Epilepsia afeta funcionamento dos neurônios e crises têm controle
Ludimila Honorato - O Estado de S.Paulo
26/03/2019, 07:03
Convulsão não é o único aspecto da condição; pessoas sofrem preconceito por falta de informações corretas
Epilepsia pode ocorrer com qualquer pessoa e em qualquer idade. Foto: Pexels by Pixabay
O senso comum tem uma visão estereotipada da epilepsia: pessoa doente que, de vez em quando, cai no chão com ataque epiléptico. Essa pessoa precisaria ficar longe do convívio social por ser incapaz de lidar com a condição. O que poucos sabem é que a crise convulsiva é apenas um dos aspectos da doença e 70% dos casos têm controle com medicamento.
Por conta do estigma, pacientes que convivem com os sintomas da epilepsia sofrem preconceito, tendem a ser inferiorizados e suas capacidades, mesmo que não relacionadas à doença, são colocadas em dúvida.
A artista plástica Joice da Paz Hatakeyama, de 24 anos, foi diagnosticada com a condição por volta dos 12 anos. Na fase adulta, ela passou por situações desagradáveis, mas hoje lida bem com a própria doença.
"É super tranquilo, mas acho que não me daria tão bem se não tivesse apoio do hospital, porque foi muito difícil pensar nisso tudo, ter acesso a informação e pensar de outra maneira. Mas a vida é super tranquila", afirma.
Definição de epilepsia
A neurologista Vera Terra, presidente da Liga Brasileira de Epilepsia (LBE), explica que se trata de uma doença do cérebro relacionada ao funcionamento anormal dos neurônios. "As células do cérebro se comunicam por impulsos eletrônicos ou por neurotransmissores. Nas pessoas com epilepsia, essa comunicação é exagerada em algumas regiões do órgão, com liberação de muitos neurotransmissores. Os neurônios disparam de forma aleatória e gera a crise", diz a especialista.
As causas da epilepsia, segundo a médica, são variadas, mas a doença pode ter origem em danos cerebrais, como um tumor, acidente vascular cerebral (AVC), trauma ou qualquer doença que afete a estrutura normal do órgão. Assim, qualquer pessoa pode desenvolver o quadro, mas aquelas que sofreram alguma lesão são mais propensas. Abuso de álcool e drogas também pode ser um fator.
Veja na imagem abaixo o que fazer e o que não fazer com uma pessoa em crise convulsiva:
Primeiros socorros em caso de crise convulsiva. Foto: Associação Brasileira de Epilepsia/Divulgação
Quanto aos sintomas, a convulsão é apenas um tipo de crise - tem mais de 30 tipos, segundo Vera. Outra ocorrência é a crise de ausência, em que a pessoa 'se desliga' por até um minuto e depois volta à atividade como se nada tivesse acontecido. O paciente pode ainda experimentar sensações estranhas, como descontrole de movimento de uma parte do corpo, formigamento ou visão e audição alteradas.
"O que acontece é que, geralmente, esses sintomas mais brandos acabam evoluindo para outra coisa. Esse é só o início da crise", afirma a neurologista, que diz que o risco de convulsão sempre existe, mas, com o tratamento adequado, a possibilidade é baixa.
Diagnóstico de epilepsia
Quando a pessoa tem crises de ausência ou convulsivas, ela não percebe o que aconteceu, por isso é importante que um observador, geralmente um familiar, relate o que está acontecendo. Joice conta que a mãe dela a levou ao médico na primeira crise, quando ainda era bebê. "Na época, ela não quis fazer o tratamento porque receitaram Gardenal", diz. Depois disso, ela teve uma nova crise aos 12 anos, mas antes já dava sinais que foram ignorados.
"Eu alertava minha mãe: 'Estou tendo muito choquinho na mão'. Eu não conseguia tomar café da manhã direito, porque o talher e o copo caíam da minha mão", relata a artista plástica. Um dia, depois de virar a noite estudando, ela acordou, sentou na cama e não teve vontade de levantar. "De repente, meu corpo travou. Começou pelo braço direito e, na minha cabeça, como não tinha acesso a informações na época, pensei que estava tendo uma possessão", relembra Joice.
Ela ainda ficou acordada por um momento e sentiu a cabeça chacoalhar até cair no chão e perder os sentidos. Após esse episódio, ela foi encaminhada para um neurologista e levou três meses até encontrar um medicamento que controlasse as crises adequadamente.
VEJA TAMBÉM: Cinco dicas para proteger a saúde mental
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Mente saudável
A saúde mental é tão importante quanto a saúde física e o bom funcionamento dos nossos órgãos. Quando sentimos uma dor no coração, não esperamos ter um infarto para ir ao cardiologista. O mesmo vale para transtornos mentais. Conversamos com o psiquiatra Ricardo Alberto Moreno, coordenador do Programa de Transtornos Afetivos (Gruda) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), e com Antônio Geraldo da Silva, diretor tesoureiro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e presidente eleito da Associação Psiquiátrica da América Latina, para dar dicas de como promover uma qualidade de vida melhor e proteger a saúde mental.
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Atividades físicas
Exercitar o corpo é indicado para ter uma vida saudável de modo geral. Especialistas recomendam atividades que elevem o batimento cardíaco a 120 por minuto por, pelo menos, 20 minutos diários.
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Envolvimento social
Os especialistas afirmam que os relacionamentos sociais sempre são um fator preventivo para a saúde mental. Ter tempo para lazer e divertimento também contribuem para uma vida mais saudável.
