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Dietas que ignoram a fome

A questão é encontrar uma maneira de perder peso sem fome, de maneira que a perda de peso possa se prolongar por tempo indefinido

Por Gary Taubes
Atualização:
A história dos estudos de dietas (e populações humanas) sugere que a privação de calorias é insustentável Foto: Horrace/ Creative Commons

No final da Segunda Guerra Mundial, pesquisadores da universidade de Minnesota iniciaram um famoso experimento sobre a psicologia e fisiologia da inanição - portanto, da fome. Os indivíduos que participaram do experimento - 36 objetores de consciência (que por princípios religiosos ou políticos recusam-se a prestar o serviço militar), alguns esbeltos, outros não. Durante 24 semanas esses homens ingeriram menos de 1.600 calorias diárias com alimentos escolhidos de modo a retratar o que as pessoas sofriam nas áreas da Europa atingidas pela escassez de alimento: pão integral, batata, cereais e grandes quantidades de nabo e repolho, e uma porção "simbólica" de carne ou laticínio.

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Era o que nutricionistas hoje considerariam uma dieta de baixa caloria, praticamente sem gordura, com apenas 17% de calorias provenientes de gordura.

O que ocorreu com esses homens é uma lição sobre nossa capacidade para lidar com a privação calórica, e significa também uma lição no tocante a qualquer expectativa que possamos ter sobre dietas mais recentes para perda de peso, e talvez especialmente aquelas que começam com "comer menos" e "limitar o consumo de gordura".

Os homens perderam em média cerca de 113 gramas por semana durante 12 semanas, apesar da privação de alimento continuada. E esta não foi a única reação fisiológica. Suas extremidades incharam; o cabelo caiu; as feridas cicatrizavam lentamente. Eles sentiam frio constante; seu metabolismo ficou mais lento.

Mais preocupantes foram os efeitos psicológicos. Os homens ficaram deprimidos, letárgicos, irritadiços. Perderam sua libido. Pensavam obcecadamente em comida, dia e noite. Os pesquisadores chamaram isto de "neurose de semi-inanição". Quatro desenvolveram "neuroses de caráter". Dois tiveram um colapso nervoso, um com reações de "choro, desejos de suicídio e ameaças de violência". Foi enviado para a ala psiquiátrica. A "deterioração da personalidade" do outro "culminou em duas tentativas de automutilação". Ele quase arrancou a ponta de um dedo depois cortou três com um machado".

Encerrado o período de inanição imposta, os indivíduos tiveram permissão para voltar a se alimentar. De início só podiam ingerir mais calorias, mas em quantidade restrita. Um subgrupo sob contínua observação foi autorizado a comer até se fartar, o que foi, surpreendentemente, difícil. Os homens consumiram enormes quantidades de alimento, até 10 mil calorias por dia. Voltaram a ganhar peso e gordura rapidamente. Depois de 20 semanas de recuperação tinham em média 50% mais de gordura no corpo do que quando teve início o experimento. "Obesidade pós-inanição", disseram os pesquisadores.

A questão sobre como fazer dieta e perder peso voltou ao noticiário recentemente com a publicação de um estudo realizado por pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde. Eles confinaram os voluntários obesos que participaram do experimento (nove mulheres e dez homens) numa ala de um hospital e os submeteram a dietas de quase inanição, alimentando-os em média com 820 calorias a menos por dia do que necessitavam para manter seu peso. Eles consumiam em média 1.920 calorias por dia, mas uma dieta era composta de alimentos com 29% de carboidratos e 50% de gordura e a outra era composta de alimentos com 71% de carboidratos e somente 8% de gordura.

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Os indivíduos se submeteram a essas dietas durante seis dias.

Um membro do Instituto Nacional de Saúde elogiou o estudo, afirmando que ele ofereceu "evidências valiosas sobre como diferentes tipos de calorias afetam o metabolismo e a composição do corpo. Google News registrou mais de 200 visitas sobre o estudo nos primeiros três dias após a publicação. 

