Mesmo polêmico, anos 80 atinge status de cult no design

Época de efemeridade dos movimentos, década dos "anos voláteis" valorizou a rua

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Por Roberto Abolafio Jr.
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Há quem adore - e quem não pode nem ouvir falar. É de maneira visceral que se costuma reagir quando o assunto é os anos 80. "Quem nega essa fase, nega parte de si mesmo", afirma o estilista André Lima, que a vivenciou intensamente a época.   O arquiteto Arthur Casas, cuja carreira profissional começou no período, curiosamente se contrapõe: "Grande parte da produção daquela época foi uma bobagem". Essa estética polêmica teve forte revival na moda e na música. A diferença é grande em relação às décadas de 50, 60 e 70, bastante digeridas pela indústria da decoração. Se os "anos dourados" foram os 1950, os 1980 podem ser chamados de "anos voláteis", dada a efemeridade de seus movimentos. O pós-modernismo, rescaldo feito de punk, dark, new wave e yuppismo, compõe uma sucessão de fenômenos, os quais poucos vingaram. A By Kamy acaba de lançar um tapete com motivos geométricos típicos desse tempo repleto de referências. "Foi um momento em que a moda vinda da rua começou a ser valorizada", comenta a arquiteta Francesca Alzati, que desenvolve os produtos da marca.   Para ela, quem opta hoje por releituras ou peças autênticas dos anos 80 busca, mais do que saudosismo, resgatar a liberdade cult. É como pegar uma via na contramão, já que essa década, para muitos, foi perdida em termos de design. Não por acaso, a geração que era jovem há 20 e poucos anos está hoje mais endinheirada que antes e pronta a consumir o que evoca a memória afetiva. Nessa fase, havia uma espécie de dicotomia entre o Brasil e o mundo. Fechado, o mercado nacional incentivava a produção de cópias dos produtos estrangeiros e os decoradores faziam réplicas do que viam lá fora (como ambientações com as cadeiras Mackintosh, peça que, embora tenha sido criada por Charles Rennie Mackintosh em 1902, transformou-se em ícone dos jovens bem-sucedidos, os yuppies).   Também não havia internet. "A informação demorava a chegar por aqui", conta a designer Baba Vacaro, que se lembra de um "tráfico de revistas estrangeiras" na faculdade.   Histórico No design internacional, um dos profissionais que se firmaram foi o francês Philippe Starck, até hoje com produção invejável. Ao mesmo tempo, a marca italiana Alessi se reinventava com peças lúdicas. E o termo design assinado ganhou evidência entre um público abrangente.   A história do design já tinha vivido momentos interessantes no século 20 - em Milão, por exemplo, o grupo italiano Memphis surgia em 1980. A iniciativa foi do designer Ettore Sottsass, depois de ele deixar o Studio Alchimia, encabeçado por Alessandro Mendini.   Com desenhos e cores vivas que tanto citavam a arquitetura clássica quanto beiravam o kitsch, esses núcleos pós-modernos banharam os anos 80 com peças um tanto desconfortáveis, assimétricas e, muitas vezes, feitas de metais tubulares. "Eles, que já sabiam tanto de design, podiam pôr em xeque a máxima ‘a forma segue a função’ ", analisa Baba.   O visual e o significado do objeto se sobrepunham ao uso prático - questionamento que também ecoou por aqui. "Um exemplo é a série Desconfortáveis, criada em 1989 por Fernando e Humberto Campana", recorda a especialista em design Adélia Borges.   Brasil A essa altura, uma transformação acontecia no País, com a abertura do mercado brasileiro. "Também houve um certo reflorescimento do design nacional", diz Adélia. A tradição do uso da madeira aplicada por mestres, como Joaquim Tenreiro ou Sergio Rodrigues, retornava em peças feitas por novos nomes - hoje designers de prestígio -, como Carlos Motta, Maurício Azeredo, Reno Bonzon ou Claudia Moreira Salles.   Vale destacar outro nome importante daquele momento: Fúlvio Nanni Jr. (1952-1995). Com sua movelaria na Rua Augusta, o designer impregnava de frescor a produção do design brasileiro, procurando fugir do óbvio ao adotar os até então pouco utilizados rodízios e trabalhar forma e materiais de modo inventivo. Pinçar um ou outro item dessa época para compor um ambiente pode ser estimulante. O cashmere, assim como os motivos florais, estão de volta em formato agigantado.   Para quem sente saudades das paredes pintadas de salmão, hit da época, um alento: o matiz ressurge na atual cartela preconizada pelo Comitê Brasileiro de Cores. E, se a desculpa for, em nome do conforto, descartar a maioria dos assentos da época por serem "duros", é só ter em mente que há cadeiras feitas para sentar - e outras, só para olhar.

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