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Desidratação: riscos e mitos

A água é, de longe, a substância mais importante que consumimos; podemos sobreviver quase dois meses sem comida, mas morremos em sete dias sem água

Por Jane E. Brody
Atualização:

Verdade seja dita: não sigo os conselhos que dou e, quando sofro as consequências, aí redescubro por que os ofereci. Há tempos recomendo que se beba muita água, talvez um copo ou dois a cada refeição e mais um copo ou dois entre elas. Se não água pura, o que é melhor, então pelo menos café ou chá sem açúcar (não vale bebida alcoólica, nem refrigerante), que também funcionam.

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Jantei fora outro dia, após um dia mais ativo que de costume, que incluiu 8 km de caminhada, 40 minutos de nado e a visita a um museu que durou 1h30. Bebi só meio copo de água e não tomei nada com a refeição.

Achei estranho não precisar ir ao banheiro depois, nem mesmo ao chegar em casa, depois de um longo percurso, mas a verdade é que só prestei atenção nesse fato no dia seguinte quando, após uma noite de sono agitado, acordei exausta, mas fiz outra longa caminhada, nadei e fiz 6,5 km de bicicleta para chegar ao local onde tinha um compromisso. Cheguei com a boca seca, desesperada para tomar alguma coisa. Depois de matar a sede, me senti outra pessoa e não mais um balão de chumbo.

Parece que o meu problema foi uma desidratação leve e a experiência me fez examinar mais a fundo as necessidades de água do corpo humano de acordo com várias circunstâncias.

Embora milhões de norte-americanos carreguem garrafinhas para lá e para cá e empresas como a Coca e a Pepsi tenham que acreditar que a vida de todos pode ficar melhor com as bebidas que vendem, a verdade é que a desidratação grave não é comum entre pessoas saudáveis. Entretanto, há exceções, e elas incluem pessoas mais velhas como eu, atletas que participam de eventos extremamente desgastantes como maratonas, e bebês e crianças com diarreia aguda.

Vamos começar com alguns fatos: a água é, de longe, a substância mais importante que consumimos. Você consegue sobreviver quase dois meses sem comida, mas morre em sete dias sem água. Ela corresponde a 75% do peso de uma criança pequena e 55% do de uma pessoa mais velha.

As células humanas simplesmente não funcionam sem água e o corpo humano desenvolveu um sistema complexo e bem azeitado para garantir a quantidade do líquido necessária sob uma série de condições. Na maioria dos casos, a sede é um sinal infalível de que o organismo precisa de mais água. Uma das principais funções dos rins é eliminá-la em quantidade suficiente para manter as células adequadamente hidratadas. Entretanto, ao contrário do que se acredita, uma urina mais escura não significa necessariamente que você esteja desidratado; afinal, a cor do xixi é alterada por alimentos como aspargo, groselha e beterraba.

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Outro mito popular: para hidratar a pele, evitar rugas e manter uma compleição radiante, é preciso beber oito copos por dia. Consumir mais água não melhora a pele de quem já está bem hidratado; melhor usar um bom hidratante para evitar o ressecamento.

A boa hidratação certamente protege contra pedras nos rins e há provas de que evite a constipação e a asma induzida por exercícios. Também ajuda a evitar doenças vasculares, como AVCs, taquicardia e queda súbita na pressão arterial, além de ser especialmente importante para os diabéticos.

"Apesar da importância vital da substância, há relativamente poucos estudos bons sobre o volume adequado, quem deve consumi-lo e sob quais circunstâncias", constata Barry M. Popkin, professor de Nutrição da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. "Não compreendemos a fundo como a hidratação afeta a saúde e o bem-estar, nem mesmo o impacto do consumo nas doenças crônicas", ele e um grupo de colegas escreveram na Nutrition Reviews.

"Praticamente toda a verba para as pesquisas sobre água são fornecidas pelo próprio setor", prossegue ele, referindo-se às empresas que vendem todos os tipos de bebidas, inclusive água mineral. "E a maioria é especificamente relativa a um determinado órgão, feita por gente que estuda os rins ou os pulmões, por exemplo. O sistema integral do organismo ainda não foi estudado a fundo."

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Não há diretrizes formais sobre a quantidade de água diária que a pessoa deve ingerir; esse volume é afetado pelo que a pessoa come, seu peso, nível de atividade física e até o ambiente em que vive.

O Instituto de Medicina, que divulga recomendações sobre as quantidades de nutrientes de que necessitamos, afirma que a "ingestão adequada" varia de 700 mililitros/dia para recém-nascidos a 3,8 litros para lactantes. Mesmo assim, a instituição conclui que "o indivíduo pode estar hidratado a níveis inferiores e/ou superiores aos das recomendações fornecidas".

Além disso, também esclarece que todos os tipos de líquidos contribuem com a necessidade total de cada pessoa, incluindo bebidas como chá, café, sucos e refrigerantes e aquela contida em alimentos como frutas, verduras, sopas e até carnes. De fato, a instituição estima que o volume de água na comida corresponda a até vinte por cento da média do consumo típico.

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Entretanto, mesmo incluindo sucos e refrigerantes como fontes de hidratação, essas opções se tornaram um sério problema nutricional nas últimas décadas pelo excesso de açúcar que contêm. Popkin e seus colegas afirmam que praticamente todo o aumento no consumo de líquidos nos Estados Unidos - de 2,3 litros/dia, em 1989, a quase 3 litros em 2002, vem de escolhas calóricas. E os estudos mostram que aqueles que ingerem essas calorias extras não tentam compensar consumindo menos nos alimentos, o que contribuiu, e muito, para o engrossamento da cintura do norte-americano.

Certamente é importante que os atletas bebam muita água, especialmente quando praticarem níveis altos de atividade física que, combinada com o calor e a umidade, resulte em suor excessivo. Porém, o excesso de hidratação também apresenta riscos: já houve casos de maratonistas e outros esportistas morrerem depois de consumirem mais água que os rins podiam processar adequadamente, levando ao inchaço das células a níveis perigosamente baixos de sódio e outros eletrólitos na corrente sanguínea.

Por outro lado, a hidratação inadequada pode ter efeitos debilitantes. Segundo os estudos de Lawrence B. Armstrong e seus colegas do Laboratório de Desempenho Humano da Universidade de Connecticut, a desidratação afeta a atenção, a concentração, o tempo de reação, o aprendizado, a memória, o humor e o raciocínio, além de causar dores de cabeça, fadiga e ansiedade.

Os adultos mais velhos, principalmente os da terceira idade, estão entre os grupos de maior risco de falta de hidratação. O mecanismo da sede vai se tornando cada vez menos eficaz com o tempo e muitos idosos reduzem o volume de água que consomem para limitar as idas ao banheiro.

"Há um problema muito grande com os idosos porque eles caem no meio da noite e fraturam ossos quando se levantam para ir ao banheiro. Muitos nem bebem água porque têm medo das quedas, mas o que acontece é que acabam morrendo em consequência dos efeitos da desidratação", conclui Popkin.

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