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A era de ouro de um estilo

Período vitoriano, marcado por avanços sociais e de tecnologia na Inglaterra, ditou moda mundo afora

Por Maria Ignez Barbosa
Atualização:

Ela foi rainha da Inglaterra entre 1837 e 1901, mas o período a que Vitória emprestou o nome teve duração bem além de seu próprio reinado. Pode-se dizer que surgiu em 1815, quando a política expansionista de Napoleão saiu de cena, antes mesmo do nascimento da pequena princesa em 1819, e se perpetuou até 1914, quando eclodiu a 1ª Guerra. Isso, no caso de querermos limitar no tempo um estilo que evoluiu fazendo releituras ou revivals do gótico, clássico, rococó, elisabetano e por aí afora, sempre com ingredientes de exotismo oriental e que não parece, apesar de estarmos no século 21, ter sido completamente relegado ao passado. Como se verá, ainda há quem ache graça nessa superposição de estilos, quem curta acumular, colecionar, buscar inspiração em terra alheia e recriar elementos e detalhes do vitoriano de forma consciente e brincando com o ridículo. Vivia-se então na Inglaterra um período de avanços, de surgimento de tecnologias e grande mobilidade social, onde a população rural se transformava em urbana. Foram os mais abastados dessa nova classe média trilhando as novas estradas de ferro - e nas pegadas da aristocracia - os que de fato vieram a ditar os novos estilos e costumes que logo atravessariam o oceano para se impor também nos Estados Unidos e na Austrália, África do Sul e Índia. Tornava-se mais fácil produzir, e, portanto, mais barato comprar conforto e modismos. Morava-se melhor e a aparência dos interiores passou a ser primordial. Leis de higiene foram decretadas e era considerado vulgar, até mesmo imoral, não dar importância e atenção à casa. Acumular objetos, possuir móveis entalhados, misturar estilos, forrar o chão com tapetes estampados, enfeitar lareiras com cerâmica pintada, ter cortinas emoldurando portas ou drapejadas nas janelas e forrar paredes com papel estampado eram demonstração de evolução social, riqueza e considerado de bom gosto e tom. E a multiplicidade de objetos espalhados por sobre qualquer superfície disponível, de modo a não fazerem sombra uns aos outros, servia de assunto para a conversa em festas e jantares. E, sinal também desses agitados anos, foi assinada em 1842 a Registration Act, lei para proteger os criadores das cópias e reproduções. Surgia o design e, em retrospecto, é do escocês Christopher Dresser o título de primeiro designer industrial da Inglaterra e de William Morris, na segunda metade do século, o de primeiro style setter. Entretenimento e deleite era fazer window-shopping pelas grandes exposições internacionais, atualizar-se sobre novidades, comercializar e aprender. Dar de cara com madeiras raras e outras novidades importadas era como viajar sem sair do lugar. E colecionar, uma divertida decorrência. Foi marco e fez história a Great Exhibition de 1851, no Cristal Palace, um verdadeiro palácio de cristal erguido emLondres com esse propósito - e que fez a romancista Charlotte Bronté escrever sobre "a grandeza dessa exposição, que não consiste em uma coisa em si só, mas sim no acúmulo de todas essas coisas produzidas em diferentes partes do mundo". Pois de tudo parecia haver ali: móveis imitando bambu, estatuetas black amour, vidros de perfume com formas e diferentes cores de cristal, caixas revestidas com conchas, roupas de cama, mesa e banho em linho com rendas e bordados e entremeadas por fitas, caixas de tartaruga ou laca imitando o xadrez (ou tartan dos escoceses), cerâmicas tipo majólica e tudo o que antes jamais se sonhara existir. Tomar chá estava na moda, daí que abundavam jogos compostos de bules, leiteiras e açucareiros, em prata ou estanho, mas sempre com desenhos e muito ornamentados. Foi quando os vitorianos descobriram a bone china, porcelana mais barata do que aquela feita no século anterior. Reações aos excessos Embora Vitória, a rainha do período, fosse discreta e recatada, as fantasias barrocas dos reinos anteriores de Jorge IV e Guilherme IV prevaleciam e davam o tom, tanto que até os objetos mais domésticos eram decorados de forma extravagante, com figuras grotescas, guirlandas e animais. Na segunda metade dos anos 1800 - o século 19 também viveu os seus anos 60 na moda e nos costumes -, já eram evidentes reações a esses excessos. O movimento Arts & Crafts, do qual William Morris foi um dos criadores, começou a produzir cerâmicas e outros móveis e objetos onde função e forma melhor se harmonizavam. Os motivos passaram a ser buscados na natureza. Em lugar da cerâmica produzida na primeira metade do século, onde até a cara de conhecidos criminosos era tema de estatuetas, surgiram imagens sentimentais ou domésticas como as de crianças dormindo. Num século que viveu o advento da produção em massa em relativa paz, difícil resumir as variações em matéria de tendências, modas e hábitos dentro e fora da típica casa vitoriana. Apesar do aparente vale-tudo, a cara do vitoriano é bem própria e organizada em seus excessos. Vale rever o filme A Época da Inocência, de Martin Scorsese, baseado no romance de Edith Wharton, para um belo apanhado do estilo, da moda e dos costumes, morais inclusive, nessa era de espartilhos, preconceitos e amores impossíveis. É, aliás, de Edith Wharton, junto com Ogden Codman, o primeiro livro de decoração de que se tem notícia, The Decoration of Houses. Nele, aprendia-se que, no hall de entrada de uma casa vitoriana, não se deve colocar uma pintura importante. Sendo lugar de passagem ou espera, além de um cabideiro ou hang tree para a bengala e o chapéu, bastaria um busto num pedestal ou nicho, além da mesa com a bandeja para os cartões de visita. São nossas conhecidas e belas sobreviventes da era vitoriana a loja Liberty?s, em Londres, com lambris de madeira escura que ali estão desde sua inauguração, no final do século 19, e a americana Tiffany?s, cujas luminárias de vidro pintado foram tão marcantes na decoração da típica casa vitoriana. (nese@estadao.com.br)

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