Rússia revive era do czares

Projetada por Philippe Starck, a Maison Baccarat, em Moscou, é templo de luxo na era pós-comunismo

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Por Maria Ignez BARBOSA
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Em 1896, ao retornar de sua viagem de núpcias em Paris, o czar Nicolau II encomendou à Cristaleria Baccarat 12 enormes candelabros. Não tardou para que a corte inteira se pusesse a fazer pedidos, sobretudo de copos de cristal, pois era praxe e tradição que, uma vez o vinho bebido, o copo fosse atirado para trás dos ombros. Não foi sem razão, portanto, que lá pelas alturas de 1900, um dos três fornos da já famosa fábrica estivesse inteiramente dedicado aos pedidos vindos da Rússia. Conta a história que essa tão preciosa mercadoria, destinada muitas vezes a palácios bem distantes, era carregada no lombo de mulas em grandes caravanas e chegava à Rússia em navios que faziam a rota do Báltico, entre os portos do Mar do Norte e São Petersburgo. Em 1999, um desses cargueiros, o Kursk, que naufragou em 1912 nas proximidades de Anvers, foi localizado por exploradores belgas e vários serviços de cristal, inclusive do modelo Colbert de lapidação muito rica e trabalhada, foram resgatados . Pois hoje, em tempos pós-comunistas e de muito dinheiro rolando no país, e tendo a cargo do seu visual o designer Philippe Starck, autor da maison parisiense, a francesa Baccarat resolveu que a sua segunda maison no mundo seria em Moscou. Foi inaugurada em março e, como a de Paris, junta museu, loja e um requintado restaurante para 80 pessoas. O local esco-lhido foi uma antiga farmácia com fachada de estilo entre o neobarroco e o neo-renascentista, vários andares, 900 m² e escadaria monumental no hall de entrada, onde imponentes candelabros, todos decorados com enormes bolas de cristal, dão, já de cara, o clima de fausto do universo Baccarat. Fica situada na conhecida Rua Nikolskaya, considerada o centro da vida intelectual de Moscou no século 18, e consta que seria a maior farmácia da Europa. O local pertence à Mercury, firma encarregada da renovação, e que, com essa supervitrine, promete reconquistar para a Baccarat o dinheiro russo, agora em mãos novas e burguesas e, para si, o título de maior distribuidora de cristais de toda a Rússia. Pelo fato de as relações franco-russas no segmento de luxo serem tão tradicionais, por estarem se expandindo cada vez mais e por ser tão antiga a história da Baccarat no país, o investimento fazia sentido. Já estão ali, e a todo o vapor, a Cartier, a Guerlain, a Veuve-Clicquot, a Vuitton e outras tantas, atrás do dinheiro deslumbrado. Desde 2001, com apenas uma loja em Moscou, a Baccarat está projetando abrir na Rússia, no espaço de cinco anos, entre cinco a 10 lojas. Segundo Brigitte Bury, diretora de imagem da empresa, "o reconhecimento da marca Baccarat está ligado a nossa história com a Rússia, o que é precioso. E só compararmos com um país como a China, onde temos de trabalhar muito mais para ganhar notoriedade". Não foi sem razão de ser, portanto, que na França, o serviço de copos minuciosamente lapidado e batizado "do Czar" nunca saiu de linha. Philippe Starck, recém-casado com Jasmine, sua diretora de comunicação, e vivendo, como ele mesmo diz, numa eterna lua-de-mel entre aviões privados e quartos de hotel de onde o casal não sai nem para jantar, resolveu que na maison moscovita trabalharia com pedra bruta e cores pastel peroladas. No hall de entrada, ao pé da grande escadaria, uma enorme cadeira em cristal e um tapete vermelho com o grande B em cristal iluminado, que vai reaparecer em todos os andares. A butique, no térreo, tem paredes de pedra e é iluminada por um grande sol vermelho. As vitrines são de espelho e cristal e as mesas, com pés também de cristal, têm luz que vem de dentro. Vende-se ali, além de peças de cristal para uso e requinte funcional, luminárias, relógios, jóias e acessórios. Uma atração de encher os olhos e o olfato é o perfume "Um certo verão em Livadia". Vem num deslumbrante flacon feito com cristal transparente, vermelho e verde-piscina, e tem na tampa a cruz imperial de metal. Sempre paradoxal, necessariamente impertinente e conseguindo ser moderno num universo tão tradicional, Starck, nesse andar térreo, ainda colocou um lustre de cristal como que boiando dentro de um aquário com terminações em espelho e emanando luz. "Focado e desfocado" Chama-se Cristal Room o restaurante de comida francesa ao gosto russo. Ali, as cadeiras têm parte de seu encosto em cristal e, junto ao bar, um personagem mitológico domina um gigantesco nicho com velhos aparelhos de televisão que emitem calor. A peça central é o lustre "Flou, je te vois flou", (focado e desfocado), a última criação de Starck. Quem quiser levar para casa a preciosidade terá de despender a bagatela de 300 mil e ainda esperar alguns bons meses, uma vez que são feitos só sob encomenda. Virou brincadeira em Moscou adivinhar quem vai ser o primeiro milionário a cometer a loucura. Para os franceses, que tanto desejam que os russos continuem a quebrar copos, será a confirmação do reatamento das relações com os tempos esplendorosos dos czares e a prova de que o cristal voltou a fazer parte do universo do grand luxe depois de longo marasmo no setor. Philippe Starck, que é também chegado à escrita (tem um livrinho de pensamentos cor-de-rosa), faz, no belo catálogo da nova maison, comentários sobre como a Baccarat, um templo já tão carregado de memória e passado, pôde lhe ser tão fértil como fonte de inspiração: "A essência da Baccarat é para mim o mundo da ilusão através das possibilidades óticas das facetas do cristal talhado. Imaginei, portanto, um Palácio de Cristal onde tudo seria possível. Os efeitos óticos do cristal se transformam em jogos mentais e poéticos, onde tudo é relativo e sujeito à ilusão e, portanto, uma fonte para o nosso imaginário. O sonho, os símbolos e a realidade constantemente se mesclam". Entenda, se quiser e conseguir, as palavras desse Philip-pe Starck que, em recente entrevista para o caderno Culture do Paris Match, teria afirmado ser o maior designer do mundo e onde confessa o desejo de "refazer de Veneza a cidade da reflexão e da inteligência".

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