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Ser mãe é padecer na internet

Opinião|Tudo o que você queria saber sobre alimentação infantil, mas não tinha para quem perguntar

Cuidados alimentares nos primeiros mil dias do bebê são essenciais para a saúde

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Foto do author Rita Lisauskas
Atualização:

 Foto: Pixabay

Um dos grandes desafios dos primeiros anos dos nossos filhos é com a alimentação, que começa a ser oferecida juntamente com o leite a partir do sexto mês de vida. 'Será que meu filho vai comer bem ou vai ser seletivo?', nos questionamos. Faz nem tanto tempo assim que as primeiras refeições eram batidas no liquidificador, para serem oferecidas na consistência de papinha, algo que já mudou, sabia? Também era comum oferecer o suco na mesma refeição em que a fruta reinava como sobremesa, também amassadinha, outra mudança aqui. 'Deixar a criança comer com a mão? Nem pensar, faz muita sujeira e eles não comem nada direito', dizíamos, mas os nutricionistas de hoje defendem que a gente aposte na autonomia dos nossos filhos. O mundo mudou e a forma de encarar a alimentação infantil também, explicam as irmãs Gabriela e Camila Kirmayr, da consultoria 'Coisa de Nutri'.

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A dupla ajuda escolas e famílias a entenderem a importância de a alimentação saudável desde os primeiros dias do bebê e defende que as crianças participem dessa conversa, para que entendam desde pequenas que há escolhas alimentares que são melhores que as outras. "A gente explica o alimento integral usando um bonequinho de biscuit que é um grão de arroz vestido com roupinhas, que são seus nutrientes. Aí contamos que o arroz fica branco porque ele entra em uma máquina e sai sem a roupa, perde os nutrientes, que é o mais importante para o nosso corpo. Essa é a linguagem deles, tudo funciona à base de brincadeira, de história, é muito mais fácil de entender dessa forma", completa. As irmãs conversaram com o blog sobre as mudanças em voga na introdução alimentar, a importância de se cuidar da alimentação nos primeiros mil dias desse bebê, os perigos dos industrializados, como fazer uma lancheira saudável e o aumento de peso das crianças na pandemia. "Elas ganharam em média 6 quilos", contam.

Blog: As crianças estão mais propensas a aderir a uma alimentação mais saudável quando têm acesso a informação?

Coisa de Nutri: Sim, eles aprendem mais quando não 'vem de cima', quando não é a imposição de alguém. O mais importante, além da conscientização dessas crianças e das famílias, é que elas possam participar do processo. Fazer os combinados, entender as dificuldades, conversar com a criança, 'não está dando pra ser assim? Como é que você sugere fazer?' É deixar a criança falar, deixar a criança ter ideias de como fazer, até onde ela consegue ir, 'como que a gente consegue então tirar isso aqui e substituir por isso?' Quando a criança participa é outra força que ganha o processo, ela fica entende o porquê e segue.

E também é muito importante é que isso comece desde cedo. Então eu acho que um dos principais trabalhos que a gente tem feito é cuidar do começo, que é fazer uma introdução alimentar bem feita. Esse período vai dos seis meses até os dois anos de idade e você não precisa lotar aquele neném de comida, é mais importante você respeitar, entender os limites. E esse trabalho que a gente faz nesse começo da infância determina muito do que vai ser aquela criança. E não é uma coisa radical não, é só estar dentro do caminho, aprender, porque geralmente quando a criança tem oito, nove, dez anos e já comeu muito açúcar, já criou hábitos também nocivos, é um pouquinho mais difícil de reverter. É possível, mas é mais difícil. Então o ideal é que os pais comecem já num caminho mais equilibrado, vamos dizer assim.

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Blog: Pra não ter que dar esse cavalo de pau ali quando a criança já tá super acostumada, quando já começou a ter problemas nos exames, como colesterol alto, vocês já devem ter visto crianças assim.

Coisa de Nutri: Muito, é uma loucura. Criança com colesterol, triglicérides altos, diabetes. Então assim, é quando esse 'cavalo de pau' realmente precisa ser dado.

