Talento no DNA

Filhos de Zanine perpetuam a busca pela excelência, marca do mestre

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Por Bete Hoppe
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Euclides Zanine Caldas Neto (cerca de 60 anos, "mas é melhor não revelar a idade por causa do preconceito"), José Zanine Caldas Filho (54 ) e o caçula, Zanini de Zanine (29), herdaram, além do nome, a profissão e o apreço pela matéria-prima que marcou o trabalho do pai: a madeira. Até por conta disso, e da convivência, o resultado assemelha-se à produção paterna, o que suscita um misto de orgulho e desconforto na trinca. "O nome é forte, mas carrega cobrança, responsabilidade", admite o designer Zanininho. No caso de José Zanine Filho, basta apresentá-lo como "...sabe de quem ele é filho?" para tirá-lo do sério. "É como se o nosso trabalho fosse menor ou que valêssemos apenas porque somos filhos dele", diz o arquiteto. Já Euclides, de mesma profissão que o irmão, foi o mais radical: rompeu com o pai entre 1985 e 1987 e seguiu em busca de sua identidade profissional. "Quando trabalhávamos juntos em Nova Viçosa, na Bahia, corrigia erros nos projetos, desenhava móveis, mas ninguém reparava no que eu fazia. O crédito era todo para meu pai", lembra. Ironicamente, o carioca Euclides trilhou o mesmo caminho autodidata do pai e hoje delega a assinatura dos trabalhos para o filho diplomado, Daniel (24 anos). Ele ainda usa machadinha na madeira maciça para dar forma à base de uma peça, técnica que aprendeu ao lado do pai, os dois observando um canoeiro baiano na lida. "Com os caboclos também aprendemos que devemos extrair a madeira na lua nova, para não dar broca", afirma. Hoje, instalado em Vitória, o arquiteto revela utilizar mais madeira do que o pai ("ele empregava a matéria-prima com alvenaria") e se diz ainda mais ousado por fazer uso de toras ocas. "Elas são descartadas pelas serrarias; um equívoco, porque são mais resistentes", diz Euclides, cujo forte são os móveis (produção sob encomenda). Reencarnação do pai Arquiteto formado em Mogi das Cruzes, José Zanine, paulistano que mora em São José dos Campos, viu de perto a criação da maquete do edifício Copan, em São Paulo, e da casa da família na Praia da Joatinga - erguida com material de demolição de igreja, "porque era mais barato". "Hoje, esse tipo de madeira é artigo de luxo. Por isso, uso bem menos do que o meu pai usava", diz. José se considera mais criterioso com os entalhes do que o pai e aponta outras particularidades de suas criações: "Uso cores e misturo a madeira com outros materiais, como granito e vidro". Na vida pessoal, ele diz ter seguido rumo oposto ao de Zanine, reconhecido como um pai ausente em razão da carreira. "Não importava em que cidade era o trabalho; se a porposta o excitasse, ele estava sempre pronto para partir", conta José. Quanto ao designer carioca Zanini de Zanine, ele percebe na madeira in natura o ponto em comum entre sua produção e a do pai. "Achava horrível, mas hoje lido bem com ela", afirma o filho predileto, que nasceu "no mesmo dia do meu avô, por quem meu pai era apaixonado", revela. "Ele cismou que eu era a reencarnação dele... dizia que não ia morrer, mas sim prosseguir em mim." Anos depois, o filho topou com Reduzino, que trabalhou 30 anos com Zanine e então recuperava casas construídas pelo mestre. Reduzino passou a fornecer madeira para o caçula e foi assim que a maçaranduba de uma torre de caixa d?água originou as primeiras peças do jovem designer, caso do banco Cuca. Agora, a dupla trabalha lado a lado no ateliê-galpão, em Jacarepaguá. "Uso técnicas de encaixe, crio móveis modulares", diz Zanini. "O que não aprendi com meu pai, aprendo com Reduzino, que foi o braço-direito dele", diz. Em breve, pai e filho estarão em destaque na Noho Gallery, em Los Angeles. "Vai ser uma exposição que mostra de onde veio a idéia de cada peça", explica o designer. Separados geograficamente, Euclides, José e Zanini se uniram para manter vivo o trabalho do pai. O primeiro passo foi a reedição de peças da linha de móveis Z, dos anos 50, a única industrializada. As medidas são fiéis às dos móveis originais, mas os materiais adaptaram-se ao mercado. As tiras plásticas da poltrona Z, por exemplo, que imitavam couro, hoje são mesmo de couro, enquanto a chita que revestia a poltrona L foi trocada por lona reciclada de caminhão. "Quanto aos parafusos aparentes, tivemos de encomendar, porque não se fabrica mais aquele modelo com cabeça fendada", revela Daniela Asdente, dona da Ponto a Ponto, que produz os móveis vendidos pela Dpot. Campanha na web Para 2009, ano em que Zanine completaria 90 anos, os filhos planejam uma exposição e a edição de um livro sobre a trajetória do pai. Contudo, reunir o acervo tem sido o desafio. "Muitos objetos estão no exterior, outros são peças de colecionador... Talvez uma campanha na internet possa ajudar a reuni-los", diz Zanini. E um museu? "É o nosso sonho", diz o caçula, esperançoso.

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