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Crime e reforma

Sarah Graves, pseudônimo de Mary Squibb, cria livros de mistério a partir das obras de sua velha casa, nos EUA

Por Paula Span
Atualização:

De todos os métodos de reformar um imóvel imenso e dilapidado, Sarah Graves inventou o mais engenhoso: compre a casa de um capitão-de-mar (três chaminés, 48 janelas, construída em 1823) num vilarejo costeiro do Maine, Eastport; seja forçado a aprender sobre compressores e sprays, argamassa e chaves de fenda; invente uma detetive amadora para comprar a casa do capitão na vila citada; e escreva histórias de mistério, contando suas aventuras em solucionar crimes e remover papel de parede. Dê-lhes títulos sugestivos - Mallets Aforethought (algo como "Marretadas Premeditadas") e Tool and Die ("Use Ferramenta e Morra"). Insira lições do dia-a-dia (por exemplo, como silenciar assoalhos rangedores) nos romances policiais e invista o dinheiro obtido com os livros numa reforma contínua, quase eterna. Repita a parte final da receita a cada ano e chame a série de Home Repair Is Homicide ("Reforma Doméstica é Homicídio"). "É uma autêntica simbiose", diz Sarah, de 50 anos, cuja terceira reforma, quer dizer, livro de mistério, Trap Door, foi publicado em janeiro pela Bantam - e está prestes a atacar o quarto da frente do segundo andar. Ela e seu marido, John Squibb (Sarah Graves é pseudônimo adotado quando sua agente disse que Mary Squibb soava como marca de creme dental), compraram a imensa "relíquia" branca num lote duplo, nos meados dos anos 90, planejando reformar eles mesmos um cômodo por ano. A contagem atual marca 10 cômodos e corredores resolvidos e oito - entre eles, a cozinha e dois banheiros - por fazer. Ou seja: mais 700 mil edições de romances a serem publicados. A casa, à pequena distância do mar, ficou vazia por um ano. Apesar de oferecer tudo o que um amante de casas antigas ama - portas com bandeira, telhado de folha-de-flandres, lareiras -, não havia quem pagasse US$ 85 mil pelo imóvel. Os Squibbs foram pacientes. O preço caiu para US$ 60 mil, depois um pouco mais, e quando chegou a cerca de US$ 40 mil, "pulamos em cima", diz Sarah. Eles se mudaram para lá com a labradora Maggie, em dezembro de 2005. Só no segundo inverno, souberam como grampear folhas de plástico sobre as janelas para evitar os ventos cortantes como faca. Reforma em conta Com o tempo, descobriram que uma garrafa spray de água e um ferro de passar eram tão eficazes quanto aquecedores alugados para remover camadas múltiplas de papel de parede que "enfeitavam" - segundo ela - e "enfeiavam" - segundo ele - os cômodos. "Pagamos para trocar a fiação e a hidráulica", diz Sarah. E, mesmo com a contratação de profissionais para reconstruir o galpão anexo, a reforma custou módicos US$ 35 mil. Os resultados são conscientemente despretensiosos: uma série de cômodos acolhedores em cores quentes, mobiliados com achados de decoração. A mesa de mogno da sala de jantar, com oito cadeiras, custou US$ 500 num brechó. Squibb ganhou a colcha quilt (feita à mão) numa rifa de igreja. No quintal, há hortaliças. Na transição do casal para o dia-a-dia em cidade pequena, Sarah reconheceu os elementos - cenários pitorescos, locais coloridos, detalhes domésticos - que são pano de fundo para um romance policial "aconchegante". "Quando saio na porta e vejo um carro saindo do vizinho, é provável que saiba não apenas quem está dirigindo, mas também para onde está indo", diz. O mesmo acontece com sua personagem narradora, Jacobia Tiptree, ou Jake, ex-corretora da Wall Street transformada em detetive. Reformadora compulsiva, ela usa um cinto de ferramentas, é perita em manejar um pé-de-cabra e sabe quem-fez-o-quê-a-quem, enquanto se envolve em tarefas banais, como deixar de molho ferragens em uma lata de removedor de tinta. "Ouvir sua lista de modos pelos quais você pode se matar consertando uma velha casa (da queda do forro a um infortúnio com a serra elétrica) é hilariante", escreveu Marilyn Stasio no The New York Times Book Review, em 2006, elogiando Nail Biter, de Sarah Graves.

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