Com charme e dry martini

Aos 84 anos, Sylvia Kovarick recorda como era viver com elegância na época em que criou a Plano Decorações

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Por Maria Ignez Barbosa
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Sylvia Kovarick queria ser moderna e conseguiu. Com elegância, charme e ousadia. Apaixonada por hipismo, entre ganhar do avô um automóvel ou um cavalo, preferiu o segundo. Quando casada, não hesitou em vestir-se de homem e sair pela noite paulistana atrás do marido sumido. E já divorciada, para ganhar a vida, decidiu-se pela decoração. Optou pelo novo e o moderno para dar o tom na loja que abriu com uma amiga na Oscar Freire, a Plano Decorações - que, pouco depois, viria a ser vizinha de porta do famoso Plano?s Bar, aberto por elas mesmas quando perceberam que receber os amigos na loja para um drinque no fim da tarde já se tornara rotina. Hoje, com 84 anos confessos, Sylvia pode nos falar de um tempo ainda bem anterior, quando nas casas se plantavam camélias que eram usadas nas lapelas. Fala de seu tempo de criança quando subia com os primos no telhado para ver o avô chegando da Europa no Hinderburg, um dirigível que, em 1936, fazia a viagem em três dias e onde eram servidos champanhe e caviar. Mostra fotos do antepassado austríaco Frederico, casado com uma alemã de nome Hermine, sua avó. Foi ele quem fundou em 1898, em Santo André, a primeira fábrica de casemira da América Latina. Sylvia descreve o palacete que ele mandou construir em 1910, em São Paulo, no bairro da Aclimação, mais exatamente na Rua Castro Alves, com 24 quartos, 14 empregados, simetria inglesa, rigor germânico e verde tropical. Ali, onde hoje existe um condomínio, a família tocava música e se reunia em black-tie, além de passear pelos jardins com um grande lago, fontes e impecáveis topiarias. Na enorme garagem, um Packard e um Lincoln conversíveis, mais o Horsch, o Tatra e o Maybach, mantidos por motoristas com polainas e plastrons. Pois, foi nessa casa que Sylvia se habituou ao belo e refinado. Ter convivido com móveis antigos, estofados em cetim de seda, cúpulas plissadas e debruadas, quadros pendurados na parede por cordas de passamanaria, tapetes Aubusson, lareiras de mármore, lambris nas paredes e a biblioteca farta, mais tarde doada para o Mosteiro de São Bento, ensinou-lhe o valor da qualidade, mas não impediu que ousasse no sentido de uma linguagem estética moderna. Mesmo depois de fechar a loja (o imóvel foi posto à venda e o bar, adquirido por Fernando Milan), Sylvia continuou trabalhando e participou de várias edições da Casa Cor, inclusive a primeira, em 1987, onde fez um terraço grande e branco, com móveis de vime também brancos e cor apenas em almofadas cá e lá. Hoje, ela pode também falar do que era ser moderno em decoração nos anos 70, mas basta que nos mostre o apartamento em Higienópolis, onde mora desde 1964 e é testemunha de que o que criava ainda pode nos servir de inspiração. No teto da sala de jantar, um vitral em estilo art déco e com luz embutida é de dar água na boca em muita gente. A porta que divide esse ambiente da sala de visitas tem cor laranja e pinturas no vidro que permitem a passagem da luz. A estante criada na reentrância de uma das paredes amarelas e que puxam para o ocre tem fundo azul com nuvens e, nas prateleiras de vidro, está a coleção de bolas de pedras. Os sofás têm a cor azul do fundo da estante e no corredor, pintado por Pedro Leitão na porta que leva ao interior do apartamento, um retrato de Sylvia em tamanho natural. Na sala ao lado, de TV e com sofá curvo, o teto é quadriculado em madeira e os vãos forrados de espelho. Para a loja da Oscar Freire, Sylvia desenhava e mandava executar mesas em formas geométricas, de encaixar, de madeira e metal ou forradas com pergaminho. Vendia sofás de mola em espiral, estofados com patchwork que encomendava. Suas cortinas que tinham três forros, como as antigas européias. "Dona Sylvia era uma pessoa elegante e trazia isso para o trabalho", diz Maria Batista de Souza que, aos 16 anos, começou a trabalhar ao lado da mãe, então funcionária da decoradora. "Hoje não há mais clientes para esse tipo de trabalho. Tudo era impecável, diferenciado." Não que Sylvia soubesse manejar uma régua de cálculo, mas tinha idéias, ousadia, um arquiteto e dois desenhistas. "Eu viajava muito, trazia móveis da Itália e lia muita revista", lembra ela, enquanto folheia velhos álbuns da Plano Decorações. Neles, fotos de sofás com assento e encosto com desenhos obtidos apenas por nervuras no tecido; mesas saindo umas por debaixo de outras ou com tampos de vidro; cadeiras chinesas pintadas em laca vermelha; paredes forradas de palhinha; colunas de espelho em forma de pirâmide; uma cadeira com a estrutura em madeira imitando corda; outra, com assento de palha rústico em contraste com o encosto em palhinha tradicional, além de bares, banquetas, escrivaninhas... Entre as 10 mais A empregada Maria de Lourdes, 74 anos, faz questão de contar que a patroa já foi capa de O Cruzeiro e que, em tempos passados, fez parte de listas das 10 mais elegantes. E, num telefonema para João Manuel de Souza, que foi copeiro do Plano?s, fico sabendo que o dry martini era o drinque campeão do bar. Fora os amigos de sempre, era comum por ali passarem figuras como Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros. A paixão de Sylvia Kovarick por cavalos foi o que a aproximou do marido, que jogava pólo. Foram 18 anos de casada, três filhos, boas e más lembranças, mas ela não se queixa da vida. Lembra da casa de Campos do Jordão, comprada pelo pai em 1940, tem na memória também a casa de Santo André, onde nasceu, assim como o tempo de criança e adolescente no colégio Des Oiseaux. Ter podido sobreviver e criar os filhos às próprias custas foi bom e prazeroso. O namorado morreu já faz um bom bocado. "Os tempos mudam, mas ainda há muita gente educada e chique."

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