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Starck e sua marca no rio

Em seu primeiro projeto no Brasil, o 'enfant terrible' do design faz do Hotel Fasano um exemplo de sofisticação

Por Maria Ignez Barbosa
Atualização:

À parte os comentários, que denotam um quê de despeito por parte dos cariocas pelo fato de ter sido exportado da "provinciana" São Paulo, acaba de ser aberto o hotel mais sofisticado, mais elegante e de maior sucesso no momento no Rio de Janeiro. E assinado por Philippe Starck, o enfant terrible do design moderno, com a chancela da grife Fasano, que já virou símbolo de bem viver, comer e hospedar. Mas talvez valha mencionar ao menos uma dessas observações: a de que, no andar térreo, onde ficam o restaurante Al Mare, o lobby e a recepção, as cortinas, embora transparentes, impedem a visão do mar, onde o Arpoador belamente se funde com a praia de Ipanema. Evitam, no entanto, que se veja de muito perto, na calçada, os guardadores de carro e os transeuntes mais ou menos vestidos para a praia. Por que então, se pergunta uma carioca, o restaurante não estaria no segundo andar ? Seria por que Philippe Starck não é um expert em Rio de Janeiro ou, quem sabe, por que acredita que muita gente prefira um restaurante descolado de hotel, sem a necessidade de pegar elevador? Discussão à parte, fato é que os cariocas disputam mesas que, sejam redondas ou quadradas, têm o segredo de aumentar e diminuir segundo um sistema escandinavo. E só faz aumentar a curiosidade em relação ao que fez ali, e pela primeira vez no Brasil, o arquiteto e designer mais emblemático do século 21. Sem reservas, entretanto, impõe dizer que, do 8º andar desse edifício de esquadrias metálicas, madeira, vidro e mármore, construído na esquina da Joaquim Nabuco com a Vieira Souto e posicionado de forma enviesada no terreno, você vai ganhar o Rio de Janeiro au grand complet; vê-lo sob o mais belo dos horizontes, não importa se à noite, quando a água da piscina vai do azul ao verde passando pelo turquesa, ou se durante o dia, quando ela se imporá toda branca, tal qual um espelho d?água a se juntar ao oceano ao longe. Ou seja: sem sair de Ipanema, vai ser possível nadar, bestar ou bebericar, avistando o Arpoador, o Morro Dois Irmãos, a Pedra da Gávea e o Cristo Redentor. Ver para crer. Dormir para depois contar. Crio a coragem para o avião e, paulista convertida, me vejo no Rio, cidade onde nasci e, o que normalmente não acontece, me dirigindo a um hotel. Ao chegar ao Fasano carioca, fachada e portas de vidro, tudo mais para o discreto, já bem visíveis as tais cortinas que não deixam devassar e que ao mesmo tempo são um achado de grande efeito e uma constante nos hotéis de Philippe Starck. Nada daquelas entradas palacianas e às vezes intimidantes dos grandes hotéis de luxo. Pela porta transparente, logo de cara, um corredor criado no chão pela passadeira de vidro branco, curvo, iluminado por baixo e demarcado por cortinas, de um lado de veludo vinho, do outro, de linho branco. Ao escurecer, será por ali que se vai chegar ao Londra Club, o Bareto carioca, com garrafas pousadas em degraus também iluminados na parede ao fundo e décor Rainha da Inglaterra e sua swinging London dos anos 60 e 70. Sabores do Brasil Na recepção, à direita, um enorme balcão - o primeiro toque bem Brasil com a bênção do papa do design - é da Tora Brasil e pesa seis toneladas. Foi preciso reforçar o chão sob as tábuas de madeira. Como pano de fundo, um painel envidraçado, feito com as portas de vidro ondulado e moldura cromada que eu iria depois reconhecer no chuveiro do apartamento, mas que ali tem fundo de tecido estampado na cor de ônix amarelo e luz por trás. Além de enfeitar, esconde o escritório. Os dois elevadores têm portas de metal prateado que se fundem na cor cinza da pedra na parede ao fundo, revestida com pedaços irregulares de granito não polido Miracema, e só vão chamar a atenção pelo inesperado quando se abrirem. Nos andares, primeiro o hall sutilmente iluminado; o número do quarto vai estar no chão, em frente à porta, e escrito na faixa de luz . Bem ali, solta e hospitaleira, a poltrona Mama, de Gaetano Pesce, com peitos fartos e listras amarelas e vermelhas. Em frente, junto à parede, outra poltrona, anos 50, que veio da Itália, tendo ao lado uma luminária de pé da mesma época, ambas na cor verde-periquito. Em seguida, o prazer de entrar num quarto com portas de vidro sobre o mar e direito a um terraço com paredes laterais de espelho para multiplicar a beleza da vista. As cortinas, apenas para a hora de dormir - cerrá-las antes seria um pecado! - são de cetim cor de chumbo, plissadas, de dar vontade que se transformem em vestido. Deduzo que o formato longitudinal desse quarto, de 40 m² e diária de R$ 1.440 (há dois menores e mais baratos, e dois tipos de suíte maiores e mais caras), chamado Deluxe Ocean View, serve para permitir que se possa apreciar a vista - tanto da cabine do chuveiro com vidro transparente, da mesa de trabalho por trás da cabeceira da cama, da própria cama solta no meio do espaço e da grande poltrona com banqueta, de Sergio