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Boa alimentação
Além de contribuir para a saúde física, uma alimentação saudável é importante para a mente também. Quem ingere alimentos adequados possui mais disposição para realizar as atividades do dia e tem uma autoestima melhor. Do contrário, comer de forma inadequada pode desencadear doenças, causar cansaço e distúrbios do sono, por exemplo.
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Preservar o sono
Dormir mal pode nos deixar irritados e de mau humor. Ter um sono em quantidade e qualidade adequadas faz com que o dia seja mais produtivo e prazeroso.
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Dividir bem o dia
Definir o tempo para trabalhar, estar com a família e cuidar de si é essencial para manter uma mente tranquila e saudável. O acúmulo de atividades pode prejudicar a atenção e cansar a mente.
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Lady Gaga
Veja 10 artistas que já falaram abertamente sobre saúde mental nesta galeria. Uma dessas personalidades é Lady Gaga, que revelou que sofre de estresse pós-traumático causado pelo estupro que sofreu aos 19 anos.
Foto: Reuters
Tratamento para epilepsia
Vera explica que o controle das crises é feito por medicamento que diminuem a reação exagerada dos neurônios. O Gardenal, embora ainda seja usado por alguns pacientes, é apenas uma entre as drogas antiepilépticas que são eficazes na maioria dos casos. Enquanto 70% das pessoas com epilepsia vivem normalmente com crises controladas, as outras 30% têm quadros de difícil controle.
A médica afirma que, se a pessoa fez tratamento por dois anos e não apresentou crises, além de passar anos posteriores sem medicação, ela está curada. Joice, porém, que está há cerca de sete anos sem crises, continua tomando remédios e evita, por exemplo, dirigir ou ter um ritmo de vida acelerado, pois sabe que o estresse e noites mal dormidas podem desencadear uma nova crise.
Importante ressaltar que cada caso é diferente do outro e o tratamento é feito individualmente. Quando a crise é de difícil controle, uma cirurgia no cérebro pode ser considerada. Por meio de um exame de ressonância, é possível identificar a parte cerebral afetada e retirá-la.
Sem preconceito
A neurologista menciona que um dos mitos da epilepsia é o contágio. Joice lembra que, na infância, os pais dos amigos dela não permitiam que os filhos ficassem perto dela. Vera afirma que isso já está diminuindo. No mercado de trabalho, os pacientes podem enfrentar dificuldades pelo preconceito de se contratar alguém com a condição, mas a médica reforça que tudo tem controle.
"O mais importante é encarar [a epilepsia] como uma doença como outra qualquer. Esse movimento que existe tenta tirá-la das sombras", diz a especialista. O movimento ao qual ela se refere é o Purple Day, ou Dia Roxo, celebrado em todo 26 de março para conscientizar sobre a epilepsia.
Joice enfatiza que a epilepsia é algo normal e faz comparação com quem tem hipertensão ou é vegano: "precisa de adaptação. É muito importante que entendam que determinados estilos de vida não servem para determinadas pessoas. É natural, não precisa mistificar".
VEJA TAMBÉM: Conheça mitos e verdades sobre a epilepsia
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Epilepsia é contagiosa
Mito. A epilepsia é uma doença neurológica e não contagiosa. Portanto, qualquer contato com alguém que tenha a doença, mesmo durante uma crise convulsiva, tendo contato com a saliva, não é prejudicial.
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Epilepsia é uma doença mental
Mito. Epilepsia é uma doença física, que afeta o funcionamento dos neurônios e não tem relação direta com as emoções. O abalo emocional pode ocorrer, mas é secundário, afirma a neurologista Vera Terra, presidente da Liga Brasileira de Epilepsia.
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Durante uma crise convulsiva, a pessoa pode engolir a língua
Mito. A língua não enrola e a pessoa não é capaz de engoli-la. Não se deve, em hipótese alguma, introduzir os dedos dentro da boca da pessoa que está tendo uma crise, pelo risco de lesões graves nos dedos, e tampouco introduzir objetos rígidos, pelo risco de lesões dentárias e gengivais graves.
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É possível ficar consciente durante uma crise de epilepsia
Verdade. A manifestação clínica da crise epiléptica relaciona-se com a área do cérebro de onde a crise é gerada. As crises epilépticas apresentam-se de diferentes maneiras: podem ser rápidas ou prolongadas; com ou sem alteração da consciência; com fenômeno motor, sensitivo ou sensorial; exclusivamente em vigília ou durante o sono.
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Estresse é fator desencadeador de crises de epilepsia
Verdade. O estresse é um dos fatores que pode deflagrar uma crise epiléptica. Abuso de álcool e drogas, dormir mal e traumas cerebrais podem desencadear a doença.
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Pessoas com epilepsia não podem ter filhos
Mito. Pessoas com epilepsia podem e devem ter uma vida normal e isso inclui ter filhos. No caso da mulher, o importante é ter acompanhamento médico durante a gestação.
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Epilepsia não tem cura
Mito. Existe a possibilidade de cura em alguns casos, por exemplo, se o paciente ficar muito tempo sem ter crises (mínimo de dois anos) e a medicação for descontinuada sem recorrências. A cura também pode vir por meio de um procedimento cirúrgico que retira a causa das crises no cérebro ou pelo próprio amadurecimento cerebral em alguns tipos de epilepsias infantis.
Foto: jill111/Pixabay
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