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Feita de drama e estilo

Assim era Ruby Ross Wood, uma das mais importantes decoradoras americanas[br]do século 20

Por Maria Ignez Barbosa
Atualização:

A legendária Ruby Ross Wood, com seus óculos de lentes cor-de-rosa e suas barulhentas pulseiras de balangandãs, era impaciente, fumante inveterada e tinha as respostas sempre prontas na ponta da língua. Não era uma figura do jet set internacional como Elsie de Wolfe, nem uma bela divorciada como Dorothy Draper, nem tão pouco glamorosa como Rose Cumming, figuras icônicas dessa fértil safra de decoradoras da primeira metade do século 20. "Uma conhecida especialista em design de casas" é como a nota do jornal que anunciava o seu casamento a apresentava em 1924, em lugar de citar a origem familiar como era então costume. Nascida em Monticello, terra de George Washington, em 1880, foi jovem para Nova York para ser repórter. E como tal, na revista feminina The Delineator, lhe foi dado ser a ghost writer da coluna da já famosa, temperamental e nada articulada Elsie de Wolfe. Coube a Ruby também escrever o primeiro livro assinado por Elsie, A House in Good Taste. Não tardaria, no entanto, a hora de escrever o próprio, que ganhou o nome um tanto esdrúxulo de A Casa Honesta, manual cheio de "sims" e "nãos" sobre como construir e mobiliar casas pequenas. Também nos artigos que escreveu em diferentes revistas até o fim da vida, nunca hesitou em dar as próprias opiniões, criticar o que julgava ser um mau passo estético de arquitetos conhecidos e fazer ousadas sugestões de como remediá-lo. Tinha estilo, drama e refinamento, mas sempre fez questão de resistir ao excesso de influências européias em prol do que fosse um look de fato americano e puritano. Ainda bem jovem, em 1914, para poder colocar em prática tantas e borbulhantes idéias, decidiu abrir a Modernist Studio. Ainda não havia espaço nos Estados Unidos para lojas de interiores inspiradas nas idéias de ponta da Wiener Werkstatte, mas Ruby Ross Wood encontrava o seu nicho. Intrépida, embora outros também se dissessem pioneiros, foi ela quem descobriu os móveis de estilo etrusco do ainda então pouco conhecido Marc de Nicolas du Plantier. Foi ela também a primeira a importar os algodões de cores vibrantes de Paule Marrot, adotar o uso de tapetes geométricos marroquinos marrons e brancos, usar em frente a sofás as minimalistas mesas Parson e forrar cadeiras e poltronas em casas na cidade com tecido de colchão. O que fugisse às normas era com ela. Em sua loja e em seus projetos haveria de entrar o que fosse excêntrico, o que tivesse ao mesmo tempo estilo e originalidade. Em uma de suas primeiras casas de fim de semana, um cottage em Forest Hill Gardens, pintou as paredes da sala de cinza-chumbo e forrou o grande sofá com veludo laranja. No andar de cima, um (feio) tapete que ganhou de casamento foi tingido de preto e serviu para complementar o papel de parede japonês. Parceria com Billy Baldwin Gostava de fazer casas de campo. Dizia que nelas era possível ousar mais, pois os proprietários não ficavam ali tempo suficiente para cansar. Não hesitava em exagerar nas cores e em móveis de formas inusitadas. Na Flórida, quase enlouqueceu o arquiteto de uma casa em estilo espanhol ao pintar os tetos com cores claras e alegres. Caso não encontrasse o tecido adequado, o linho e o algodão seriam por ela tingidos nos tons desejados; também gostava de usar a seda selvagem. Tentava, como ela mesma dizia, acalmar a então reinante "orgia do falso e do fantástico" tão ao gosto dos novos-ricos americanos. Em 1935, Ruby, ainda no auge da carreira, passou a trabalhar com Billy Baldwin numa parceria que iria durar até a sua morte, em 1950. Segundo o decorador Marc Hampton, ao escolher Billy, Ruby foi visionária, pois assim garantiu um sucessor que continuaria a honrar os seus pontos de vista em matéria de decoração por mais uns 25 anos, com clientes inclusive ainda mais famosos, caso de Diana Vreeland e Cole Porter. Formou-se assim a talvez mais bem-sucedida dupla da história da decoração americana, apenas comparável à posterior parceria entre Sister Parish e Albert Hadley. Billy Baldwin conta, em seu próprio livro, que sua primeira missão para Ruby foi rodar antiquários e depósitos de móveis selecionando e anotando o que gostasse: "Depois de um mês, ela saiu comigo e pediu que lhe mostrasse o que havia escolhido. Foi sua maneira de me conhecer", escreveu. Ainda segundo Baldwin, Ruby era franca, nada afeita à bajulação e se entediava facilmente. Para ver o objeto, gostava de tocá-lo. Acreditava que possuindo o que gostamos é que somos felizes, e não tendo o que os outros julgavam desejável. Medo da obviedade Quanto a modismos, afirmava que o que é hoje fantasia vai ser lugar-comum amanhã. Embora pronta para inovar, era crítica do decorador excessivamente moderno, daquele que torna ainda mais despojado o espaço já despojado. "Tenho medo dessa obviedade. Não consigo acreditar que o que hoje pareça de uma simplicidade refrescante, em breve não se transforme em monótona estupidez. Alguns decoradores modernos colocam, numa sala, peças de design sem cor e chamam a isso beleza." Tinha também medo da robotização, de que faltasse alma ao ambiente. Gostava de explorar lojas de antiguidades, de buscar coisas usadas . "O passado não é apenas de onde a gente vem, mas sim o que somos, alimentado por qualquer coisa que a gente leia, ouça ou veja. É o futuro -não o passado - o que ameaça o presente", dizia. Ruby Ross Wood gostava também muito de flores, mesmo no escritório, e de chintz florido em apartamentos; ela aconselhava que o tema da estampa escolhida fosse repetido nas gravuras e nos objetos nesse mesmo ambiente. Seu amor pela cor, o talento para usar flores e seu sentido de conforto permitiu que conseguisse dar algo de vívido ao "novo dinheiro" de seus clientes. Tinha senso de humor e não perdia a piada. Muitos a ouviram contar a história do cliente novo-rico que, ao receber a projetada cama Luís XV, lhe telefonou dizendo que a achara pequena "e que iria preferir, portanto, uma Luís XVI". Mesmo sem papas na língua, era capaz de criar regras a partir do sentido da delicadeza. Não concebia, em sua própria casa, que, ao redor da mesa de jantar, os anfitriões se sentassem em cadeiras com braços e os convidados, nas sem braços. Segundo ela, isso seria um insulto. Que todas tivessem braço, ou nenhuma.

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