Jovem vence prêmio de Design pela concepção de um andador para o avô

Com ares de escultura, designer africana Lany Adeoye cria andador funcional, mas esteticamente atraente para o avô

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Por Marcelo Gomes Lima
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Para a designer africana Lany Adeoye, uma limitação física jamais deveria significar perda de dignidade. Especialmente em momentos de maior vulnerabilidade, como a velhice. Por conta disso, ela resolveu arregaçar as mangas e produzir, por conta própria, um andador para seu avô. “Ele ficou visivelmente decepcionado com os produtos aos quais teve acesso. Eles pareciam muito clínicos, impessoais. Eu queria projetar algo que não parecesse com um equipamento médico. Um objeto funcional, mas esteticamente atraente. Algo que ele não fosse forçado a usar. Mas que ele gostasse de ter a seu lado”, explica ela. Lançando mão de uma combinação de materiais de uso cotidiano na Nigéria, seu país de origem, pela nação iorubá – grupo étnico do qual ela descende e que, entre nós, predomina na Região Nordeste, sobretudo na cidade de Salvador – e produzido em tempo recorde, RemX, nome de batismo de seu andador com ares de escultura, foi mais do que bem recebido. Leve e elegante, tornou os deslocamentos de seu avô muito mais frequentes e prolongados. Segundo ele, tem sido um companheiro fiel em suas caminhadas. E para sua alegria, acabou levando sua neta ainda mais longe.

Vista aéreado Salone Satellite de Milão, importante feira de design Foto: Ludovica Mangini

Concorrendo com cerca de 600 jovens criativos de 48 países – este ano, o Brasil foi representado pelo alagoano Tavinho Camerino com peças que combinam elementos contemporâneos com artesanato nordestino e pelos primeiros colocados no Prêmio Adriana Adam de Design –, RemX conquistou o primeiro lugar no concurso promovido pelo Salone Satellite, mostra anual voltada para os novos talentos do design de todo o mundo, que corre em paralelo ao Salão do Móvel de Milão, sempre sob a curadoria de Marva Griffin Wilshire. Espécie de posto avançado de investigação, no qual profissionais de até 35 anos apresentam a sua visão do design hoje e no futuro, a mostra, idealizada e fundada por Marva há 23 anos, tem se notabilizado por revelar grandes talentos, como os irmãos brasileiros Fernando e Humberto Campana. Como em todos os anos, uma questão de grande alcance é sugerida como ponto de partida para aguçar a imaginação dos candidatos. Neste, Projetar o Nosso Futuro, assunto que, necessariamente, passa pela questão da sustentabilidade – mas também da inclusão –, foi o escolhido.

A designer nigeriana Lany Adeoye cujos móveis são feitos com matéria prima local. Ela participou no Salone Satellite, mostra anual voltada para os novos talentos do design de todo o mundo. Foto: Ludovica Mangini

Um desafio lançado aos jovens designers que, apesar de se ligar ao cenário do pós-pandemia, surgiu, na verdade, a partir das vivências da curadora. Ela própria portadora de uma prótese no joelho, frequentemente às voltas com viagens internacionais, e, claro, com inevitáveis jornadas pelos corredores nos aeroportos. “A ideia era que eles usassem a criatividade para pensar um design acessível a todos, com base na compreensão das múltiplas deficiências”, destaca. Mas, como pontua ela, apenas como ponto de partida. “Como sempre gosto de deixar claro, sem interferir na criatividade de cada um deles.” Em sua 11.ª edição, este ano, foram três os projetos apontados pelo júri – presidido, mais uma vez, pela curadora italiana Paola Antonelli, diretora dos setores de arquitetura, design, pesquisa e desenvolvimento do MoMA de Nova York – como vencedores. Projetos, segundo Paola, selecionados com base não apenas no seu potencial estético e formal, mas, igualmente, pelos seus componentes comunicativo, interativo e lúdico. Condições essas, no entender da presidente, essenciais para a vida de adultos e crianças de hoje.

Andador batizado de RemX e criado pela nigeriana Lany Adeoye, classificado em primeiro lugar no Salone Satellite, mostra anual voltada para os novos talentos do design de todo o mundo. Foto: Studio Adeoye

De fato, em meio a móveis que se desdobram para se adaptar a diferentes usuários e contextos domésticos – cozinhas modulares, camas desmontáveis, armários reversíveis –, foram muitas as propostas voltadas especificamente para a questão da inclusão, tomada em seus mais diferentes níveis: seja para atender pessoas de variadas idades ou sujeitas às mais diferentes habilidades. Mas também, não foram poucos os projetos pensados para resistir ao tempo, diminuir o impacto ambiental, ou produzidos com materiais descartados, trazendo o tema da sustentabilidade para o centro das discussões. Segundo colocado no concurso, o projeto Lamp, do belga Gilles Werbrouck, do coletivo Belgium is Design, trata diretamente do assunto ao apresentar uma coleção de luminárias feitas à mão, produzidas a partir de uma material em franco desuso: antigas fitas de vídeo VHS. “O gesso endurece rapidamente, mesclando todos os retalhos de crochê tecidos com as fitas, dando origem a texturas diferentes em cada peça. Além disso, ele serve de suporte para a cúpula. No mais, tudo o que tive de fazer foi incorporar uma fonte de luz ao objeto”, explica Werbrouck.

Luminária e bancos da coleção Cia, de Tavinho Camerino. Ele participou do Salone Satellite, mostra anual voltada para os novos talentos do design de todo o mundo. Foto: Studio Camerino

A borracha de pneus descartados, por sua vez, foi a matéria-prima empregada pela designer sérvia Djurdja Garcevic, do coletivo Young Balkan Designers, para dar forma a seu projeto Meenghe: assentos que podem se transmutar em banquetas ou mesas de apoio, classificado em terceiro lugar. “Todo mundo continua comprando carros, produzindo tanto lixo. Essa é uma forma de colocar esses pneus de volta às ruas, dando nova vida a um material de pouca utilidade e sem nenhum valor. Minhas peças nada mais são do que pneus desfiados e colados”, resume ela.

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