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Marcelo Lima

Meu caro Ingo

Coluna presta tributo a Ingo Maurer, o designer de iluminação mais inventivo e criativo de todo o século 20

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Por Marcelo Lima
Atualização:
O designer de iluminação Ingo Maurer e o lustre Porca Miseria! Foto: INGO MAURER

Meu primeiro contato com uma de suas incríveis criações se deu ainda nos anos 1990. Era inverno, e uma amiga recém-chegada de viagem havia trazido na bagagem um exótico sistema de iluminação, baseado no uso de fios desencapados – mas que não produziam choques –, a partir dos quais pendiam diminutas lâmpadas, que a meus olhos pareciam pequenas estrelas cintilantes. Pairando sobre a mesa de jantar, e respondendo pelo enigmático nome de YaYaHo, o inusitado lustre não só se transformou na principal atração da noite, como me despertou o desejo de também me aventurar pelos caminhos da luz. Não confunda, claro, com nenhum tipo de revelação religiosa. Mas como o desejo de um jovem estudante de arquitetura de também trabalhar com iluminação. Fato é que, a partir de então, nunca mais deixei de te seguir – mesmo quando a palavra Instagram sequer havia sido inventada. Sua determinação em embaralhar os códigos da arte e do design balizou toda minha atuação como arquiteto. Assim como lançou as bases da minha futura carreira como jornalista, que pouco depois se iniciou.  Em meio à sua multidão de admiradores, talvez você nem se lembre de mim. Mas eu sim. Lembro me bem da primeira vez que eu te entrevistei, durante sua monumental exposição, em 2004, na FAAP. Quando ouvi, maravilhado, você descrever o início de seu caso de amor com o bulbo da lâmpada incandescente. Ainda menino, no banheiro de sua casa, observando um deles balançando ao vento. Não me surpreende, portanto, que tal paixão tenha motivado, em 1966, a criação de sua primeira luminária, a Bulb, hoje parte do acervo do MoMA de Nova York. Nem que al icônica forma, que o acompanhou por toda a vida, tenha inspirado outra genial criação, a Lucellino. Peça na qual a lâmpada parece querer ganhar os ares, equipada com duas asinhas angelicais. Embora você tenha sido um dos primeiros a incorporar as novas tecnologias no setor de iluminação decorativa – de lâmpadas halogênas a LEDs, de hologramas a OLEDs –, lembro bem da indignação com a qual recebeu a notícia do banimento definitivo dos bulbos incandescentes. Fato que ameaçava roubar um elemento essencial a seu universo criativo. Talvez, só por conta disso, tenha concebido mais uma versão do lustre Porca Miséria!, juntando cacos de pratos, xícaras e bules. Um objeto funcional e uma das mais bem acabadas metáforas de uma explosão de raiva jamais produzidas.  Você se foi no fim do ano passado, deixando uma obra capaz de encantar gerações. Eu estava te devendo um tributo, e o faço agora. Na certeza de que você foi muito mais do que o poeta da luz. Ingo Maurer foi o designer de iluminação mais inventivo e criativo de todo o século 20.

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