Rodrigues, a Voltaire, diante da TV de tela plana. Isso, se não quisermos sentar-nos nas duas poltronas, também de Sergio Rodrigues, que ocupam o terraço. Elas são outro sabor Brasil que devemos às escolhas de Rogério Fasano e que Philippe Starck aprovou, gostou e, quem sabe, vai passar a usar em outros (e alhures) interiores. Templo do ônix amarelo Obviamente que os lençóis são de 300 fios e os vários travesseiros, de plumas de ganso. O colchão é como as costas pedem, duro e ao mesmo tempo macio. Delícia! A cobertinha para os pés, em linha de algodão amarelo ocre, com etiqueta Trussardi, vai combinar com outro elemento recorrente na decoração do hotel - o quase onipresente ônix amarelo. As luminárias postas sobre as extremidades da cabeceira da cama, diferentes entre si, mas sempre de forma geométrica, são feitas dessa pedra. Assim como aquela, logo à entrada do quarto e que mais parece um quadro abstrato, na parede entre os armários de pau-ferro com puxadores, simples argolas de couro marrom. Sem falar no tampo do balcão do bar, junto à piscina, no chão da sauna também no 8º andar, e da grande mesa-pia no toalete feminino do térreo, sempre na mesma pedra translúcida amarela. Outra constante nas decorações de Philippe Starck e, no caso, do Fasano carioca, é o formato de ameba com moldura em tom acinzentado metálico, por todos os lados e em tamanhos diferentes. Pode aparecer sorrateiramente pequeno e preso ao teto, em cima das camas, de formas diferentes nas paredes laterais no quarto, atrás da cuba no banheiro e formando um grande painel no andar da piscina sobre a parede externa de madeira. Também causando impacto ao longo desses espaços cheios de signos, surpresas e referências, separados uns dos outros pelos tais e abundantes cortinados no andar térreo, os conhecidos e tão "starckianos" espelhos de enormes dimensões, com molduras também de espelho e desenhos geométricos. Eles vão aparecer contra paredes de tijolinho rústico, entre os cortinados do restaurante. Deles, vale dizer, Starck consegue tirar as maiores vantagens. Ao recortar o teto e nele embutir os trilhos, retos ou curvos, por onde as cortinas poderão correr e formar ambientes, o arquiteto consegue aumentar e diminuir espaços num passe de mágica, sem precisar de portas de correr, biombos ou divisórias. É ainda de espelho a peça que mais impressiona no novo Fasano: um móvel dupla face projetado por Starck, que, além de espelhado e desenhado, é também iluminado - de um lado funciona como parede de fundo no bar do restaurante e, do outro, surge como estante-vitrine para ser vista à noite, da calçada e através do vidro, quando são recolhidas as cortinas. Em cada um dos seus vãos quadrados, conchas marinhas e de diferentes tipos foram arranjadas pessoalmente por Rogério e a impressão é de estarmos diante de uma vitrine de jóias preciosas. Pelo vão do meio, o maior e único pelo qual se pode ver o interior, e onde está pousada a pequena gôndola que serviu para inspirar o logotipo do hotel carioca - que aparece na louça branca, nos cartões e papéis de carta -, vai ser possível perceber quem estará jantando no belo e sempre cheio restaurante Al Mare, pilotado pelo chef Luca Guzzoni, trazido de um três estrelas de Florença, e pagando alto pela impecável cozinha dos Fasanos. Circulando pelo hotel, Michael Roberts, o editor de estilo da revista Vanity Fair agita, fazendo junto de fotógrafos a produção de um catálogo para a Daslu. Fico sabendo que, no número de setembro da americana WWD, um editorial fala muito bem do novo Fasano. Na Newsweek internacional da penúltima semana deste mês, na coluna Hot Spot, Brian Byrnes diz que o Fasano "trouxe um necessário toque de butique de luxo à histórica cidade do carnaval à beira-mar". Ouço elogios aos tapetes de listras, alguns nos quartos, outros no lobby do térreo, decorado com móveis dos anos 50, muitos deles de designers brasileiros, e mesas contemporâneas da Tora Brasil, com aquele selo que nos garante o bom uso das florestas. O Brasil chique Duas poltronas Jangada, do designer romeno radicado no Brasil Jean Grillon, e que não podiam ser mais belas e próprias para um ambiente de litoral, são um achado do qual Rogério muito se orgulha. A calçada tem o mesmo desenho de toda a orla, tão carioca, ondulado em branco e preto. Nessa mesma estampa, o prato com frutas frescas no quarto. E, impressa nas portas de correr que separam o banheiro do pequeno hall de entrada das suítes, a foto em tamanho natural de um casal dançando, também em preto-e-branco e em anos dourados. Philippe Starck não precisou de muitas viagens ao Rio para a realização dessa primeira façanha em terras brasileiras. Seu braço direito, Bruno Burrioni, fez-se mais presente. Tinha aqui Rogério Fasano, da quarta geração de uma família que veio da Itália em 1902 e que iniciou em São Paulo a trajetória de mais de 100 anos de sucesso profissional, para garantir que o projeto do arquiteto francês fosse não apenas bem executado, mas também ganhasse uma intencional cara de Brasil chique, urbano e antenado.

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