Como no teatro

Tudo no apartamento do cenógrafo JC Serroni remete a palcos, peças e atores

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Por Marisa Vieira
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Uma das cadeiras em torno da mesa de jantar, de madeira marchetada em vários tons, fazia parte do cenário de Encontros com Fernanda, monólogo em que a atriz Fernanda Montenegro interagia com o público. No lado oposto do living envidraçado, próximo da varanda com vista para o centro da cidade, fica a chaise de ferro revestido de laminado branco, usada na peça O Divã, interpretada por Lília Cabral. Sobre o móvel, um xale, presente do diretor de teatro Gabriel Villela, e "famílias" de bonecas de pano. É assim, em meio a referências teatrais, que um dos mais importantes cenógrafos do país, José Carlos Serroni, ou simplesmente JC, como é conhecido, vive com a família no apartamento de cerca de 200 m², em Higienópolis. "Sempre acabo trazendo para cá algum objeto dos espetáculos. E também ganho muita coisa ou compro em viagens", explica. Sobre a sua trajetória, conta: "Quando era criança, vivia em São José do Rio Preto. Vira-e-mexe chegava um circo e eu emprestava, escondido de minha mãe, móveis para o pessoal", recorda. Já adolescente, Serroni começou a desenhar, pintar e fazer painéis para o teatro da cidade. "Passei a procurar cursos de cenografia e não achei. Então, vim para São Paulo estudar Arquitetura na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo)." Foi na faculdade que ele conheceu seu grande mestre, Flávio Império, considerado o "reinventor" do espaço cênico brasileiro nas décadas de 60 e 70. "Com ele aprendi mecânica cênica, iluminação, acústica, sonorização, figurino", emociona-se Serroni, que, depois da faculdade, foi trabalhar na TV Cultura. Lá, ficou por seis anos e entrou em contato com grandes nomes do teatro como Antunes Filho, Antonio Abujamra e Ademar Guerra, entre outros. Não saiu mais de cena. Mergulhou de cabeça na cenografia para teatro, fez shows, exposições, festivais, curadoria e escreveu Teatro, que traça um panorama da memória do espaço cênico do Brasil. Depois de 17 anos de carreira e 13 peças com Antunes Filho, Serroni fundou, em 1998, o Espaço Cenográfico, que ele define como laboratório de projetos. "Damos cursos, fazemos jornal, temos biblioteca, figurinos e objetos para decoração, eventos e cenografia", explica Serroni. Ele lamenta ter deixado para trás boa parte do seu acervo quando se mudou da ampla casa onde morava, em São Paulo. Ainda assim, consegiu preservar a atmosfera de quem vive da arte. Aquela chaise de ferro, por exemplo, fica perto da maquete do teatro elisabetano e de prêmios Molière, ganhos ao longo dos anos. No teto, luminária de Bali. Nos sofás, xales mexicanos, almofadas egípcias e uma peça de fazer renda de bilro, trazida de Natal (RN). Sobre a mesa de centro, a miniatura do tear usado na peça Fausto. Na parede, bandeira com desenhos (obra de Flávio Império) e, pendurado num armário mineiro, vestido infantil do século 19, com rendas e passamanarias, originário de uma mostra. Boa parte dos móveis de madeira do apartamento foi desenhada pelo próprio Serroni e executada pela Marcenaria e Cenotecnia Lisboa, responsável pelas estantes (modelos a partir de R$ 400 o m²) ocupadas por pequenos objetos, que vão de minicamarins a bonecas russas, incluindo baús e até mesmo um santuário venezuelano. No limite da sala de jantar com a cozinha, pende do teto um bastão de Molière, de madeira maciça e franjas (usado para marcar intervalos nas peças). Já a foto da encenação de Antígona, no Teatro Anchieta, com direção de Antunes Filho, toma quase toda uma parede. Na cozinha, onde os azulejos antigos foram pintados de tinta epóxi branca (da Sayerlack, galão com 3,5 l, R$ 140, na Dimas Tintas), o destaque é outro móvel desenhado pelo proprietário. De madeira marfim, tem divisórias e gaveteiros laterais, rodízios e bancada para preparar a comida. "Fiz especialmente para a minha mulher Ana, que adora cozinhar", diz Serroni. Uma cortina de contas do cenário de Um Bonde Chamado Desejo (de Tenessee Williams) separa as áreas social e íntima. À esquerda, está o quarto do filho Matheus, também com móveis de madeira desenhados pelo pai. Na estante, entre os brinquedos, uma boca de cena, que Serroni fez questão de colocar. E, entre os inúmeros móbiles no teto, o aviador ganho de presente da atriz Lília Cabral, uma das amigas mais caras de JC.

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