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Poderes de uma era de ouro

O mundo do décor do início do século 20 rende fofocas fenomenais contadas em livros

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

.Texto de Maria Ignez Barbosa

Produção de Maria Regina Notolini

Fotos dos livros 'Snob Society', 'Le Style Windsor' e 'The Glass of Fashion'

 

Livros como o novo

Snob Society

, de Francis Dorleans, e os reeditados

Le Style Windsor

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, de Suzy Menkes, e

The Glass of Fashion

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, de Cecil Beaton são fonte de antigas fofocas. Faz parte do anedotário gossip chic o que a decoradora americana Elsie de Wolfe, em cruzeiro pela Grécia no iate de sua amiga Daisy Fellowes, exclamou diante da Acrópole: "É o meu bege!"

 

São muitas as histórias desses tempos de festas e badalações, quando princesas se casavam com plebeus; gays e lésbicas viravam marido e mulher se conviesse; americanas ricas douravam os títulos de nobres europeus empobrecidos, e era chique ter um decorador a tiracolo, pronto a dar um basta no pesado look vitoriano do século anterior.

 

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Em Paris, nessa primeira metade do século 20, enquanto Le Corbusier ensaiava uma estética que só seria unanimidade bem depois, in era ter Jean Michel Frank como decorador. Apesar de as más línguas dizerem que nos apartamentos que ele decorava parecia não morar ninguém, o jovem judeu de pai suicidado, irmãos mortos em acidente de avião e mãe em asilo de loucos, tornou-se a coqueluche das parisienses antenadas e elegantes. Ar deprimido, pouco senso de humor, mas impecável em seus ternos listrados, Frank sabia se impor.

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Nathalie Paley, casada com Lucien Lelong, chamou-o para redecorar os salões de alta costura do marido. Ali, entre imensas cortinas drapejadas de veludo grege e imponentes vasos Giacometti, Frank jogou com tons claros blanc-cassé e casca de ovo. Nathalie, nascida Romanoff, neta do czar e filha do grão duque Paul Alexandrovitch, também assassinado, ao contrario do que se podia supor, era grata ao destino. Em Paris, na lista das dez mais elegantes do mundo, achava mais interessante o faux luxe despojado de Frank do que os cristais, os ouros e as pedras dos palácios de São Petersburgo. E, antes mesmo de terminados os trabalhos, ela já se imaginava assistindo a um desfile da nova coleção do marido ao lado de amigas como Marlene Dietrich. Com o decorador, tinha a afinidade de um passado de tragédias.

 

 

De ego bem grande, Elsie de Wolfe foi outro expoente chave do décor desse período. De uma leva de mulheres autodidatas que partiram para o ofício de embelezar a vida de ricos e famosos, ousava disputar com Jean Michel Frank a autoria da decoração toda bege, cor de barbante ou de creme de banana. Com razão, no entanto, a ela se pode atribuir o uso e abuso do chintz estampado em cortinas e sofás, treliças em paredes, almofadas com frases bordadas, estampa de oncinha em estofados, pele de zebra no chão e outras tantas extravagâncias que a transformaram em uma das maiores legendas do universo da decoração.

 

PALMEIRAS DE GESSO

Outra exímia no métier foi a tão mundana quanto Syrie Maugham. Ela ficou conhecida pelos jantares que organizava em sua casa em Londres. Nos seus salões de paredes e tapetes brancos, imperavam as palmeiras de gesso de Serge Roche, móveis em marqueterie de espelho, vasos dos irmãos Giacometti e sofás de cetim off white. Para o famoso fotógrafo, desenhista e cronista da Vogue, Cecil Beaton, velho amigo da decoradora, o único mau gosto de Syrie foi casar-se com Somerset Maugham, grande escritor, mas irascível e mal educado.

 

 

Como seria de se esperar, Elsie e Syrie não se bicavam. Ambas chegadas à boêmia chique que circulava entre Londres e Paris, tornaram-se amigas de Sally Simpson, a americana que foi morar na capital inglesa com um marido às voltas com import-export, e se tornou amante do rei Eduardo VIII, da Inglaterra, que abdicou do trono para transformá-la em mulher da vida toda.

