PUBLICIDADE

Ideias Que Vão e Vêm

Na decoração e no design, nem tudo é original. O segredo é saber reinventar as influências

Por Reportagem de Maria Ignez Barbosa e Produção de M.
Atualização:

Mesmo parecendo nova, qualquer ideia há de ter sido antes pensada. Pode surgir no momento em que é inconscientemente desejada, bem-vinda, aparecendo como novidade ou solução. Muitas vezes, a criatividade de uma pessoa pode ser mais bem expressada por meio de outra. Não se trata de copiar ou imitar, mas de reinventar a seu modo e maneira - e acreditar no que se prega.

 

PUBLICIDADE

Costuma-se dizer que há dois tipos de designers. Aqueles que admitem ter sido influenciados pelos que vieram antes e os que pretendem ter inventado o nunca antes pensado. A verdadeira mágica do arquiteto ou do decorador seria saber transformar influências e coisas que viu e gostou em algo original.

 

E como deixou dito Madeleine Castaing, a dama da decoração francesa, um pouco de nostalgia não faz mal. Permite que nos expressemos com coisas que vêm do coração. E, segundo Cecil Beaton, grande fotógrafo do século 20 e um especialista em beleza, "somente um gosto muito individual pode, de fato, criar estilo ou moda. Se nada sai do lugar, o olho deixa de enxergar. A mutação é o que cria a beleza e a força da moda".

 

Sorte que temos livros e revistas para provocar ideias e contar de outros tempos, publicações que compilam interiores passados e emblemáticos e que, até hoje, são influentes por trazerem, além de estilo e elegância, conceitos bem fundamentados. Os mais expressivos hão de ser de autoria dos que souberam ousar, dos que nasceram com talento, olhar apurado, o dom do gosto e com faro para captar tendências e desejos. É comum que, em países ou cidades sem qualquer ligação entre si, uma mesma ideia venha a surgir ao mesmo tempo.

 

Seja ela considerada uma arte maior ou menor, o fato é que a decoração e o design são celeiro fértil desse vaivém de conceitos sob nova roupagem. Quem hoje pensar em usar tambores como mesinhas de frente ou lateral pode ficar sabendo que, nos anos 40, elas já faziam parte do décor da residência dos Duques de Windsor, em Paris. Almofadas em formato de cachorro não são novidade, mas enfileiradas e ocupando todo o encosto arredondado de um sofá no quarto de Wallys Simpson já denotavam a personalidade peculiar e o estilo dessa americana por quem o rei Eduardo VIII abdicou do trono.

 

A americana Elsie de Wolfe, que, não conseguindo ser atriz, virou decoradora e ficou conhecida por ter levado do velho continente para seu país de origem o estilo Versalhes ou Luís XVI, é um exemplo de saber usar o déjà vu com originalidade. Ao tentar, nos Estados Unidos, eliminar da decoração de então resquícios do velho estilo vitoriano, pareceu estar introduzindo de forma revolucionária o chintz estampado, as treliças dentro de casa, as laranjeiras em vasos quadrados de madeira, grandes extensões de espelho, listras e chinoiserie nas paredes quando na Europa esse estilo não era novidade. Consta que teria aprendido a apreciar a fórmula com o amigo Walter Gay, um americano que morava em Versalhes e era encantado com a estética francesa. Já a ideia de passar a usar estampas de oncinha em almofadas e bancos teria surgido no contato com outro amigo, Robert Chandler, que pintava zebras, leopardos e girafas. O que ela fez de forma original, ainda nas primeiras décadas do século 20, foi usar oncinha no assento de uma cadeira de acrílico.

 

Publicidade

O sucesso ou o poder de influência de um taste maker há de variar. Andará de acordo com os desejos do cliente por status, estar na moda, seguir tendências ou ir na contramão do déjà vu. De Elsie de Wolfe, o designer inglês Robsjohn Gibbing, que também já foi assunto na coluna Ícones deste Casa& e, por sua vez, "reinventou" o móvel grego a partir de desenhos que viu em vasos antigos no British Museum, dizia que, ao despertar a consciência dos americanos para as antiguidades e para tudo o que fosse Luís XIV, XV ou XVI, teria impedido o avanço das tendências modernizadoras no novo continente. Mais fácil acreditar que Elsie estava no lugar certo na hora certa e que o que fez com originalidade e gosto apurado foi dar aos americanos o que eles mais desejam - ou seja, estilo e ares europeus. Incrível é que os conterrâneos e muito badalados Sills e Huniford admitem fazer hoje exatamente o que Elsie fazia antigamente, ou seja, americanizar o que seja europeu.

