SUPLEMENTOCASA/CASAE/CASA&/CASA Casa Bonsai Juliana Okuda Clube do Bonsai FOTO Zeca Wittner/ESTADAO Foto: Zeca Wittner/Estadão

Uma árvore pequenina, com formas bem definidas, colocada em um vaso de cerâmica que de imediato nos remete ao Oriente. Apesar de tudo isso vir à cabeça quando se pensa em bonsai, há muito mais a saber. Primeiro, é preciso ter em mente que, segundo a tradição, se trata de uma arte; o bonsai é uma escultura viva. E entender as necessidades e o funcionamento da planta é fundamental para sua sobrevivência. Segundo, ter um em casa é menos difícil do que se imagina, desde que tomados alguns cuidados. “Ninguém precisa ser escravo do bonsai. Só esteja atento a três questões: sol, água e adubação”, assegura a bonsaísta Juliana Okuda, do Clube do Bonsai.

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“Não é difícil cuidar do bonsai, isso é um mito brasileiro. Só é preciso ter disciplina”, garante Marcio Augusto de Azevedo, cultivador há mais de 15 anos. Para ele, o importante é seguir um conjunto de cuidados interligados: além dos citados por Juliana, “poda regular, no mínimo a cada 15 dias, e troca de terra a cada 2 anos”.

“Um bonsai não é de forma alguma frágil, mas ele vive em condições especiais: precisa de muito sol estando em um solo com pouca reserva de água. O resultado é que, se você não cuidar da planta diariamente, ela morre. Mas de quanto tempo ela precisa? Só 30 segundos por dia, o que inclui o Natal, o réveillon, o carnaval e o dia do jogo da seleção”, explica o especialista Fábio Antakly Noronha.

Trabalhando com bonsai há quase duas décadas, a bonsaísta Regina Suzuki precisou ir ao Japão para aprimorar as técnicas. “São necessários pelo menos dez anos de dedicação para o mestre o considerar um discípulo. Você aprende o que a planta precisa no dia a dia, já que o mestre não ensina tudo. O japonês diz que, por ser uma arte, você tem que ‘roubá-la’ do mestre”, explica.

Antes de viajar para a terra do sol nascente, Regina havia acompanhado o mestre Osamu Hidaka em seu trabalho com o pinheiro-negro, uma espécie clássica de bonsai, em Atibaia. “Meus pais eram amigos do mestre Hidaka, mas cultivavam outras plantas, não o bonsai. Fui a primeira da família a me interessar pela arte”, conta. Foi também em Atibaia que ela montou seu próprio viveiro, há 18 anos.

Com Hidaka, Regina aprendeu os princípios mais básicos, que servem para qualquer um que queira iniciar o cultivo do bonsai. Primeiro, comece fazendo a limpeza da árvore, arrancando as pequenas plantas ‘parasitas’ que nascem ao redor do tronco, e a deixe tomar sol. Depois, tente apreender qual é a necessidade de água da planta, que varia de uma para outra, e adube pelo menos uma vez ao mês. “A rega depende do clima. Então a regra é: quando a terra estiver seca, molhe”, instrui Juliana. “E, se não encontrar adubos específicos para bonsai, escolha um que seja para plantas envasadas.” Segundo Azevedo, “em 99,9% dos casos de morte do bonsai, o problema foi a falta de água”.

Observação. Completadas essas etapas de cuidados no dia a dia, experimente fazer a manutenção da árvore, que consiste na poda e no replantio. É importante estar atento às épocas mais indicadas para realização de cada procedimento, analisando as raízes e troncos que podem ser cortados. “Geralmente, replantamos no fim do inverno, antes de a planta começar a brotar, o que ocorre na primavera. A poda deve ser feita depois que os novos brotos já tenham nascido”, recomenda Regina.

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Veja mais dicas sobre como cuidar do bonsai no infográfico.

No caso das espécies floríferas e frutíferas, não se faz muito trabalho na madeira, remodelando troncos ou podando demais. “A beleza é deixar as copas mais cheias, destacando flores e frutos, que não reduzem de tamanho, tendo a mesma espessura que teriam na planta em tamanho real”, pondera. 

Juliana lembra que, no caso das floríferas, é importante podar antes da floração. “Nunca devemos podar uma planta que esteja com flores, pois, para se recuperar do trauma da poda, ela vai parar de dar flores naquela estação.” 

Prova de que observar e conhecer bem a planta são o caminho certo para ter um bonsai bonito. Mas é preciso ter paciência, como bem diz Noronha. “A maior dificuldade dessa arte é sua própria natureza profunda: consiste em algo que pode demorar facilmente 15 anos ou mais para ser obtido. É algo totalmente contrário ao imediatismo dos dias modernos. Bonsai é para os que têm a percepção de que tudo tem seu tempo, uma folha não cai nem antes nem depois do que deve e a vida humana, embora façamos de tudo para ignorar essa regra, faz parte da natureza.”

Técnica chegou com o japoneses

ARQUIVO 09.06.2014 EXCLUSIVO SUPLEMENTOCASA/CASAE/CASA/CASA& Casa Bonsai Regina Suzuki FOTO: ZECA WITTNER/ESTADÃ?O Foto: Zeca Wittner/Estadão

Em junho de 1908, há exatos 106 anos, os primeiros japoneses chegaram ao Brasil, trazidos pelo navio Kasato Maru. Cerca de 160 famílias estavam a bordo e, com algumas delas, veio a arte do bonsai. Além do conhecimento das técnicas, os japoneses trouxeram na bagagem espécies tradicionalmente trabalhadas por bonsaístas, como azaleia, pinheiro-negro e bordo-japonês, conhecido como acer. “Só anos depois é que se passou a testar a técnica com árvores tropicais nativas”, explica Fábio Antakly Noronha, bonsaísta e estudioso do bonsai.

A família Hadano foi a pioneira no cultivo e comercialização de bonsai, segundo Noronha. A difusão da arte começou na Feira da Liberdade, aos domingos, e os brasileiros aos poucos se interessaram pelas miniárvores. “Hoje, estima-se que quase 100 mil pessoas cultivem bonsai no Brasil”, aponta Noronha, que tem dois livros publicados sobre o assunto (Cultivando Bonsai no Brasil e Bonsai - uma Arte ao Alcance de Todos, ambos da editora Escrituras).

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Os verdadeiros bonsais, produzido a partir da semente, raramente são vendidos em floriculturas não especializadas e em feiras de rua. E viveiros dedicados exclusivamente à arte são poucos no Brasil. “Há bons viveiros no interior de São Paulo e no Paraná, Minas e Santa Catarina. A produção de bonsais de qualidade, especialmente a produção comercial, ainda é um desafio no Brasil”, afirma.

Colaborou Ana Gabriela Verotti

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