 

Syrie Maugham, atacada de um verdadeiro "vírus branco", como dizia Cecil Beaton, ajudou Sally na decoração da casa onde morou com o marido americano. Na sala de jantar colocou cadeiras de vinil branco capitonê e, no quarto, um baldaquim. Com seus novos amigos, entre eles o príncipe de Gales, Sally não perdia as festas de Syrie, que, por sua vez, queixou-se com Beaton que ela se postava em sua casa como em país conquistado, e que ousava convidar para seus jantares quem bem quisesse, inclusive a sua rival Elsie de Wolfe.

 

COPO DE MOSTARDA

Beaton, sem tomar partido, apesar do estado de nervos da amiga, não acreditou que Syrie pudesse não gostar de ter o rei jantando em casa. E por achar já um pouco passé o décor da amiga, optou por elogiar o belo copo de vidro veneziano onde lhe serviam um suco. Ao ouvir que cinco deles se haviam partido no último jantar, perguntou à Syrie por que usava copos tão lindos em festas grandes, ao que ela retrucou: "Não posso servir meus convidados em copos de mostarda".

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Nesse fim dos anos 30, Elsie de Wolfe, beirando os 70 e transmutada em Lady Mendl pois se casara com Sir Charles Mendl, adido de imprensa da embaixada britânica em Paris, um gay que a acreditava rica, seguia morando na famosa Villa Trianon, em Versalhes. A sua famosa relação de muitos anos com a amiga Elizabeth Marbury já era página virada.

 

Na conterrânea Elsie, a mais jovem Sally Simpson encontrou não só proteção como a mentora ideal. Absorveu-lhe as manias e maneiras, tais como nunca usar diamantes de manhã, não misturar palmas de Santa Rita em arranjos de flores, passar a ferro o dinheiro, aparar folhas da alface ou colocar apenas três – nunca quatro – cigarros no copinho a frente de cada convidado à mesa.

Piscina em Buckingham

 

Quando já era a favorita do rei, Sally foi mensageira de um convite à amiga Elsie só talvez comparável àquele feito pelo papa Júlio II a Michelangelo para decorar os tetos da Capela Sistina. Do rei, ouviu de viva voz que, em Buckingham Palace, desejava por piscina, ginásio esportivo e banheiros modernos.

 

Elsie, cabelos azuis, rosto empoado e chapeuzinho equilibrando na cabeça, não cabia em si de contente. Pouco depois, no entanto, a abdicação frustrou esse que haveria de ser o mais prestigioso projeto dessa americana em terras europeias. Lady Mendl, em seus Worth, Paquin e Doucet, que não se sabia como pagava, pois viveu sempre à beira da falência, contentou-se dizendo que seu maior chef d’oeuvre foi a própria duquesa de Windsor.

 

A propósito – ou nem tanto –, almofadas bordadas com frases tais como "não somos nunca nem muito ricas nem muito magras", "quem cavalga um tigre não consegue descer", "sorria para um maltrapilho do mesmo modo que para o rei" ou "é preciso um coração valente para viver sem raízes" compunham o décor nas alas íntimas do ex-futuro rei e sua duquesa.

 

Enquanto isso, Elsie, que em 1937 havia vendido a sua Villa Trianon ao milionário e mecenas Paul-Louis Weiller pelo sistema viajer – ou seja, ele só teria a casa e seus pertences quando ela morresse –, ali viveu os inícios da guerra. Irritava-lhe o avanço dos alemães, pois se lhe iam os clientes. E, ao som de bombas, enquanto o marido se refugiava no subsolo com empregados e convivas, Elsie não se abalava. Recostada no divã em sua sala de espelhos, garrafa de champanhe no gelo, só pensava em como sentaria à mesa os convidados no dia seguinte. Quem muito viu e deixou escrito foi sua amiga Elsa Schiaparelli.

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Até o fim da guerra, Elsie de Wolfe viveu, por alguns anos, uma tardia carreira em Hollywood, onde suas extravagâncias encantaram os estrelados do cinema. Ali descobriu e ajudou a lançar Tony Duquete. Foi no entanto em Versalhes, na sua querida Villa Trianon, que morreu, em 1950, depois de perguntar ao advogado que lhe redigia o testamento o que a ela própria caberia: "Nada, minha senhora, porque já estará morta". (www.mariaignezbarbosa.com).

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