Design salva um ofício

Criada para restaurar uma fazenda, marcenaria vira empresa que hoje atende profissionais famosos

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Por Maria Ignez Barbosa
Atualização:

Tudo começou em 1994, quando os novos proprietários da Fazenda Sant?Ana do Monte Alegre, nas cercanias de São Carlos, se preparavam para a longa e prazerosa aventura que foi, não só a construção da nova sede, mas a restauração de edificações antigas ali existentes e dos móveis que haveriam de mobiliá-la. Havia um arruado, que durante bom tempo serviu de base, enquanto se planejava e depois se construía a casa principal. E era preciso refazer as janelas, as portas e assoalhos antigos, criar uma sala de estar, ou seja, ter um pouco mais de conforto enquanto a sede definitiva ainda estava no papel. Ainda hoje continuam nesse arruado, integrados à nova casa por meio de coberturas e varandas, os quartos dos filhos, netos e hóspedes. À época da compra, no entanto, era o único lugar onde a família podia se reunir nos fins de semana e nas primeiras férias na nova propriedade. A obra iria exigir uma quase constante presença dos donos e a perspectiva era de muito restauro pela frente, inclusive dos móveis antigos brasileiros que há tempos já vinham colecionando para a futura fazenda. A ideia foi encontrar pessoas aptas e especializadas nesse tipo de serviço. Foi quando entrou em cena o mineiro Antonio de Pádua Assunção, o famoso Toninho, com a credencial de ter estudado com vários mestres da marcenaria no Liceu de Artes e Ofícios e que desde criança acompanhava o avô e o pai, artesãos da madeira, desenvolvendo a técnica e sobretudo criando gosto pela profissão. Toninho, nascido em Ritápolis, perto de São João del Rei, onde trabalhar com madeira é ofício de tradição familiar, é hoje um veterano, e o chefe da Marcenaria da Fazenda. No início eram três, ele e dois ajudantes, mas logo não estariam conseguindo dar conta do recado. Foi preciso ir atrás de novos e bons marceneiros em Ritápolis, pois se fazia urgente a necessidade, não apenas de trabalhar restaurando e refazendo, mas de construir e instalar esquadrias, portas, batentes, escadas, assoalhos, telhados, cercas e portões - ou seja, cuidar de tudo o que, na obra, fosse de madeira. Um dos maiores desafios foi trazer de volta à vida a tulha velha, então uma ruína, e hoje uma das mais belas construções no espaço da fazenda, de pedra antiga, estruturas de madeira, pé-direito altíssimo e grandes vidros, proporcionando uma generosa vista e total abertura para a natureza. E havia os armários antigos de uma velha farmácia do Piauí, destinados à tulha nova e pedindo para serem socorridos. E os móveis antigos brasileiros que continuavam a aparecer, precisando de lustro e bom restauro. E todo o madeiramento da nova sede, a colocação dos assoalhos antigos provenientes de demolições e o que o projeto da casa grande exigisse. E tinha a capela e seus bancos, as casas dos colonos, o estábulo, as cocheiras, as mil cercas e portões. Presentes exclusivos O galpão onde Toninho trabalhava ia crescendo: máquinas novas se fizeram necessárias, outros marceneiros chegavam de Ritápolis e ajudantes contratados localmente se transformavam em exímios artesãos. Variadas espécies de madeira antiga foram sendo estocadas e muita coisa começou a ser feita também para a casa dos proprietários e de seus filhos na cidade - armários, portas e restaurações. Virou também tradição criar e produzir na fazenda o presente que o casal costuma enviar aos amigos mais próximos no Natal e que a cada ano é uma surpresa. Já teve de tudo, desde uma linda e confortável minicadeira, cópia de uma inglesa no século 19; bandeja de cama, dessas com lugar para o jornal e suporte para o livro; escada de biblioteca; jogo de croquet em caixa linda; mesinha de apoio com pé retrátil que vira bandejão; bengalas; bengaleiros e, por último, no Natal passado, uma mesinha de apoio, de cedro rosa, que pode ser canteiro de plantas ou porta-revistas e jornais. Aconteceu que, de repente, ou nem tão de repente, a Marcenaria da Fazenda era um fato; montada, capacitada, com grande estoque de madeiras e empregados de muitos anos. Uma vez pronta a sede e seus arredores, a demanda por parte da família, como seria de esperar, diminuiu bastante. Menos gente poderia dar conta da diária e necessária manutenção. Mas o sentimento de pena de perder todo um esforço de aprimoramento e desfazer uma equipe tão preparada e coesa prevaleceu. A ideia foi torná-la sustentável. Para não demitir ou vender equipamento, ainda foi preciso bancá-la. Hoje a Marcenaria da Fazenda está prestes a se tornar independente, trabalhando a todo vapor para atender a encomendas de grandes nomes do design brasileiro como Isay Weinfeld, Claudia Moreira Salles e muitos outros. Um dos orgulhos de seus funcionários é terem executado as cadeiras doadas à Arquidiocese de Aparecida e usadas pelos bispos e pelo Papa Bento XVI quando de sua visita ao Brasil, em 2007. Juntando diversas madeiras como pinho-de-riga, jacarandá-da-Bahia, pereira, canela, óleo-de-bálsamo, peroba-do-campo e pau-brasil de demolição, são design de Claudia Moreira Salles e hoje peças de destaque no museu local. Trabalham atualmente na Marcenaria da Fazenda 28 funcionários, sendo 24 oriundos de Ritápolis. São de rigorosa procedência as madeiras utilizadas e, basicamente, de três tipos. De reúso, aquelas provenientes de casas e fazendas antigas e cuidadosamente guardadas para servirem em nova encarnação, as madeiras de corte com supervisão de autoridades competentes e acompanhadas do Documento de Origem Florestal (DOF) e as madeiras certificadas cujo corte obedece às normas de manejo florestal do Forest Stewardship Council (FSC), que vêm também com DOF. O site da marcenaria é www.marcenariadafazenda.com.br e o e-mail para contato: contato@marcenariadafazenda.com.br. (nese@estadao.com.br).

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