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Setembro Amarelo: como cuidar da saúde mental ao longo do ano?

Atendimento psicológico gratuito, palestras sobre o tema e até influenciadores podem ajudar no processo de desenvolvimento de uma ‘cultura do cuidar’

Por João Pedro Malar
Atualização:
Com o fim do Setembro Amarelo, é importante procurar formas de cuidar da saúde mental durante todo o ano Foto: Freepik / @jofreepik

Chega ao fim nesta quarta-feira, 30, o chamado Setembro Amarelo, uma iniciativa anual realizada ao longo do mês para prevenir suicídios e cuidar da saúde mental, levando informações sobre o tema para o público. É comum encontrar, ao longo desse período, diversas publicações sobre o tema, mas o assunto pode perder destaque no resto do ano.

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Com a redução das lives, palestras e publicações para falar sobre saúde mental, surge uma outra dificuldade: como continuar a se informar sobre o tema, até para se cuidar mais? 

Para Christian Dunker, professor da Universidade de São Paulo (USP) e psicanalista, a busca por informações é importante, mas também existem práticas que podem ser incorporadas no nosso dia a dia para cuidar da saúde mental durante todo o ano.

Primeiro, o professor considera que a “saúde mental é um trabalho permanente, coletivo e de todos”. Assim, cuidar da saúde mental deve ser algo da rotina, não dependendo necessariamente de consultas com psicólogos ou outros profissionais da área. 

“O primeiro passo é a capacidade de avaliar, acompanhar, reconhecer nosso sofrimento ou nossas próprias vulnerabilidades psíquicas, perceber situações de conflito”, comenta Dunker. Nesse sentido, deve-se ficar atento ao que gera sofrimento, e notar quais sofrimentos são invisibilizados, tidos como naturais ou parte do cotidiano, quando, na verdade, não deveriam existir.

Como exemplo, o professor cita a sensação constante de que não somos bem-vindos nos ambientes que frequentamos, ou a ansiedade por estar em um determinado lugar ou para realizar uma determinada ação, além de quadros como insônia crônica. Uma vez que esse sofrimento seja reconhecido, é necessário dar um destino para ele.

Assim, o segundo passo é uma avaliação crítica em relação à forma como enfrentamos a saúde mental. Dunker aconselha que isso seja feito de forma coletiva: “os laços sociais são protetivos, e a convivência com outras pessoas e escutas de si tem uma função de pré-diagnóstico, a gente se cuida, se avisa”.

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Para especialista, prática do diálogo é importante para garantir um bem-estar psicológico Foto: Freepik / @tiko33

Para isso, o professor considera ser importante que as pessoas entendam as boas intenções de amigos ou familiares que tocam no assunto da saúde mental. “É importante criar uma cultura em que isso não seja visto como crítica, ataque, diminuição, deslegitimação. É prestar atenção nos outros, e os outros prestam atenção em você”, afirma.

Outra mudança prática na rotina que o professor sugere é “cultivar e se dedicar a atividades para a saúde”, pensando não apenas na saúde mental. “Ir na academia, fazer exercício, ter boas práticas alimentares. Pensando em saúde mental, a capacidade de escuta, de si e do outro”. 

Ao longo desse processo, Dunker alerta que a ajuda profissional pode ser necessária, e é importante buscá-la nesses casos, mas é válido também aproveitar os recursos da “comunidade”, pensando na empatia e na escuta que podemos encontrar com quem nos cerca. 

“Escuta não é só acolhimento, é um percurso pelo qual investigamos a raiz a natureza dos nossos conflitos, que quando não tratados podem evoluir [para problemas ou doenças”, explica ele. 

Outro alerta que o professor faz é que as pessoas podem ter quadros psicológicos mais graves, e elas precisam ter um acompanhamento profissional “de longo prazo”, mas também saber quando uma medida ou um profissional não estão tendo sucesso.

Esses invíduos precisam ter consciência de que o acompanhamento profissional é algo a longo prazo e deve ser cultivado. Não adianta repetir uma receita por anos a fio, dada por um não profissional da área. 

A importância da terapia

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Dunker considera que a prática da terapia faz parte de uma “cultura do cuidar”, que está associada à valorização da nossa saúde em diversos aspectos, incluindo a mental. Um problema que ele aponta, porém, é que a prática ainda é associada, e até restrita, às classes médias e altas da sociedade. 

O professor explica que é importante que o paciente procure saber a formação do terapeuta, se o estilo dele funciona com o do paciente, e se os parâmetros éticos da profissão estão sendo seguidos.

“Tudo isso faz parte também da cultura do cuidado, e temos que ver isso, saber quando mudar, se os resultados não estão vindos, se algo está estranho, é razoável ter um senso crítico. Existem práticas duvidosas, experimentais, que podem ser boas, mas não são formas de psicoterapias”, alerta ele.

