Herança literária

A escritora Juliet Nicolson vive no castelo que remete até a Virginia Woolf

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Por Jennifer Conlin
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Não se mora impunemente no meio de uma propriedade tão famosa em Kent, na Inglaterra, que 180 mil visitantes por ano pagam para ver seus jardins. "Algumas vezes, me sinto como se estivesse numa exposição pública", diz Juliet Nicolson, saboreando uma xícara de café no cottage elisabetano de dois quartos que ela ocupa nos terrenos do castelo de Sissinghurst, antigo lar de seus antepassados - Vita Sackville-West, romancista e poeta do grupo Bloomsbury, e Harold Nicolson, jornalista, diplomata e historiador. "No último domingo, um grupo apareceu enquanto tomávamos café da manhã", diz, referindo-se a si, ao companheiro, Charles Anson, e às duas filhas. Os intrusos, acrescenta, "resolveram passear, mesmo quando lhes disse que era uma casa privada". Enquanto ela fala, uma fila de cabeças grisalhas desfila pela janela da cozinha. "O fato de a família ainda viver aqui é muito especial para os visitantes", acrescenta. Além da dificuldade de morar num aquário, também não foi fácil para Juliet escrever o primeiro livro - The Perfect Summer: England 1911, Just Before the Storm (algo como "O verão perfeito: Inglaterra, 1911, logo antes da tempestade"). Uma história das classes sociais da Inglaterra antes da Primeira Guerra (publicado em maio passado), na época em que sua avó foi uma das mais famosas figuras literárias inglesas, conhecida não apenas por sua obra, mas também pelos casos amorosos, incluindo um com Virginia Woolf, nos anos 20. Vita não foi a única figura literária na família. O pai de Juliet, Niegel, morto em 2004, escreveu Portrait of a Marriage (sobre a relação aberta de seus pais bissexuais). Seu irmão mais novo, Adam, também é escritor, e a irmã, Rebecca, trabalha em publicidade, profissão que Juliet exerceu por 10 anos. Quando seus avós compraram a propriedade, em 1930, ela estava dilapidada. Tinha sido a sede de uma fazenda na Idade Média que deu lugar, na era elisabetana, à mansão de propriedade da família Sackville-West. Remanescentes da construção - que serviu como campo de prisioneiros no século 18 e, depois, asilo de pobres - deram forma ao castelo Sissinghurst. Vita comprou a propriedade e o casal se mudou para o South Cottage, onde mantiveram seus quartos até a morte. Aos poucos, converteram os prédios da propriedade para outros usos. Por exemplo: a Casa do Pároco, construção de dois andares de tijolos vermelhos, tornou-se cozinha e sala de jantar; e o segundo andar da torre do castelo abrigava o estúdio de Vita. Eles também criaram o primeiro jardim de Sissinghurst diante da janela da frente do South Cottage, plantando uma roseira que ainda floresce no verão, e começaram a tradição de abrir os jardins ao público pagante. É o White Garden, o mais famoso entre os jardins que seus avós criaram, que deixa Juliet nostálgica. Foi o lugar da festa de seu 21º aniversário - "o que acaba de fazer 30 anos", diz ela, que se casou no mesmo jardim. O primeiro casamento terminou em divórcio, mas ela ficou com as duas filhas, Clementine, de 25 anos, e Flora, 22, que vivem em Londres, mas aparecem nos finais de semana. South Cottage é seu lar e o lugar onde sente "a presença de Vita mais fortemente". No estúdio anexo, onde Harold Nicolson trabalhava, Juliet está escrevendo o segundo livro. Ela e o marido esbarram nos livros do avô, em sua máquina de escrever, em seu apontador de lápis sobre a escrivaninha. "Ele era afetuoso, enquanto minha avó era amedrontadora, especialmente para uma criança pequena, embora eu desse qualquer coisa para encontrá-la agora." Juliet dorme no quarto de Vita, no segundo piso (Harold tinha seu quarto ao lado). Com a imensa lareira de pedra e as janelas quadriculadas, está exatamente como quando Vita o usava. A cama da avó, com colunas entalhadas, é a peça central, enquanto um espelho sobre a cômoda ostenta o brasão da família e tapeçarias estão penduradas sobre a cabeceira do leito. Mas o objeto favorito de Juliet é um presente que seu avô lhe deu, o anjo de Vita - relíquia de madeira dourada que sua avó recuperou e guardava como símbolo do amor, agora colocada sobre uma escrivaninha. "Nos diários de Vita, em várias menções a seus casos, ela escreveu: ?eu fiz amor com você sob os olhares do anjo dourado?", diz Juliet. "Quando durmo, sinto-me em paz porque o anjo de Vita está olhando por mim. E, durante o dia, sinto como se a própria Vita estivesse me olhando, feliz porque estou vivendo e escrevendo aqui."

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