Usada para emagrecer, dieta cetogênica é eficaz para casos de epilepsia

Quando remédios não surtem efeitos positivos, o plano alimentar reduz as crises e melhora o desenvolvimento cognitivo e motor

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Por Ludimila Honorato
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A dieta cetogênica inclui grande quantidade de gordura, porção adequada de proteína e pouco carboidrato. Foto: RitaE/Pixabay

A dieta cetogênica é bem disseminada no meio fitness ou de vida saudável. Muitos a conhecem por levar à perda de peso, mas o que poucos sabem é que ela foi criada em 1921 para o tratamento de epilepsia. Caracterizada, principalmente, pela restrição de carboidratos, o plano alimentar reduz o número de crises epilépticas, mas só é indicado após o tratamento medicamentoso não surtir efeitos positivos.

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"A dieta não é o primeiro tratamento para nenhum tipo de epilepsia, exceto em duas doenças metabólicas, mas até chegar no diagnóstico dessas doenças, a pessoa já tomou os remédios. A primeira coisa que os médicos vão prescrever é o fármaco antiepiléptico", diz a neurologista infantil Letícia Sampaio.

Segundo a especialista, de 50% a 60% das pessoas com epilepsia terão todas as crises controladas com o primeiro medicamento e levarão uma vida normal. Caso o remédio não tenha o efeito esperado, é receitado um segundo tipo, eliminando o primeiro.

O abacate é uma fonte alimentar rica em gorduras; pode ser preparado de diferentes formas. Foto: Kjokkenutstyr/Pixabay

O uso simultâneo de mais de uma medicação pode causar sonolência, crises e hipotonia (enfraquecimento dos músculos). "Se não responder [ao medicamento], a epilepsia é considerada farmacorresistente. É muito pequena a chance de controlar crises epilépticas com a terceira ou quarta medicação", afirma a neurologista.

No geral, 30% dos casos de epilepsia apresentam resistência aos remédios e é para esse grupo que a dieta cetogênica pode ser indicada. Exemplo disso é Olívia, de 12 anos, filha do chef de cozinha Henrique Fogaça. A menina nasceu com uma síndrome rara, provocada por alteração genética, o que lhe causou muitas crises convulsivas, hipotonia e ausência de fala.

Ovos e carnes boniva, suína e de frango são fazem parte da dieta cetogênica. Foto: Robert-Owen-Wahl/Pixabay

"Há um ano e pouco começamos com a dieta [cetogênica] e a Olívia tem evoluído muito. Ela ganhou peso, tem muito menos convulsões, talvez 2% do que tinha, melhorou muito a qualidade de vida dela, está do tamanho da adolescente que é. Ela tem uma [crise epiléptica] a cada mês, mas é um 'escapezinho' bem de leve. Ela está muito mais perceptiva nas reações quando falo com ela", relatou Fogaça durante um workshop sobre o tema promovido pela Danone Nutricia no último dia 7.

O jurado do MasterChef falou também da importância de estimular as crianças que convivem com epilepsia. "Muitas famílias escondem os filhos, há preconceito e eu procuro, quando estou com a Olívia, levá-la em todos os lugares que eu vou para ela sentir a vida. Acho importante mostrar o mundo para ela", contou. Em suas redes sociais, o chef mostra a evolução da filha e fala da alimentação que ela segue.

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O que é epilepsia?

A epilepsia é uma doença do cérebro relacionada ao funcionamento anormal dos neurônios, que se comunicam por impulsos eletrônicos ou por neurotransmissores. "Nas pessoas com epilepsia, essa comunicação é exagerada em algumas regiões do órgão, com liberação de muitos neurotransmissores. Os neurônios disparam de forma aleatória e geram a crise", disse a neurologista Vera Terra em entrevista anterior ao E+. As crises podem ser generalizadas ou focais, dependendo se atinge todos os neurônios ou parte deles.

As causas da doença, segundo a médica, são variadas, mas pode ter origem em danos cerebrais, como um tumor, acidente vascular cerebral (AVC), trauma ou qualquer doença que afete a estrutura normal do cérebro. Assim, qualquer pessoa pode desenvolver o quadro, mas aquelas que sofreram alguma lesão são mais propensas. Abuso de álcool e drogas também pode ser um fator. Saiba mais sobre sintomas, diagnóstico e tratamento da epilepsia aqui.

