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Quando o lar vira galeria

Com o mercado em alta, a hora é boa para iniciar uma coleção. Especialistas dão dicas aos iniciantes

Por Jennifer Gonzales
Atualização:

Você tem sensibilidade para a arte e gostaria de possuir belas e instigantes obras em seu lar, doce lar. Sonho impossível? Nem um pouco. A crescente difusão de artistas nos últimos anos originou um mercado mais amplo e acessível, ideal para quem está decorando a casa ou simplesmente quer torná-la mais interessante. Mas como iniciar uma coleção sem ser um especialista ou ter uma conta bancária de múltiplos dígitos?

 

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É certo que 99,9% dos novos colecionadores, até por razões de ordem financeira, não começam com um Vik Muniz ou uma Adriana Varejão, artistas consagrados no circuito internacional. Há dezenas de novos nomes, no entanto, cuja trajetória vale a pena acompanhar - e cujos valores de obras estão igualmente no início. É como diz o curador e mestre em filosofia pela USP Cauê Alves: "Quem comprou uma tela de Beatriz Milhazes há dez anos não pagou o que ela vale hoje".

 

O primeiro passo, portanto, é entender o princípio básico de uma coleção. "Colecionar não é o mero ato de acumular", ensina Fernanda Feitosa, organizadora da feira SP-Arte. "O conjunto tem de ter nexo, seguir um período, tema ou técnica. Caso contrário, não ganha o caráter de coleção e as obras não conversam entre si." Agnaldo Farias, um dos curadores da próxima Bienal de São Paulo, no ano que vem, valoriza a empatia entre apreciador e obra. "O interessado deve estudar o tema", recomenda. "Quem não se educa - e isso vale para qualquer coisa - acaba comprando gato por lebre."

 

Agnaldo Farias, com sua coleção, recomenda estudo

 

Visitar galerias, museus e feiras especializadas é outra forma de aprimorar o senso estético. "Os museus que trabalham com arte contemporânea fazem exposições regulares e galerias têm linhas de atuação com um recorte específico", diz o curador. Aproximar-se de um iniciado nesses locais, ainda que provoque certa timidez, é dica de Renato de Cara, da galeria Mezanino. "Converse com artistas e curadores, puxe papo mesmo", sugere. "Você não tem ideia de quanto vai sair enriquecido."

 

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Renato conta que o público da Mezanino é formado, em sua maioria, por profissionais liberais e empresários entre 25 e 45 anos. "É gente que está montando casa e tem uma verba disponível", conta. Farias, que ajudou a selecionar a primeira leva de obras da galeria virtual Motor, atesta a tendência. "Existem cada vez mais jovens colecionadores, e o maior número de cursos teóricos e canais especializados em arte contemporânea são indicadores do interesse crescente", afirma.

 

 

Renato de Cara em meio ao acervo da Galeria Mezanino

 

A aquisição de peças de arte por meio do clique de um mouse foi o ponto de partida da Motor, obra de Alexandre Roesler e sua mãe, a marchand Nara Roesler. "Muitas pessoas, especialmente as que vivem longe dos grandes centros, não têm contato com a produção atual", observa o empresário. "Fizemos uma parceria com 15 galerias de São Paulo, Rio, Minas e Paraná e nos associamos ao site Submarino - que provê a logística de entrega em todo o País." O espaço virtual oferece atualmente cerca de 370 obras e, dessas, 100 são únicas (pinturas).

 

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"As galerias geralmente trabalham com cinco cópias de uma peça múltipla (fotografias e gravuras, entre outras)", explica Alexandre. Na Motor, as tiragens variam de dez a 100 cópias, segundo a determinação do artista. "Assim podemos vendê-las mais em conta, e todas têm certificado de autenticidade." Nomes como Tomie Ohtake são encontrados no site, mas a maioria dos trabalhos é de artistas jovens. Todos, sem exceção, foram feitos exclusivamente para atender à galeria virtual. "O modelo não entra em conflito com o negócio das galerias participantes, já que as obras são diferentes das comercializadas em seus espaços físicos", informa o empresário. Os colecionadores Marcio Silveira e Mauro Finatti certamente não contaram apenas com seu poder de compra para originar um corpo respeitável de obras. Os dois jovens, em suas respectivas experiências, tomaram a iniciativa de aprender um tema que, até então, era estranho para ambos, e foram atrás de informações e conhecimento específico. Sua trajetória, portanto, lhes dá aval para dar ao leitor algumas dicas de como formar uma coleção de arte - pequena ou grande, não importa. O que vale é o prazer de conviver com ela.

 

No imaculado apartamento do advogado Marcio Silveira, de 39 anos, mais de 100 obras são exibidas ao longo dos 250 m² de área, o que até lembra uma sofisticada galeria. Entre outros trabalhos reunidos por ele, fotografias de Pedro Motta dialogam com um objeto de Vik Muniz e uma tela de Tiago Tebet, artista formado recentemente na Faap. "A arte é um reflexo do nosso tempo, por isso busco obras com as quais me identifico", define Silveira.