 

Jean Michel Frank, conhecido nos anos 20 por suas superfícies claras e o uso de materiais naturais como a palha, o pergaminho e o couro, nunca escondeu que sua musa inspiradora foi uma milionária chilena de origem boliviana e radicada em Paris no século 19, a bela e elegante Eugenia Errazuriz. A ideia de um ambiente ascético e despojado como pano de fundo para peças antigas Frank teria absorvido dela, assim como a mania de eliminar todo objeto destituído de função. Aprendeu também que, desde que a forma seja bela, não importa o valor do material.

 

Eugenia, uma amiga e mecenas de Picasso, apesar de nunca ter se dedicado profissionalmente à decoração, acabou influindo para bem além de seu entorno. Discreta, durante toda a vida, sem chamar atenção para si, viveu de acordo com um conceito de beleza minimalista muito próprio: a simplicidade, que aplicava na maneira de se vestir e nos interiores de suas casas. Sim para poucos e bons móveis, para bem talhados e bons vestidos, e nada de cores repetidas em composés.

 

Já Syrie Maughan, a decoradora conhecida pelo look imaculado, ou seja, o branco total na decoração, a ponto de Cecil Beaton ter dito que ela fora acometida pelo vírus da não cor, deve a uma amiga inglesa, Winkie Phillipson, que pintava de branco vasos de barro e neles só plantava flores brancas, o estímulo nessa direção. Foi só depois de ouvir da amiga que deveria trocar as mesas de carvalho e os potes de cobre que tinha em casa por coisas mais leves e claras e de ter recebido da amiga e do marido um financiamento para a sua primeira loja que Syrie se impôs e ficou famosa por seus sofás de cetim branco, tapetes claros de lã e de pele de ovelha, luminárias de gesso branco e paredes e móveis espelhados. Para espanto de muita gente, ela ousava descascar e patinar de claro móveis de época e pratear o que fosse dourado.

 

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Nancy Lancaster, por sua vez, se divertia forrando cortinas com tecido de listras, pois, segundo ela, "avessos são sempre desinteressantes e podem ser percebidos pelo lado de fora". Rose Cummings tinha o costume de pintar ou revestir de lilás o interior das cúpulas de abajur, um modo de suavizar a luz. Suas velas tinham de ser sempre pretas. Albert Hadley inventou- ou reinventou - móveis de estilo oriental forrados de ráfia e mergulhados na laca colorida. Tal qual Billy Baldwyn antes, usou e abusou de paredes bem laqueadas e brilhosas. Sybil Colefax gostava de cores off, como os verdes-amêndoa, cinzas e amarelos opacos e preferia queimar ervas em potinhos a usar velas de cheiro. Bill Pahlman, que depois de Elsie de Wolfe muito ajudou na formação de um look americano, se dizia o autor do "moderno barroco". Já nos anos 80, com cara aparentemente jamais vista, surgiriam os neobarrocos, ou novos bárbaros, como o casal Garouste e Bonetti, Eric Schmitt ou André Dubreuil.

 

Charles de Beistegui, o espanhol que, no início do século 20, circulava entre Paris, Londres, Nova York e Veneza com dinheiro e gosto pela fantasia, era capaz de recriar qualquer estilo. No seu apartamento em Paris, desenhado por Le Corbusier, misturou estilo Napoleão III com candelabros em profusão e grandes blackamoors com turbantes e plumas. Em seu castelo, pintava, bordava, dava festas e mudava de estilo quando percebia estar sendo imitado.

 

Pauline de Rothschild, com o auxílio de John Fowler, inovou em seu apartamento londrino forrando cadeiras e criando cortinas com tecidos de cores diferentes cortados em quadrados ou faixas largas. Imitar hoje essas cortinas arrebanhadas por quatro abraçadeiras em cada pano ou picotar em triângulos o tão comum voile branco é ideia que pode soar moderna e original.

Publicidade

 

Não é a toa que, do alto de seus 100 anos de idade, o cineasta português Manuel de Oliveira sabiamente declarou: "A originalidade não consiste em tentar o que nunca foi feito. As coisas, na arte como na vida, se repetem sem ser exatamente as mesmas".

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.