Dieta cetogênica e epilepsia

A nutricionista Marcela Gregório, mestre em neurociências pela Universidade Federal de São Paulo, explica que a dieta cetogênica é rica em gorduras, adequada na quantidade de proteínas e restrita no consumo de carboidratos. A proporção entre esses macronutrientes pode variar e o cardápio é elaborado com base na condição do paciente. A dieta clássica contém de três a quatro gramas de gordura para um grama de carboidrato e proteína juntos.

Proporção de gorduras, proteínas e carboidratos em uma dieta cetogênica clássica. Foto: Reprodução do site Charlie Foundation

Não se sabe exatamente o mecanismo de ação da dieta cetogênica para controlar as crises, mas desde, pelo menos, os anos 500 antes de Cristo o jejum e outros regimes são usados no tratamento. Letícia afirma que existem vários estudos que abordam diferentes mecanismo de ação da dieta.

"Ela altera neurotransmissor, modula canal de potássio, altera oxidação e mecanismos da serotonina. Não se sabe exatamente qual funciona, mas é a mesma coisa dos remédios: alguns a gente sabe onde agem, mas outros mecanismos não, e cada epilepsia é diferente. A dieta vai ser indicada para todos com farmacorresistência, mas cada um tem um mecanismo diferente", explica a neurologista infantil.

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Alimentos que podem ser consumidos na dieta cetogênica. Foto: Reprodução do site Instituto Ceto Brasil

Basicamente, a dieta cetogênica imita o jejum, mas sem os efeitos colaterais ruins, como dor de cabeça, tontura, letargia e constipação. Quando o carboidrato é restringido ou eliminado da alimentação, o corpo recorre às gorduras ingeridas em vez da glicose (proveniente do carboidrato) como fonte de energia. Ao ser queimada, a gordura produz cetonas, também chamadas de corpos cetônicos, usada como fonte de energia alternativa.

Ao aderir ao plano alimentar clássico, composto por 90% de gordura, espera-se que uma pessoa com epilepsia reduza em 50% o número de crises, diz Marcela. "São três meses de análise e de dois a três anos de tratamento", afirma. Alimentos com gordura que poderiam ser consumidos incluem maionese, creme de leite fresco e nata. Entre as proteínas, recomenda-se mais ovos, peixes e carnes bovina, suína e de frango. Quando o carboidrato não é totalmente eliminado, dá-ser preferência àqueles que possuem maior aporte nutricional: frutas, legumes e verduras. O Instituto Ceto Brasil ensina algumas receitas dentro da dieta cetogênica. Confira aqui.

Efeitos colaterais da dieta cetogênica

Devido ao alto consumo de gordura, o aumento do colesterol pode preocupar, mas, segundo as especialistas, o nível tende a se normalizar dentro de um ano de dieta. Nesse período, faz-se controle das calorias ingeridas. Marcela cita outros efeitos colaterais comuns, principalmente nas duas primeiras semanas: náusea, rejeição de alimentos, diarreia e vômitos.

"Esse aumento de gordura, às vezes, no longo prazo, pode gerar gordura no fígado. Mas todos esses efeitos colaterais são sempre avaliados em equipe", tranquiliza a especialista. Ela afirma que o risco de efeitos adversos graves é pequeno e a dieta não precisa ser interrompida.

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Outro ponto importante é que a dieta cetogênica não é balanceada, então não é possível fazê-la sem suplementação. "Se a gente pensar que 90% é gordura, o que está entrando de vitamina e mineral? É uma dieta pobre em termos de micronutrientes, tem de suplementar e cada faixa etária tem uma necessidade diferente", diz a nutricionista. Porém, não se pode dar a uma pessoa com epilepsia qualquer suplemento. É preciso avaliar a quantidade de carboidrato que ele pode conter e fazer os cálculos necessários para descontar na dieta. Por isso, é fundamental a atuação do nutricionista.

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Com o correto direcionamento, a dieta cetogênica se mostra eficaz para o tratamento de epilepsias resistentes a medicamentos. Além da redução no número de crises, há melhora no desenvolvimento cognitivo e motor. "É uma mudança alimentar muito grande, a família tem de estar empenhada. Controlando as crises, muda a vida da família", diz a neurologista Letícia.

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