PUBLICIDADE

Arte que vem de Hiroshima

Kimi Nii, que nasceu na cidade japonesa em 1947, tem uma história familiar tão marcante quanto a sua arte, calcada na natureza

Por Roberta de Lucca
Atualização:

Em abril passado, a ceramista Kimi Nii subiu ao palco da Embaixada do Brasil, em Tóquio, e fez um breve discurso. Era a cerimônia de abertura oficial das comemorações dos 100 anos da imigração japonesa - e ela, a única artista plástica a representar o Brasil. "Senti grande responsabilidade", conta a japonesa que imigrou para São Paulo com os pais e irmãos no final dos anos 50.   Veja Também: Alimento para os sentidos Peixe voador Boas compras no nosso japão Refúgio de um mestre Quadro para o príncipe O país que ensina design Harmonia natural Kimi nasceu em Hiroshima em 1947 e tem uma história familiar tão marcante quanto a sua arte, calcada nas formas da natureza. De um punhado de argila nascem capins, bambus, bromélias e helicônias - essas últimas feitas com um sistema de encaixe que permite criar cerâmicas-esculturas de grande porte. "Aprendi que preciso ceder um pouco para modelar e interagir com as etapas do processo", explica a última de cinco filhos. Durante a Segunda Guerra, a mãe de Kimi, grávida pela quarta vez, refugiou-se com as crianças na casa de parentes, numa cidade próxima de Hiroshima. "Mamãe deu de mamar e colocou o bebê no berço. Então ela se virou, olhou através da janela e pensou na casa dela", conta Kimi, repetindo uma história que deve ter ouvido dezenas de vezes. "Ela ouviu um estrondo e viu um cogumelo no céu. Depois, vieram as chamas do incêndio, que durou a noite." Assim a família foi salva da bomba atômica. Do pai, engenheiro-arquiteto, Kimi Nii herdou gostos. Por influência dele, que pintava e amava arte, ainda menina ela começou a pintar. "Tinha certa confiança no que fazia. Participava de concursos de desenho e pintura e ganhei prêmios." Mas ela não queria ser artista plástica. "Amigos do meu pai reclamavam das dificuldades e não me interessava viver como eles", conta. Decidiu então estudar desenho industrial na Faap, de onde saiu diplomada diretamente para um estúdio de design. Depois, trabalhou em agências de publicidade, mas não gostava do ambiente, embora a experiência tenha resultado no primeiro casamento. "Em 1973, eu e meu marido e mais dois casais de amigos largamos tudo para ir morar em Itamaracá", lembra. Esse espírito de aventura, Kimi também parece ter herdado do pai, que veio pela primeira vez ao Brasil, nos anos 30, por razões ainda hoje misteriosas. "Depois de sua morte, minha tia contou que ele era meio socialista e parece que veio fugido para cá", revela. Após casar com uma brasileira, filha de japoneses, e ter três filhos, ele retornou a Hiroshima, já que, pela tradição, o primogênito deve morar com os pais. Viveram lá até 1957, quando, falido, retornou ao Brasil com esposa e filhos. Aqui reencontrou irmãos e parentes da mulher, que tinham constituído família com imigrantes da Itália. "Foi umadelícia! Eram mais de 20 primos e todos alegres, eles me abraçavam e beijavam o tempo todo", recorda. Desse mix ítalo-nipônico, a miúda Kimi herdou certa dose de descontração: no cabelo preto, o azul-marinho da franja é revelado conforme a incidência da luz. Sutil irreverência. Quando Kimi e o marido voltaram para São Paulo após três meses em Pernambuco ("não agüentei..."), ela já cultivava o desejo de fazer um curso de cerâmica. Até que, em um passeio pela Praça da República, ficou fascinada pelas peças de alta temperatura vendidas por um japonês. Foi estudar com seu conterrâneo. Formas limpas Daí em diante, percorreu um caminho de descobertas do que podia ser feito com um punhado de argila modelada. Admiradora do construtivismo, do concretismo e da Bauhaus, Kimi se apropriou das linhas retas e formas limpas dessas correntes para desenvolver suas peças. Assim, um cone retrata a leveza do capim e uma gota com pontas representa um cacto. Há 15 anos Kimi Nii ocupa o mesmo ateliê (o seu segundo), no Butantã. Com ela trabalham um torneiro e três assistentes, além do pessoal administrativo. As peças são vendidas ali e também nas prateleiras da Zona D, além da Deco Galeria, que representa artistas plásticos japoneses em São Paulo. A manufatura esconde um segredo: o olhar afinado devido à prática do budismo soto zen. "A cultura japonesa mostra, com simplicidade e objetividade, que devemos observar e respeitar a natureza. É o que faço", afirma.

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.