A arte em um sobrado

O catalão David Dalmau mora, trabalha e expõe suas telas - e de amigos - em uma casa nos Jardins. Para acomodar suas criações, poucos móveis e muito branco

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Por Marisa Vieira da Costa
Atualização:

  David Dalmau não sabe precisar quando se descobriu artista, mas lembra que, menino, era invariavelmente flagrado desenhando durante as aulas. Nascido em Barcelona numa família ligada às artes, ele acha que seu talento como pintor, escultor, fotógrafo e cenógrafo é natural, mas teve influências do pai. "Ele era empresário e colecionava arte e pintava. Um intelectual que esteve sempre ao meu lado, me dando força", afirma. Quando David tinha 7 anos, a família mudou-se para os Estados Unidos. E lá permaneceu até recentemente, voltando para a Espanha. David tinha retornado à terra natal antes, nos anos 80. Com a ajuda de um tio, instalou-se em Sitges, cidade litorânea a 30 km de Barcelona, que teve seu auge nas décadas de 30 e 40. "Miró, Gaudí e Picasso tiveram casa lá. Sitges recebia iates de grande porte e as mansões se espalhavam pela orla. Virou um lugar badalado como Ibiza. Foi onde me encontrei como pintor", diz ele, que chegou a cursar Economia e pilotagem de aviões nos Estados Unidos. David permaneceu na Espanha dos 20 aos 28 anos, até conhecer uma brasileira por quem se apaixonou. Veio para o Brasil e logo entrou no circuito das artes plásticas, trabalhando com a curadoria da 11ª Bienal, em 1991. Trouxe para o País amigos artistas e ficou um bom tempo entre Estados Unidos, Brasil e Europa, até que começou a viver, de fato, da pintura. "Percebi que a arte não é para amadores. Comecei a levar a carreira a sério, fazendo contato com galerias e pessoas desse meio." Nos anos 90, David passou a fazer exposições. "Sig Bergamin foi um dos primeiros a comprar meus quadros", lembra (acrílico sobre tela, 1 m x 1 m, a partir de R$ 12 mil o m²). Daquela década em diante, o trabalho cresceu e em 2008 ele expôs em Estocolmo, em setembro, e em Paris, no Museu do Louvre, em dezembro. Hoje, boa parte da obra do artista está no sobrado que ele ocupa na Rua Groenlândia, nos Jardins. Reformada por ele, a casa ganhou espaços interligados, paredes brancas, piso de cimento, muito vidro e poucos móveis. Superiluminada, hoje serve de residência, ateliê e local de exposição (inclusive de amigos). Cores vibrantes A pintura de David é figurativa - "reflexo do que sou como pessoa", diz. As cores são fortes e vibrantes e preparadas por ele mesmo, que estudou restauro e elaboração de pigmentos na Espanha. Esses pigmentos são importados do Japão, enquanto a tinta acrílica branca vem da Alemanha, da Holanda e dos Estados Unidos. "Mas a lona é brasileira. Não existe igual no mundo", elogia o artista. David gosta de cenas dos anos 20 e 30 ("parece que não faço parte desse mundo atual") e de chapéus. Muitos dos seus quadros são sequenciais - as figuras se repetem como num jogo. "Minha arte é a leitura que faço do mundo. É meu pequeno universo, um espelho para mim mesmo. Nunca copio a realidade; exponho minha lembrança", diz. A produção de David é intensa. "Levanto da cama e já estou a poucos passos do ateliê. Isso facilita. Passo praticamente o dia todo aqui." Há telas espalhadas pelo sobrado inteiro. Daí a economia proposital de móveis. Na sala da frente, onde uma estante branca apoia, entre outros objetos, a coleção de xícaras comemorativas dos 500 anos de Descobrimento do Brasil, que ele pintou para o governo brasileiro, há apenas duas cadeiras antigas revestidas de veludo preto que ele trouxe da casa dos avós. No vestíbulo, uma cômoda italiana, também antiga (a partir R$ 10 mil, na Juliana Benfatti Antiguidades), sobre a qual repousam peças do acervo pessoal do arquiteto e vizinho João Mansur e, no piso, um kilim (a partir de R$ 200 o m², na By Kamy). A sala maior é mais espartana ainda: apenas um sofá branco e uma cadeira Ghost, de Philippe Starck. Afinal, não é preciso mais do que isso no reino das artes.

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