A arte de ser singular

No apartamento da escultora Dolly Moreno, em Higienópolis, obras impactantes preenchem os espaços

PUBLICIDADE

Por Roberto Abolafio Jr.
Atualização:

Existem acontecimentos que marcam pelo resto da vida. Para a escultora Dolly Moreno, foi a saída forçada do país onde nasceu, o Egito, durante a revolução liderada por Gamal Abdel Nasser, nos anos 50. Deixar a terra natal configurou uma ruptura ainda hoje reverberante em seu trabalho. Para tentar explicar um pouco melhor esse caos transformado em arte, ela logo faz questão de mostrar a escultura com mais de 1 metro de altura, exemplar da fase atual. São volumes de inox que parecem querer se partir e desabar, em torno dos quais flutuam esferas de latão, desafiando o equilíbrio, em um canto do living do apartamento em Higienópolis, onde mora com o marido. "Embora pareçam a ponto de tombar, as peças mantêm-se firmes", comenta a artista. Filha de mãe russa e pai judeu, Dolly deixou a cidade de Alexandria casada com o empresário Albert e as três filhas. Foram morar na França e nos Estados Unidos, até virem para o Brasil, em 1970. "Achamos que aqui seria nosso lar definitivo, porque as pessoas sempre foram amáveis e calorosas", diz a artista, que adora trabalhar e receber. Assim, o imóvel, muito compartimentado, precisava de ambientes sociais generosos. "Também era necessário abrir área para ela expor suas esculturas", explica a filha e arquiteta Arlène Moreno, que derrubou algumas paredes e integrou espaços na reforma e decoração. Como resultado, o hall de entrada ganhou atmosfera impactante - com espelho e papel de parede em tons berinjela, cor que se repete no lavabo. Já o living abusa da base neutra, com teto branco, cor palha nas paredes e no piso clareado (na Pitamplas, custa a partir de R$ 55 o m2, com aplicação de bona) para ressaltar os tapetes persa e chinês. Peças antigas Como a proprietária não é afeita a troca de mobiliário, algumas peças a acompanham há anos. Dos tempos do casamento é o móvel-bar, entre as portas de acesso ao terraço, que vira-e-mexe recebe pintura nova (a atual foi feita na Laqueação Assis, que cobra a aplicação partir de R$ 160 o m²). O samovar dourado, junto da mesa de jantar, vem da mesma época. Também faz tempo que o casal tem os estofados modulares, hoje tendência. "Funcionam como âncoras", analisa a filha, que desenhou algumas peças, como as simpáticas poltronas pintadas de branco (feitas por Alberto Sestini, preço sob consulta). "O que importa é que estamos rodeados de coisas que nos fazem bem", resume Dolly, que pontua os espaços com peças compradas nos diferentes países onde expõe. É o caso dos vasos de vidro colorido da sala, trazidos de Palm Springs, na Califórnia. Outra característica sua, confessa, é ser econômica. "Sempre que posso, faço coisas para a casa", diz, apontando as bases metálicas das mesas de centro com tampo de vidro. Mas a morada também abre espaço para outras artes, além das suas esculturas, cuja cotação varia de R$ 5 mil a R$ 50 mil. Os espaços têm, por exemplo, obras de Antonio Seguí e Vicente Kutka (gravura de metal, de 1994, custa R$ 500 na Galeria Gravura Brasileira). "Para mim, a vida não existe sem arte", diz ela, que durante um curto período até chegou a "namorar" o design, quando produziu cadeiras metálicas de traços curiosos. "Desde quando tinha 3 anos, eu gostava de fazer coisas. Comecei cedo a estudar e a produzir esculturas e nunca mais parei." Todos os dias ela se desloca até seu ateliê, na Lapa, onde passa cerca de dez horas elaborando peças que primeiro tomam forma de maquetes. Cada detalhe mal estudado pode fazer diferença ao compor de maneira definitiva o desenho geométrico das obras. Como ninguém é de ferro, o casal (juntos há 50 anos) se diverte jogando bridge com amigos. "Reunimos 16 duplas e conversamos, jantamos", conta. O lugar mais disputado para as partidas é a saleta com a mesa de tampo redondo de mármore travertino romano bruto (na Pedras Amazonas, a peça com 1,20 metro de diâmetro custa a partir R$ 1.050). O material rústico combina com o jardim vertical projetado junto da janela para esconder a lateral do prédio vizinho. As espécies tropicais trazem o verde para o living e o terraço, dando ao apartamento um clima gostoso de casa. "A maioria das plantas está em vasos, porque se alguma morrer fica mais fácil substituir", explica Dolly.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.