Quando a família muda

Garimpar móveis e objetos onde tudo é colocado à venda atrai clientes fiéis - um programa clássico entre paulistanos

PUBLICIDADE

Por Marcelo Lima
Atualização:

A cada final de semana o ritual se repete. O endereço muda, mas, ainda assim, a promessa de boas ofertas faz muita gente levantar cedo em pleno sábado, faça chuva, faça sol, para ir aos tradicionais "família vende tudo", programa já clássico entre os paulistanos, no qual toda uma casa é colocada em liquidação e onde é possível encontrar um pouco de tudo - de marcador de livros a tapeçaria antiga - por preços, em média, 50% mais em conta que o de um similar novo. "Acaba virando um hábito. É só começar e toda sexta-feira você se pega à caça de novos endereços. Tipo, para onde eu vou amanhã?", conta a assessora de marketing Leila Mansur, fiel freqüentadora dessas promoções. "Procuro estar sempre antenada. Nunca se sabe o que se pode encontrar", completa Leila, que já perdeu a conta de quantas peças, até por impulso, incorporou à sua casa. "A seleção de produtos é realmente muito ampla. Já vendi de coleção de chifres a uma carruagem do século 19. É muito difícil entrar e sair sem nada", arremata a promotora de vendas Nanda Leite de Barros Mello, que atua no mercado há 15 anos e destaca as casas em processo de partilha como as detentoras das melhores ofertas. "Nesses casos, os herdeiros, até por questões de ordem emocional, geralmente preferem se desfazer de tudo. Encontra-se de móveis simples a antiguidades raras", adianta. Segundo ela, sofás de dois lugares, por exemplo, custam a partir de R$ 300 e cadeiras de estilo podem ser encontradas por R$ 100, dependendo do estado de conservação. De livros a cristais Outra motivação para vendas são as mudanças repentinas para o Exterior. Como no caso da jornalista Karina F. Sikking, de malas prontas para os Estados Unidos e com data de abertura da casa já agendada. "Se possível, além dos itens pessoais, pretendo levar somente o meu cachorro", brinca. Entre as mercadorias à disposição dos interessados, um acervo eclético: de eletrodomésticos em ótimo estado - como cafeteira, fogão de 6 bocas por R$ 500, e TVs de plasma de 42" por R$ 2.200 - além de cristais e livros. Muitos deles, principalmente em língua inglesa. Evento de repercussão garantida - na opinião de empresários, moradores e participantes -, o "família vende tudo" vem ganhando, nos últimos anos, um perfil menos elitista, porém não menos exclusivo. É cada vez maior, por exemplo, o número de apartamentos pequenos nas promoções, mas a divulgação continua restrita aos mailings das promotoras. "Só trabalho a partir de referências e não divulgo meus eventos nos jornais. Tudo se dá pelos meus contatos e do boca-a-boca", conta a empresária Maria Helena Farahat Manasseh. "Antigamente era possível divulgar também com faixas nas ruas. Hoje, isso não é mais permitido pela legislação municipal, mas felizmente temos o e-mail", pontua Nanda Barros Mello. Segredo do sucesso, a conclamação para o evento é a fase crucial da preparação e deve começar ao menos 15 dias antes da data programada, após a avaliação da mercadoria. A modalidade de negociação entre moradores e empresários varia de profissional para profissional. No caso de Maria Helena, o total estabelecido é de 20% sobre todas as vendas. Já no de Nanda, 5% sobre a avaliação de todas as peças. Em comum entre as duas, a avaliação conduzida in loco, além da etiquetação dos objetos e da montagem da casa para o evento. Um trabalho que dura de dois a quatro dias - e no qual as empresárias procuram compor cenários atrativos, destacando raridades e dispondo os produtos por categorias. As vendas acontecem, geralmente, de sexta a domingo e as portas só abrem na hora marcada. É sempre um acontecimento, reunindo, além dos clientes fiéis, antiquários e lojistas interessados em revender as peças. "Às vezes, é preciso até distribuir senhas para organizar o fluxo", conta Nanda. Um custo adicional, quase sempre partilhado com o morador, é reservado à contratação de seguranças, que permanecem de plantão durante todo o evento. "Nos condomínios, deixo a critério do proprietário, mas nas residências não abro mão de segurança externa", explica Maria Helena, que, além deles, conta ainda com equipe própria para fiscalização interna. "Sempre existem itens pequenos, de difícil controle. Afinal, estamos falando de uma casa inteira. Pequenos furtos podem ocorrer, por isso é bom ficar sempre atento", conclui. Períodos de férias escolares, janeiro e julho, são também meses pouco recomendados para agendar as vendas. "Em média, realizo seis eventos ao ano, mas nunca nesses períodos", adverte Nanda, que, assim como Maria Helena, já trabalha com eventos pré-agendados - para a alegria dos clientes, que não vêem a hora de a temporada de caça recomeçar.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.