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O design humanista de Paulo Mendes da Rocha no mobiliário

Arquiteto criou a poltrona Paulistano em 1957, produzida a partir de uma estrutura simples de aço dobrada a frio e 'vestida' com uma capa de tecido, cujo design segue atual

Por Marcelo Lima
Atualização:

Como a muitos de seus colegas, o desenho de mobiliário na trajetória do arquiteto brasileiro Paulo Mendes da Rocha, morto em 23 de março e prêmio Pritzker 2016, não surgiu como fruto de uma pesquisa em particular. Nem por isso, como também ocorreu a muitos de seus contemporâneos – não só no Brasil, mas em todo mundo –, sua contribuição se revelou menos relevante para a afirmação de um projeto de móvel genuinamente nacional

O arquiteto Paulo Mendes da Rocha, morto em 23 de maio: poltrona Paulistano está na coleção de design do MoMA. O crédito desta imagem foi publicado inicialmente com um erro, sendo posteriormente corrigido. Foto: Ana Ottoni

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Em sintonia com os ideais modernistas, o interesse por desenhar móveis nasce na imaginação do arquiteto, primordialmente, do desejo de compreender, em maior profundidade, as relações entre o corpo humano e os móveis. E destes, com os interiores da arquitetura então em curso.

No caso de Paulo, remonta aos anos anteriores à sua graduação no Instituto Mackenzie, em São Paulo. Período no qual ele prestava serviços para lojas de mobiliário e já intuía, precocemente, a existência de um mercado promissor, e até então inexplorado, para um móvel “made in Brazil”. 

Datam desta época, inclusive, seus primeiros estudos em torno da flexibilidade do metal associada ao desenho de cadeiras. E mesmo os primeiros esboços daquela que viria a ser a sua mais emblemática criação: a poltrona Paulistano, produzida a partir de uma simples estrutura de aço dobrada a frio, posteriormente “vestida” com uma capa de tecido, ou couro.

Móvel ícone

Com a poltrona, o arquiteto equipa, em 1957, as áreas sociais – varanda, bar e piscina –, do tradicional Clube Atlético Paulistano, no bairro dos Jardins. Conquista o primeiro lugar no I Concurso de Design do Museu da Casa Brasileira, em 1986, e passa, desde 2009, a ocupar lugar cativo na coleção de design do MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York. 

Poltrona Paulistano, de Paulo Mendes da Rocha, com capa de lonita: criada em 1957 e ainda atual Foto: Objekto

Mas, apesar de toda aclamação da crítica, o reconhecimento público e comercial da Paulistano só chegou décadas depois. Sobretudo depois de 2004, quando as empresas Futon Company, no Brasil, e Objekto, no mundo, passam a deter os direitos sobre sua produção e comercialização – incluindo sua versão Office –, e sua imagem começa a ganhar as vitrines dos grandes magazines e os editoriais das revistas internacionais. 

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“Do projeto original, praticamente nada mudou”, afirma a francesa Benedicte Halborn, sócia do marido Mathieu, no comando da Futon Company, que comercializa o móvel, em sua versão mais simples, com capa de lonita e estrutura de aço, por R$ 5.374. “As alterações se resumem ao tipo de capa – com o aval do arquiteto, o móvel ganhou, inclusive, uma versão metálica – e ao acabamento da estrutura. Mas o desenho se mantém intacto”, comenta ela, que antecipa ainda para este ano o lançamento de uma série para lá de exclusiva. 

Trata-se, segundo a empresária, de um desejo do próprio Paulo, que ao conceber a Paulistano pensou na possibilidade de vestir o móvel com uma capa de fibra de tucum, à semelhança das redes indígenas, ideia que à época se revelou impraticável. 

“É um projeto que vem sendo conduzido pela própria filha do Paulo, Naná Mendes da Rocha, que empreendeu uma expedição ao Alto Xingu especialmente para trabalhar junto aos índios da tribo Kamayurá na confecção de novas capas, trançadas, no material. Será algo muito precioso e delicado. E, claro, produzido em tiragem limitada”, adianta Benedicte. 

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Como as novas gerações veem a Paulistano

Fernando Campana, designer "Acho que ela merece o nome que tem. É bem a imagem de São Paulo: austera, mas ao mesmo tempo confortável. Depois, me agrada também a sensação de tropicalidade que o projeto transmite. Ela é leve, fluida, bem ventilada."Jader Almeida, designer "Considero o desenho desta poltrona absolutamente genial. Seu traço simples, coeso, eficiente, justifica bem a máxima de que o bom design é sempre o mínimo possível. Ela é a própria síntese deste pensamento."  Lourenço Gimenes, arquiteto e ex-aluno "Um clássico. Não só por seu valor simbólico e histórico, mas também por seu desenho, que oferece acomodação confortável, leveza e elegância. É um móvel que funcionará dignamente, para sempre, em qualquer ambiente."Murilo Weitz, designer "Um dos meus móveis favoritos. Bem resolvida não só do ponto de vista estético, mas também estrutural. E com um dado a mais: uma informação de moda, uma vez que possibilita novas versões a cada troca de capa."

