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Entenda a polêmica do implante de chip com hormônio para fins estéticos

Prática é proibida pelo Conselho Federal de Medicina, mas técnica é aplicada clandestinamente

Por Marcel Hartmann
Atualização:
Entre os hormônios utilizados, estão testosterona, progesterona, hormônio do crescimento (GH), estrógeno, estradiol, melatonina, cortisol, entre outros. Na imagem, a estrutura molecular do estrógeno. Foto: healthmindandkat/Flickr Creative Commons

Aos 78 anos, o médico norte-americano Jeffry Life exibe abdôme sarado, peitoral definido e braços musculosos. Autor best-seller do New York Times, ele é um dos defensores mais famosos no mundo do implante do chip com hormônios para combater o envelhecimento. A técnica promete promover a perda de peso, aumentar o vigor físico e o tônus muscular, reduzir medidas, combater a TPM, melhorar a libido e acabar com acne e celulite. No entanto, a prática envolve uma gama de riscos - no Brasil, é proibida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). 

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A promessa de ter um bom corpo sem fazer grandes esforços ronda o imaginário de muita gente. Neste caso, teoricamente você não faz nada: basta desembolsar a partir de R$ 3 mil para implantar um tubinho de silicone do tamanho de um fósforo no braço, abdôme ou nádega e esperar que o aparelho large no organismo, ao longo dos meses, hormônios que farão a mágica no corpo. 

Também chamada de medicina anti-aging (antienvelhecimento, em inglês), a técnica é usada para fins estéticos e costuma seduzir muitas modelos - como é o caso de Ana Hickmann, Raica de Oliveira, Letícia Birkheuer e Thalyta Pugliesi, que exaltam os benefícios do chamado “chip da beleza” no site de um ginecologista famoso de São Paulo. Entre os hormônios utilizados, estão testosterona, progesterona, hormônio do crescimento (GH), estrógeno, estradiol, melatonina, cortisol, entre outros.

Especialistas consultados pelo E+, no entanto, alertam para os perigos da prática. “Vemos meninas de 16 anos na onda fit que querem colocar implante de hormônio masculino para ficarem definidas. É um uso indiscriminado para uma finalidade puramente de culto ao corpo estético, deixando de lado as complicações que isso pode trazer”, diz a endocrinologista Dolores Pardini, vice-presidente do departamento de Endocrinologia Feminina e Andrologia da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

A ciência sabe, hoje, que hormônios regem todas as funções do nosso organismo, passando por fome, saciedade, libido, ovulação, crescimento e até batimentos cardíacos. Além de comandarem essas questões, eles também interferem entre si: há hormônios que promovem ou bloqueiam a ação de outros. Toda esse entrecruzamento é regulado naturalmente pelo corpo - e colocar o dedo no meio, se não houver déficit de algum hormônio, é cilada. 

“O Dr. Jeffry Life, por exemplo, usa hormônio do crescimento para aumentar os músculos. Mas isso também aumenta o tamanho da próstata e do coração”, explica Dolores, ressaltando que, quando o chip é usado para fins estéticos, não há déficit de hormônio no corpo, então a técnica acaba interferindo na saúde do indivíduo. “Usar hormônio sem necessidade pode fazer o corpo parar de produzi-lo naturalmente”, alerta.

Prejuízos. O grande problema do implante do chip com hormônio para beleza é que faltam grandes estudos provando sua eficácia e segurança a longo prazo. Desde 2012, o Conselho Federal de Medicina proibiu a técnica - e o médico que aplica a prática pode ter a licença cassada. 

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Os possíveis prejuízos são inúmeros: desde o aumento de pelos e mudanças do timbre de voz até mais riscos no desenvolvimento de câncer e doenças cardiovasculares, como AVC. 

“O implante hormonal para fins estéticos pode causar maior risco de enfarte, AVC, trombose, embolia, câncer - sobretudo de mama, próstata e fígado -, além de doenças típicas do excesso de hormônio”, cita a geriatra Elisa Franco, membro da Câmara Técnica de Geriatria do Conselho Federal de Medicina que participou da elaboração do parecer que sustentou a decisão do CFM de proibir o chip com hormônio para fins estéticos

A testosterona, por exemplo, é comumente usada no chip da beleza para proporcionar mais músculos e vigor físico. Mas uma pesquisa publicada em fevereiro no conceituado Journal of the American Medical Association mostrou que a reposição hormonal de testosterona em homens com mais de 65 anos, com déficit natural do hormônio por conta da idade, esteve associada a um maior volume de placas nas artérias coronárias - o que predispõe para acidentes cardiovasculares. 

Já o hormônio do crescimento (GH) tem, entre seus efeitos, o poder de proporcionar mais ânimo e energia. Mas um estudo da Universidade de Ohio publicado no periódico da Sociedade de Endocrinologia dos Estados Unidos, em 2010, observou dois grupos de ratos: um era geneticamente modificado para produzir mais do GH e o outro produzia normalmente a substância. Ao fim, as cobaias que fabricavam mais GH morreram bem mais cedo, em vez de viverem mais.

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Ao E+, o Conselho Federal de Medicina emitiu uma nota na qual ressalta que o implante de chip com hormônios para fins estéticos é uma prática proibida pelo Conselho e que o método deve ser usado exclusivamente em caso de deficiência comprovada do hormônio - como pessoas com hipotireodismo, que tomam o hormônio TSH. Ou no caso de doenças para as quais o uso de hormônios ajude no tratamento - como corticoides, usados para doenças reumáticas e algumas alergias. 

Diz, ainda, que “a utilização de hormônios em pessoas que não apresentam deficiências hormonais está contraindicada, pois pode ser acompanhada por vários efeitos colaterais”. Por fim, o CFM afirma que “é vedado ao médico realizar atos não consagrados nos meios acadêmicos ou ainda não aceitos pela comunidade científica” e que “o paciente que se sentir prejudicado pode denunciar o caso ao Conselho Regional de Medicina (CRM) do Estado onde ocorreu o procedimento, que apurará os indícios de irregularidades. Em caso de condenação em processo ético-profissional, o médico acusado fica sujeito às penalidades previstas em lei”. 

Elisa Franco explica que, quando a comissão foi levantar estudos acerca da técnica ou do uso de hormônios, restaram pouquíssimas pesquisas relevantes, não o bastante para sustentar que a técnica é segura. “Não há evidências consistentes sobre os benefícios, e há muitos riscos. Nossa expectativa de vida cresce cada vez mais, mas não temos conhecimento dos efeitos dessa técnica a longo prazo, para daqui a 10, 15 ou 20 anos” diz Elisa. 

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A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) enviou uma nota ao E+, assinada pelos presidentes da entidade, na qual afirma que “a utilização de hormônios em pessoas que não apresentam deficiências hormonais está contraindicada” e que “pode ser acompanhada por vários efeitos colaterais”. 

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“Médicos e outros profissionais da saúde que utilizam hormônios no tratamento de pacientes sem deficiências hormonais e que geram efeitos adversos e complicações podem ser penalizados pelos conselhos profissionais pela má prática da medicina”, segue a nota, ressaltando que a SBEM não reconhece a modulação hormonal com finalidades estéticas. 

Nos Estados Unidos, meca da medicina anti-aging e onde o Dr. Jeffry Life atua, cada Estado tem autonomia para regular a questão - mas a maioria proíbe a prática. No fim das contas, para envelhecer de forma saudável, a fórmula você já conhece. “Tem que fazer atividade física e mental, ter uma boa dieta e uma boa relação interpessoal”, resume a geriatra Elisa Franco.

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