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Luxo na nova forma do lixo

Aos designers já não basta produzir peças exclusivas. A reciclagem está na ordem do dia

Por Marcelo Lima
Atualização:

Sinal dos tempos, o luxo e o lixo freqüentam a imaginação dos designers, debruçados sobre a tarefa de prover o mercado de produtos exclusivos, mas, acima de tudo, sustentáveis. Assunto de todas as rodas, a questão do meio ambiente parece ter definitivamente desembarcado no mundo da decoração. E não se trata mais de assegurar a procedência das matérias-primas: dos móveis aos tapetes, no vocabulário da casa contemporânea, reciclagem é palavra de ordem. Não por acaso, o arquiteto mexicano Aurélio Martinez Flores, famoso pelas residências de linhas modernas e interiores monocromáticos - do piso ao teto, o branco é sua marca registrada -, acaba de reverenciar o universo do reciclável em uma linha exclusiva de móveis para a Firma Casa: mesas, bancos e poltronas que deixam aparentes a forma como foram obtidos, absorvendo suas imperfeições. "Cada peça é única, nada se repete. Cada caixa está marcada de um jeito específico. Cada lona tem suas manchas. Cada saco, sua estampa. Enfim, sua história", conta Martinez, perfeitamente à vontade na arte de contrapor matérias-primas sofisticadas e materiais descartados. Tendo como base caixotes industriais, as banquetas Hortifruti, por exemplo, são estofadas de seda pura. Equação subvertida, por sua vez, nas poltronas SP 270, onde a estrutura de madeira nobre recebe estofamento em lona de caminhão. Entre os highlights da coleção, duas bem-humoradas mesas: Beba com Moderação e Docas. Releituras da clássica mesa de centro com tampo de vidro, mas que aparecem, na versão de Flores, sustentadas pela base feita a partir de latinhas de refrigerante prensadas ou estrutura ripada obtida a partir de caixas de frutas. Móveis que surpreendem por sua simplicidade e ironia - elementos atualmente entendidos pelos designers como ponto de partida para uma nova experiência estética. Aproveitamento de refugos "A espontaneidade do desenho e a aparência sustentável são hoje virtudes em alta aos olhos do consumidor", afirma a lighting designer Cristiana Bertolucci, que acaba de agregar à sua linha de luminárias duas peças desenvolvidas com base na reciclagem de materiais: o abajur Atman ("alma", em sânscrito), que tem como base um garrafão de vidro transparente, cúpula de algodão cru e fio de alimentação aparente, e o Maracatu, lustre montado com cerca de 300 placas de latão conectadas por correntes. Na prática, refugos de produção aproveitados pela designer. Aspecto despojado e textura acentuada. Foram essas características, além da resistência incomparável, que motivaram o designer Marcus Ferreira, da Decameron Design, a adotar a lona como uma opção de revestimento para sua linha de sofás. "O visual despretensioso do tecido e a aparente rusticidade agradam muito a um público de vocação jovem, que prefere associar ao móvel a imagem de praticidade, e não de sofisticação", comenta o designer. Ele acrescenta: "Não se trata apenas de uma simples opção pelo reciclado. A percepção do ?feito à mão? contrasta com a tecnologia de fabricação do sofá, e o resultado não poderia ser mais satisfatório". Posição compartilhada pelo designer mineiro Domingos Tótora, que há 18 anos trabalha com papel reciclado, mas não se cansa de descobrir possibilidades de uso para o material, sejam eles objetos decorativos, utilitários ou até móveis. Todos feitos com papel tipo kraft reciclado de embalagens descartadas, como sacos de cimento vazios. "A princípio optei pela reciclagem para dar um tom ecológico ao meu trabalho, mas com o tempo acabei me apaixonando pelo material", resume Tótora, que hoje sabe o quanto o papel pode ser resistente quando prensado. "Nessa condição, de certa forma ele volta a ser madeira...O que é apenas uma de suas propriedades", diz ele. (marcelo.lima. antena@estadao.com.br).

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