Inglês de cara nova

'Mews' (edícula) vitoriana é alvo de reforma por arquitetos dinamarqueses. E vira imóvel moderno, no centro londrino

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Por Marcelo Lima
Atualização:

Nos séculos 18 e 19, as residências mais elegantes de Londres se distribuíam por uma extensa faixa de casas geminadas - situada na região central da cidade -, quase sempre constituídas por dois edifícios: uma construção frontal e, ao fundo, uma edícula, conhecida por mews, com cocheira no pavimento inferior e habitação para empregados no superior. Uma implantação para o estábulo residencial diferente da adotada pela maioria dos países europeus da época (onde, em geral, eles ocupavam a parte da frente dos imóveis), mas com evidentes vantagens para os londrinos. Afinal, a partir dela, era possível se manter bem longe dos sons e odores dos animais, quando não estivessem em uso. Situada no coração da Londres vitoriana, próxima à Brompton Road - atual eixo da moda e do design locais - e a poucas quadras do mítico V&A, Victoria & Albert Museum, a casa assobradada do número 20, da Egerton Gardens Mews, construída em 1886, se inscreve nessa categoria. Cento e vinte anos após sua construção, no entanto, pouco, ou quase nada nela remete à sua função original. Menos ainda sua mais recente ocupação: uma autêntica residência dinamarquesa, com 92 m², projetada especialmente para o London Design Festival, realizado em setembro. Um trabalho capaz de bem expressar o particular "morar" dinamarquês, curiosamente adaptado ao desenho de um típico mews inglês, levado a cabo pelo arquiteto dinamarquês René Hougaard, com a assessoria do escritório inglês Child Graddon Lewis (especializado em trabalhos de renovação urbana na região), sob supervisão direta da embaixada da Dinamarca. "Nosso principal objetivo foi oferecer ao visitante a oportunidade de conferir, in loco, como construímos nossas casas e utilizamos nosso design", conta Laerke Svendsen, representante da embaixada dinamarquesa. Uma iniciativa que, ao contrário do que parece, acabou indo muito além da mera vitrine de produtos escandinavos para abordar, também, questões de caráter construtivo e de revitalização urbana. "Apesar de modestos em tamanho, a maioria dos ambientes parece ser maior apenas em função da ênfase dada à iluminação natural", conta Hougaard, que aponta o uso de revestimentos neutros nas paredes e pisos e a substituição das antigas janelas por esquadrias da Rationel como seus principais trunfos para iluminar, e, assim, fazer render o espaço. Recursos, a julgar pelos resultados, bastante eficazes, mas não exclusivos. Também a planta original, excessivamente compartimentada por paredes e portas, teve de sofrer alterações significativas. A começar pela construção de um novo nicho para isolar a escada de acesso ao pavimento superior. Um meticuloso trabalho de alvenaria, executado com precisão a partir de tijolos aparentes de argila branca, da Petersen Tegl, intercalados por peças transparentes de vidro, feitas à mão pela também dinamarquesa Holmegaard. Objetos que, além de decorativos, funcionam como elementos de sinalização. Unificados pelo piso de madeira, da Dinesen, living e sala de jantar, por sua vez, aparecem plenamente integrados ao desenho da cozinha (projeto da CPH Square), evidenciando a flexibilidade no uso dos ambientes, característica dos interiores escandinavos. Um conceito também exercitado na planta do pavimento superior, que conta com um quarto, dois banheiros e um escritório. "Me agrada a idéia de ir além das fronteiras tradicionalmente empregadas nos espaços domésticos. Acho importante misturar funções, buscar soluções de continuidade. Enfim, ampliar o raio de ação de cada morador", diz. Na melhor tradição de mestres como Hans J. Wegner (presente nas poltronas da Carl Hansen & Son) e de Verner Panton (que comparece com os pendentes da Unique Interior), Hougaard reverencia em seu projeto elementos tradicionalmente caros à arquitetura dinamarquesa, como a ênfase em materiais naturais e a parcimônia no uso da cor. "Definido cada ambiente, procurei apenas criar condições para que o olho pudesse apreciar a elegância dos detalhes, com toda calma, sem ser distraído por ruídos desnecessários. Para mim, isso é tudo.", conclui.

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