Os móveis da coleção Linha 22, da ovo Foto: Ovo

Flexibilidade máxima

Definitiva em seu imaginário, fato é que desde a experiência vivenciada com a Paulistano, o design nunca mais saiu da órbita do arquiteto. Nos anos 1980, após percorrer diversas instalações industriais, Paulo se impressiona com as bobinas de aço. Sobretudo com a flexibilidade e espessura de suas lâminas, e logo imagina um corpo humano deitado sobre elas, como se estivesse flutuando. 

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E, em uma atitude radical para a época, toma o aço como matéria-prima e cria mais um móvel: a espreguiçadeira PMR, que passa a ser comercializada pela Nucleon 8, galeria de design de vanguarda, dirigida pela designer Adriana Adam. Um móvel seco, austero, no qual duas lâminas metálicas se apoiam e deslizam por sobre uma estrutura tubular, manifestando seu princípio construtivo de maneira nítida e clara.

Para obter a largura de um assento conveniente ao corpo humano, por exemplo, o arquiteto simplesmente justapõe duas folhas de aço, de largura padrão, 25 cm. Nem mais, nem menos. Essas “fitas” flexíveis, por sua vez, são unidas por barras em cinco pontos estratégicos, proporcionando três posições de recline às lâminas. Por fim, o conjunto, equipado com uma almofada de apoio para a cabeça, encaixado no vão entre as chapas, repousa sobre um cavalete, também de aço tubular. 

“É preciso considerar que o metal nem sempre é rígido completamente. Entram aí a virtude da flexibilidade, como ideia para você desenhar as formas finais do mobiliário. Toda essa liberdade para a imaginação, não só de quem desenha, mas de quem vai usar o móvel, funcionou como uma convocação ao nosso imaginário”, declarou o próprio Paulo, décadas depois, por ocasião do lançamento de sua última coleção, a Linha 22.

Uma série de móveis pensada para ambientes externos e internos, editada pela ovo, dos designers Luciana Martins e Gerson de Oliveira, que reproduz o mobiliário criado por Paulo Mendes, em colaboração com os arquitetos Marta Moreira e Milton Braga, do escritório MMBB Arquitetura, para equipar os múltiplos espaços do Sesc 24 de Maio.

Sinal dos tempos

“É interessante observar que na criação destes móveis partimos da espreguiçadeira projetada por Paulo em 1985. A matéria-prima também é a chapa metálica, com uma largura padrão, creio, de 25 cm. Mas ele não junta duas chapas para fazer 50 cm. Deixa um intervalo, uma fresta entre uma e outra, que é justamente onde está a coluna vertebral de quem vai sentar”, explica Braga.

Espreguiçadeira criada por Paulo Mendes da Rocha Foto: Objekto

Mas, para além das exigências do corpo, outras demandas vieram a se somar. “Estávamos diante de uma situação de uso muito intensa. Depois, como conceber um mobiliário para ser produzido em tal escala? Grande, mas não o suficiente para justificar um mobiliário feito à base de formas de plástico injetado. Então o aço, como material, veio muito na medida do que a gente precisava”, considera sua sócia, Marta Moreira.

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Concluída em tempo recorde – entre concepção, prototipagem, produção e inauguração da unidade se passaram pouco mais de dez meses –, a linha de móveis deixou de ser exclusiva para o Sesc assim que Gerson e Luciana tomaram contato com os primeiros protótipos. “Ficamos encantados com a genialidade do desenho, claro. Mas no ato percebemos que era possível expandir o raio de alcance daquela produção. Por que aqueles móveis não poderiam vir a ocupar, também, ambientes privativos? Residenciais ou corporativos. Internos ou externos”, lembra Luciana.

Lançada em agosto de 2020, em plena pandemia, a coleção, composta de poltronas, cadeiras e sofás, ganhou novas cores, ajustes de acabamento e encaixes aprimorados. E, sinal dos tempos, tem revelado virtudes até então inimaginadas, mesmo em face de todo talento do arquiteto. “Muitos clientes têm apontado a facilidade de higienização dos móveis, especialmente em ambientes de uso coletivo. Não deixa de ser interessante e contemporâneo”, ressalta Oliveira. 

* A primeira imagem desta reportagem havia sido creditada equivocadamente. Às 17h40 de 5 de maio de 2021, o material foi corrigido. O crédito correto é: Ana Ottoni.

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