 

O segredo é circular. Há cerca de sete anos, ele passou a visitar galerias e a frequentar cursos em espaços como o Instituto Tomie Ohtake, além de estudar filosofia. "Até aquela época, eu procurava uma obra ‘bonita’. Hoje vou atrás de peças reveladoras, que me causam espanto", conta o colecionador. Tornar-se sócio do Núcleo Contemporâneo do MAM, em São Paulo, em 2008, estreitou seu convívio com artistas plásticos e curadores de mostras durante visitas a ateliês e exposições na cidade. "Ver um conjunto de obras pelo olho do artista é uma experiência única", acredita Silveira.

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O quadro de formas geométricas da coleção de

Silveira  leva a assinatura de Caetano de Almeida

 

Foi no período em que viveu em Nova York, de 1999 a 2003, que o administrador de empresas Mauro Finatti, de 37 anos, iniciou sua relação com a arte contemporânea. "Ganhei uma pequena tela do artista plástico paulista James Kudo no meu aniversário, de um amigo brasileiro que fazia estágio na casa de leilões Christie’s", recorda. "A partir daí, decidi comprar uma obra por ano."

 

Compras no Brooklin. As aquisições, na verdade, se tornaram maiores que essa média, já que ele tem atualmente cerca de 50 peças. "Em Nova York adquiri sete obras, que custaram entre US$ 300 e US$ 1 mil, especialmente no Pratt Institute, no Brooklin. A escola de arte faz exposições com estudantes e assistentes de pintores e fotógrafos."

 

Hoje, em seu moderno apartamento no bairro de Santa Cecília, ele reúne trabalhos de Daniela Ferraz, Rodrigo Linhares e Monica Schoenacker, entre outros artistas. "A maioria é da década de 1970 e da primeira deste século. Há cinco anos encontrei um pastel de Gregório Gruber em um leilão", conta o administrador. "Gosto das cores e da precisão do seu traço", diz Finatti, que cada dia aprende mais sobre a linguagem das artes.

 

Diversas técnicas e mídias - pintura, gravura, vídeo e fotografia, entre outras - fazem parte do universo da arte contemporânea e podem servir de recorte para estabelecer uma coleção. Fazemos aqui uma pequena introdução sobre cada uma delas, com dicas de como conservar as obras por muitos anos.

 

Fotografia. A procedência da obra é fundamental, diz Alexandre Roesler, da Motor. "O ideal é lidar com uma galeria que dê certificação de autenticidade, especialmente porque na arte contemporânea há artistas que assinam suas obras e outros não", observa. Essa característica surge com frequência na fotografia, comenta. "Alguns autores acham que a assinatura prejudica a obra." Outro ponto significativo é a tiragem. "Vale a pena checar se a edição tem cinco ou 20 cópias", acrescenta. Quanto à conservação, os procedimentos de Marcio Silveira, que tem 50 fotografias em seu apartamento, servem como dica: ele mandou instalar filtros de laminado transparente sobre os vidros das janelas e lâmpadas com filtros jateados (Lumini). "Quando a pessoa tem um bom número de obras expostas, o investimento é essencial", ensina ele.

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Gravura. Fernanda Figueiredo, uma das curadoras da Galeria Motor, aconselha verificar se a obra é assinada. "A assinatura dá maior credibilidade ao exemplar", diz. Silveira, que reuniu algumas gravuras em sua coleção, afirma que se trata de uma técnica muito bonita e que existem artistas especializados. A fama de ser esse um produto menos nobre é rejeitada pelo curador Cauê Alves. "Esse mito foi quebrado, trata-se de uma visão ultrapassada", critica. "A gravura é um trabalho de arte e tem qualidade técnica. O fato de não ser único está mais ligado à lei de mercado, e não se deve confundir valor de mercado com valor estético", afirma.

 

Desenho. Segundo Fernanda, o desenho é uma das técnicas mais importantes na hierarquia das artes. "O contato entre artista e papel é muito íntimo; sua produção devia ser mais incentivada." Ela recomenda que o interessado atente para o estado do papel. "Tem de se tomar muito cuidado ao manuseá-lo, pois é um meio frágil."

 

Pintura. Antes de adquirir uma obra, é preciso perguntar sobre o currículo do artista e se ele já participou de exposições. Depois, é bom verificar a qualidade dos materiais e a técnica. Um óleo sobre tela, por exemplo, não pode ser limpo.

 

Vídeo. Talvez por ser o meio mais novo, o vídeo ainda é polêmico, diz Fernanda. "Ele é muito discutido enquanto aquisição. As pessoas questionam o aspecto da tiragem, se devia ser um produto caro ou barato e se um livrinho assinado pelo artista deveria vir com a obra." A fundadora da SP-Arte, Fernanda Feitosa, define o vídeo como um trabalho artístico em movimento. "Ele pode ser apresentado em formato pequeno ou em uma TV de plasma e ser exibido constantemente. O dono também tem a opção de instalá-lo em qualquer parte da casa, até no banheiro."

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