Terapia é importante para identificar e enfrentar sintomas e sofrimentos Foto: Freepik / @prostooleh

  Uma ideia popular é a de que a terapia é boa para todos em qualquer hora, mas Dunker observa que ela pode levar as pessoas a buscar a terapia quando não é “o melhor momento”. “Deve haver um sofrimento, uma questão que precisa ser transformada. Isso acontece muito com criança, ela é levada ao terapeuta quando no fundo quem está mais preocupado com a coisa são os pais”, aponta ele.

Boas práticas que também ajudam no cuidado da saúde mental e podem aliviar problemas são as atividades culturais, como cinema, teatro e música, a meditação, e outras alternativas para lidar com o sofrimento. Todas essas práticas são válidas, também, para evitar válvulas de escape prejudiciais à saúde, que levam a vícios, como o alcoolismo ou uma dependência química, e muitas vezes são tentativas de “passar por cima de algo que mostra que não estamos bem”.

“Passamos 40 anos achando que saúde mental era uma espécie de diabetes, que exige compensação neuroquímica. O cuidado de si, a palavra, foi desprezada. Temos que nos responsabilizar pelo nosso próprio sofrimento”, comenta o professor.

“A maior parte dos sintomas [de problemas psíquicos] são integrados ao dia a dia. Perceber o sintoma é difícil pois são variáveis, e eles são moralizados, associados à falta de vontade, ao pessimismo, ao pensamento negativo, o que torna mais difícil enfrentar os problemas”.

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Lives, eventos e atendimento psicológico gratuito

O professor analisa que o cenário de pandemia fez com que a saúde mental fosse ainda mais discutida, em especial durante o Setembro Amarelo, com diversas transmissões ao vivo, eventos e publicações de depoimentos sobre o tema, mas Dunker faz alertas sobre a questão.

“Ocorre que muitas vezes a forma como tomamos uma live, o que um especialista diz, vai se encaixar como um sintoma que a gente já tem. Fazemos identificações, diagnósticos rápidos, que nem sempre ajudam a transformar a situação em que estamos”, explica ele.

Dunker sugere que é mais válido perceber as lives e publicações como “depoimentos úteis” para gerar esclarecimentos, reduzir preconceito e mostrar que é normal sofrer, mas que é necessário também procurar ajuda. Os eventos também ajudam nisso, mas é preciso evitar diagnósticos próprios, que podem estar errados, e buscar ajuda profissional. 

VEJA TAMBÉM: Cinco dicas para proteger a saúde mental

Essas iniciativas, segundo o professor, são compreensíveis: “servem para tirar um atraso nessa questão, dar um salto. O salto pode virar tropeço, ser longo demais, bom ou ruim, mas tem que entender como parte da formação do debate, da cultura, para ter uma  geração mais preparada para enfrentar a saúde mental”.  

“Os sintomas psíquicos criam um certo centrismo, achamos que todos os outros sofrem como a gente ou não estão sofrendo, mas existem diversas formas de sofrimentos, e começamos a dizer como se deve sofrer ou não”, alerta o professor.

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Além dos eventos e lives sobre o tema, uma boa alternativa é a procura de serviços psicológicos gratuitos, que ajudam as pessoas sem condições financeiras para ir em clínicas particulares. As chamadas clínicas escola são comuns em faculdades que oferecem o curso de psicologia, e contam com atendimentos feitos por estudantes e pesquisadores, geralmente gratuitos, que podem ser encontrados por pesquisas na internet.

Durante a pandemia, por exemplo, a Universidade de São Paulo, as faculdades federais do Mato Grosso, de São Paulo, da Bahia e do Amazonas, a Universidade Estadual de São Paulo, a Universidade Mackenzie e as Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul seguem oferecendo serviços psicológicos para o público. 

Outra alternativa é procurar um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), que fazem parte do Sistema Único de Saúde (SUS) e oferecem acompanhamento psicológico gratuito. Outras instituições também oferecem o serviço, como a Clínica Social Casa 1, voltada para a população LGBTQIA+, e a Clínica Aberta de Psicanálise da Casa do Povo.

Também é possível encontrar atendimento gratuito nos centros de formação de psicoterapeutas, em que os psicólogos se especializam após a sua formação universitária. Com presença em diversas cidades diferentes, existem o Fórum do Campo Lacaniano, a Sociedade Brasileira de Psicanálise, a Sociedade de Psicologia Analítica, entre outras.

“Não tenha vergonha. Pergunte pelas credenciais do psicoterapeuta, sua linha, como vai ser o tratamento, o que pode esperar. Não se intimide diante de uma situação de vulnerabilidade”, aconselha o professor.

*Estagiário sob supervisão de Charlise Morais

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