Envelhecendo com humor

Michael Kinsley está envelhecendo. O editor dentro dele, aquele que segura as rédeas de The New Republic, Harper's e Slate, se tivesse por algumas horas a chance de comandar The New Yorker, melhoraria a revista

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Por Timothy Egan
Atualização:
Desprezo a era em que as pessoas de minha geração agiam como se fossem as primeiras a ter filhos Foto: Pixabay

Dor nas costas. Memória fugindo. Não sabe mais cozinhar, mas, enfim, nunca soube. Construir iglus não é mais uma das suas diversões. A mente está brilhante, ágil como nunca, mas agora está condenado a... a que, mesmo? Ah, ele sofre do mal de Parkinson.

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Michael Kinsley está envelhecendo. O editor dentro dele, aquele que segura as rédeas de The New Republic, Harper's e Slate, se tivesse por algumas horas a chance de comandar The New Yorker, melhoraria a revista. É o que afirma em seus conselhos aos 74 milhões de baby boomers (nascidos no pós-2ª Guerra, entre 1946 e 1964) que estão entrando nos anos de viver menos perigosamente.   "Mas quando chega o momento do principal jogo boomer, o da longevidade competitiva, fico à margem, fazendo comentários secundários. "Sua doença crônica tem muitos sintomas da velhice, mas ele acredita que não acarrete mais probabilidades de levá-lo a uma morte prematura do que escorregar num sabonete. Por outro lado, essa doença o tem presenteado com uma "interessante antecipação do nosso futuro compartilhado".

Kinsley, que cunhou uma nova definição de gafe - "é quando um político fala a verdade" - e um dia descreveu Al Gore, então com 38 anos, como "a ideia que um velho faz de um jovem", está numa onda de prestar serviço público, com um livro sobre envelhecimento. "Às vezes sinto-me como um pioneiro de minha geração, enviado para experimentar em meus 50 (anos) o que mesmo os mais saudáveis boomers vão experimentar nos seus 60, 70 e 80 anos."

Abrindo o jogo: gosto de Kinsley. Poderia chamá-lo de amigo, mesmo que sua conhecida misantropia o impedisse de retornar o sentimento. Mas o fato é que abomino livros sobre baby boomers. Odeio essa coisa de yuppie. Desprezo a era em que as pessoas de minha geração agiam como se fossem as primeiras a ter filhos. E não suporto a fase dos velhos roqueiros reboladores e tomadores de Viagra. Não duvido que os boomers vão "reinventar" a velhice, porque é o que fazem com todas as idades. Mas, no caminho para a rabugice de Bernie Sanders, alguém poderia enfiar algum senso na cabeça dessa gente? 

Aí entra Kinsley. Aos 65, o Parkinson lhe deu uma amostra prematura do que é tropeçar, ter lapsos cognitivos, vislumbrar os limites que vão inevitavelmente definir o fim da vida. Ele não dirige mais. Num jantar de gala, uma mulher se ofereceu para cortar seu bife. 

Quando conheci Kinsley, em 1996, ele acabara de se mudar para Seattle para começar Slate, a revista online. Havia muitas razões para odiá-lo: formado em Harvard, acadêmico de Rhodes, editor de sucesso ainda jovem, apresentador do programa Crossfire da CNN, capa da Newsweek... 

Calculei que não ficaria seis meses. Certamente, morreria fora da biosfera de retórica vazia de Washington. Uma década depois, ele ainda estava em Seattle. Havia encontrado o amor verdadeiro, sua mulher, Patty Stonesifer - que se dedicou à filantropia e atividades públicas após uma carreira de sucesso na Microsoft. 

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Sempre pensei nele como um cérebro altamente evoluído habitando um corpo indefinido, um E.T. sagaz. Mas então ele aprendeu a acampar nas Cascade Mountains, a andar na neve, nadar no Lago Washington durante o inverno - e a construir um iglu. Tudo isso com Parkinson, de que soube ser portador aos 43 anos. 

Em seu livro Old Age - A Beginner's Guide (Velhice - um guia para iniciantes) ele propõe aos boomers que sejam altruístas, sugerindo como sua derradeira contribuição para o futuro o pagamento da dívida nacional, e antes de o último dessa geração completar 65 anos, em 2029. 

Boa tentativa. Nunca aconteceria. A contribuição de Kinsley para a onda de novos livros, espetáculos e antídotos milagrosos contra a velhice é a abordagem que faz dela. Onde outros se acovardariam, se lamentariam, chorariam, Kinsley faz piada. Como quando, após passar por uma cirurgia de nove horas no cérebro, disse aos amigos, numa demonstração de que seu raciocínio e ironia continuavam afiados: "É claro que, quando se diminuem os impostos, a arrecadação do governo sobe. Como não pensei nisso antes?" 

Parece fácil para ele dizer coisas assim, mas na verdade não é. Os remédios para o Parkinson o deixam livre de sintomas por horas, mas aí ele começa a ficar meio endurecido, como o Homem de Lata de O Mágico de Oz quando fica sem óleo. Ele também admite que nos últimos anos perdeu um pouco da acuidade mental. 

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Kinsley prevê que 28 milhões de boomers devem desenvolver Alzheimer ou alguma outra forma de demência - nada para se fazer piada. "A demência lembra uma derradeira parada, particularmente humilhante, na estrada da vida", escreveu. "Nela não cabem estilo ou dignidade."

Mas Kinsley sempre consegue uma sacada engraçada. Eu o vi esta semana diante uma grande plateia na prefeitura de Seattle. Estava em plena forma. Quando lhe perguntaram, no fim da noite, o que se poderia levar de seu livro ele parou, olhou com aquele seu olhar inquisidor de coruja e respondeu: "Muitos exemplares". 

Tradução de Roberto Muniz

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