O que provocou tantas manchetes? O fato de os sujeitos da pesquisa perderem mais gordura limitando a gordura na dieta do que restringindo a mesma quantidade de calorias de carboidratos. "Cientistas solucionam (de certa maneira) o debate sobre dietas com baixo teor de carboidrato versus baixo teor de gordura", afirmou o The Washington Post.

Mas a dificuldade dos estudos sobre nutrição está sempre nos detalhes encerrados em frases como "de certa maneira". Se as evidências eram valiosas, como afirmou o Instituto Nacional de Saúde, isso depende de várias questões. A experiência de seis dias se aplica ao que ocorre durante meses, anos ou uma vida inteira? Não há muitas razões para pensarmos que sim. Os humanos conseguem sobreviver (e caso positivo, por quanto tempo) com base numa dieta de 8% de gordura? Para a FAO - Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, 15% é o limite mínimo. Além do que temos numa dieta com 30% de carboidratos suficientemente restrita para ser considerada um regime de pouco carboidrato - o Instituto Nacional de Saúde incluiu muffin de mirtilo no café da manhã, espaguete no almoço e wrap no jantar.

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Para aqueles que afirmam publicamente (como eu) que grãos e açúcares refinados provocam obesidade, a perda significativa de peso exige mudanças mais importantes na qualidade dos carboidratos consumidos (muito menos refinados) e na sua quantidade (menos de 20%, talvez menos de 10%).

Finalmente, e no que se refere à fome? Ao privar de calorias os sujeitos do experimento durante seis dias, os pesquisadores parecem ter tomado a decisão implícita de que a fome - a resposta biológica à privação de calorias - é irrelevante para o que seria uma dieta para perder peso. O fato de alguns indivíduos ficarem mais famintos em uma dieta do que na outra também não foi explicado.

A dieta de baixa caloria tinha uma quantidade muito menor de gordura (8%, em relação à outra que era 17%) e somente 350 calorias a mais por dia do que a dieta em que os pesquisadores de Minnesota levaram os seus objetores de consciência a neurose de caráter e colapsos nervosos. A dieta do Instituto tinha mais proteína, também. Mas a história dos estudos de dietas (e populações humanas) sugere que a privação de calorias é insustentável.

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O fato de os humanos ou qualquer outro organismo perderem peso se não se alimentarem suficientemente não é nada novo. A questão é encontrar uma maneira de perder peso sem fome, de maneira que a perda de peso possa se prolongar por tempo indefinido. Uma vantagem das dietas com restrição de carboidrato é que você sempre pode comer à saciedade; contar calorias é desnecessário desde que os carboidratos sejam evitados. 

Questões como estas sobre a relação entre calorias, macronutrientes e fome têm perseguido a pesquisa sobre obesidade desde o final da década de 40. Mas raramente foram solucionadas. Acreditamos tão absolutamente na lógica do comer menos, movimentar mais, que nós (pelos menos aqueles que são esbeltos) culparemos os obesos por não conseguirem fazer um regime com restrição de calorias, sem nunca nos perguntarmos se nós também conseguiríamos. Tenho um colega que passou toda a sua carreira de pesquisa estudando a fome. Pedir às pessoas para comerem menos, diz ele, é como pedir para respirarem menos. Parece lógico, desde que não se espere que elas aguentem muito tempo. 

Grande parte da pesquisa sobre obesidade no século passado concentrou-se em elucidar técnicas comportamentais que pudessem induzir o obeso a comer menos, tolerar mais a fome e então, seguindo esta lógica, perder peso. A epidemia da obesidade indica que elas fracassaram.

Para aqueles que acreditam que a fome de algum modo está na mente e não é uma resposta biológica forte a uma privação calórica, é tentador lhes desejar o destino que a deusa Ceres acordou ao rei Erisictão da Tessália, na mitologia grega. Ela "concebeu uma punição para despertar a piedade dos homens... Atormentá-lo com uma fome maligna". Ele, para saciar a fome, acabou perdendo seu castelo e reino para, no final, morrer devorando seu próprio corpo.

 

Tradução de Terezinha Martino

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