Primeiro, aleguei que seria ruim para nossas bebês, pelo desconforto, por causa do barulho. Depois, disse que seria melhor procurar um local mais reservado porque algumas pessoas poderiam se incomodar com a cena. Mas, no fundo, a questão era comigo mesmo: ver minha mulher amamentando minhas filhas em público me incomodava.
Lembrei dessa minha passagem, já ultrapassada, nesta semana depois de ler a notícia sobre uma mulher de 21 anos, mãe de primeira viagem, que foi proibida por seguranças de amamentar seu bebê enquanto esperava o ônibus em um terminal em Santo André, na Grande São Paulo. Segundo ela, os caras alegaram que aquilo (colocar o peito pra fora para alimentar o filho) era atentado violento ao pudor.
O caso, mais um entre tantos outros que ocorrem diariamente mundo afora, repercutiu rapidamente. A moça constrangida recebeu apoio na internet e mães lactantes de vários cantos organizaram um mamaço no mesmo local em defesa da amamentação em público, um direito garantido por lei em São Paulo.
Eu estava 'carregando a tinta' para escrever um texto reprovando a conduta desumana dos seguranças que expulsaram a mãe com o bebê do terminal (ela foi obrigada a embarcar num ônibus sem amamentar a cria). Mas daí lembrei que nos primórdios da minha paternidade fui eu o censor da amamentação em público da minha mulher, uma espécie de fiscal do peito alheio.
Não se trata de relativizar a atitude condenável dos guardas do terminal. Pelo contrário. Acho que minha maior contribuição nesse tema enquanto pai é mostrar que esse tipo de resistência infantil ao aleitamento da cria em público pode estar acontecendo na sua casa, ou melhor, com a sua família na rua. Uma ignorância praticada por homo sapiens que sabem da importância da amamentação para o desenvolvimento do bebê e que apoiam suas companheiras nessa difícil missão materna quase que incondicionalmente. Quase porque na rua...
Bem, como eu quatro anos atrás, você também pode estar, sem querer, coagindo sua companheira a não alimentar seu filho só porque você não quer que outros homens vejam aquilo que no seu imaginário é um 'privilégio' exclusivamente seu: os seios dela.
Hoje, depois que minhas filhas mamaram livre demanda por dois anos e com um terceiro filho ainda lactente, tenho profunda vergonha desse meu passado, mas acho importante expô-lo aqui neste momento para mostrar como às vezes conseguimos ser tão ridículos e perversos com pequenos gestos que só reforçam uma cultura opressora sobre a mulher.
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Era nossa primeira viagem para a praia desde o nascimento da Clara e da Olívia. Voltávamos de um passeio pelo calçadão empurrando nossas filhas no carrinho quando as duas começaram a chorar de fome. Tinham cinco meses se vida. Fernanda (essa mulher incrível da foto) pegou uma no colo e pediu para eu ajudar com a outra para ela poder amamentar a duplinha ao mesmo tempo no banco do calçadão, por onde passavam naquele momento inúmeras pessoas com todo tipo de traje para um lado e para outro.
Curiosos olhavam a cena (e basta você sair de casa com gêmeos para se sentir a girafa do zoológico) e aquela situação começou a me incomodar.
"Amor, vamos pra casa e você amamenta as meninas lá", sugeri.
Ela ficou furiosa.
Disse que não aguentava mais o meu pudor em vê-la amamentando em público, lembrou que as meninas mamavam de hora em hora sem parar e que desse jeito (o meu jeito) ela teria de ficar enclausurada em casa até o desmame das pequenas.
Durou segundos para eu me sentir um idiota. Aquele desabafo dela me fez ver o quão mesquinho e egoísta eu estava sendo num momento tão desafiador da maternidade, quando praticamente tudo e todos jogam contra o aleitamento materno. E eu, que devia estar ao lado dela nesse ato de resistência, resistia mergulhado numa masculinidade rasa, porém profundamente tóxica.
Lembrei das vezes em que eu cobri o peito dela com um paninho durante a amamentação como se fosse para proteger mãe e filha, mas no fundo queria zelar por aquilo que no meu inconsciente considerava um patrimônio meu, um direito privado vedado ao público.
Pedi mil desculpas a Fernanda e aos poucos fui me livrando desse pré-conceito que me aprisionava num mundinho tão imaturo e incoerente com a paternidade real. O corpo dela sempre foi dela e não é preciso revisar as aulas de anatomia humana para entender qual a função natural e elementar do seio materno. Se você ainda nutre algum pudor em relação à amamentação externa da sua companheira repense com todo amor paterno que dispõe. Homens de peito, uni-vos nessa luta.