As irmãs Camila e Gabriela Kirmayr do 'Coisa de Nutri' Foto: Estadão

Blog: A gente ouve falar desses primeiros dias do bebê. Qual a importância desse processo de alimentação saudável começar nesse período?

Coisa de Nutri: Vamos tentar entender primeiro quais são esses mil dias. Quando a criança é gerada na barriga da mãe já se começam a contar esses mil dias: são os 270 dias da gestação, mais 365 dias do primeiro ano e até completar dois anos são mais 365 dias. E essa é uma fase decisiva para vida de saúde dessa criança e isso muitos pais não sabem, isso é uma informação relativamente nova, mas extremamente importante para todo o desenvolvimento da criança. Tudo o que essa mãe vai escolher de alimentos precisa ser bem cuidado para o que seja passado para esse bebê seja de boa qualidade. . Essa é uma fase em que o bebê se desenvolve fisicamente, mentalmente, uma fase de crescimento, desenvolvimento da parte imunológica, do metabolismo, tudo é formado nessa fase, a parte de microbiota intestinal. Olha quanta coisa, essa é uma janela de oportunidades para você 'moldar' aquela criança naquele primeiro momento. Por isso, até os dois anos de idade, por exemplo, é indicado não dar açúcar para essa criança para protegê-la de ficar viciada nesse alimento, que é super viciante.

Blog: E os 6 primeiros meses são amamentação exclusiva, né?

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Coisa de Nutri: É isso. Contando os primeiros mil dias temos a gestação, quando o bebê nasce temos os seis meses de amamentação - e o leite materno garante seis meses de uma alimentação ideal - e a partir disso começa a introdução alimentar, e aqui o quanto mais variados os alimentos oferecidos, melhor.

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A introdução alimentar está muito moderna, muito diferente, existem formas e formas diferentes de oferecer alimentos para que a criança realmente entenda a diferença entre eles, suas texturas, desde pequenininho. Hoje em dia não se dá mais papinha pro bebê, se dá um prato montado, assim como o prato de um adulto, mas com as texturas corretas. Então vai desde uma textura mais amassada e vai desamassando aos poucos até completar um ano de idade. A partir de um ano é a mesma alimentação da família - e se a família não comia muito bem tem que passar a comer. Quando essa criança completa dois anos se encerram esses primeiros mil dias, e aí essa primeira e importante fase está bem cuidada.

Blog: Eu vejo muitas vezes as famílias querendo antecipar essa introdução alimentar para antes dos seis meses, 'ah, não está mamando direito, vou dar logo a comida'. Esse período pode ser antecipado?

Coisa de Nutri:  A introdução alimentar tem a data certa pra começar: é aos seis meses exatamente, antes disso não. Existem os sinais de prontidão, que é quando o bebê mostra que está pronto fisicamente para começar essa alimentação, porque ele tem que estar sentando, com a coluna ereta, se interessando pelos alimentos dos adultos, que é um ponto importante também. É o bebê que determina quando ele está pronto e às vezes demora um pouco mais, às vezes demora mais umas duas semanas (depois dos seis meses) para isso acontecer, três semanas, e tudo bem, dá para esperar, porque até um ano de idade o leite é mais importante do que o alimento, o alimento entra como um complemento, mas o leite ainda é a base.

Blog: E como é que eu faço pra apresentar esses alimentos para o meu filho? É tudo muito novo e eu tenho ali um mundo de coisas pra apresentar, a proteína, o carboidrato, as verduras, os legumes, as frutas. Como é que a gente escalona essa apresentação desses alimentos?

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Coisa de Nutri: Para o bebê é tudo muito gradativo. Como a gente não tem pressa que ele coma tudo, porque na verdade sesse período dos seis meses até um ano de idade e trata ainda de um aprendizado, a gente vai por partes. No primeiro mês o bebê vai ter que entender o que fazer com o alimento sólido na boca: ele fica com aquele alimento na boca, põe pra fora, por isso que não tem que ter expectativa, 'ah, será que o meu bebê vai comer super bem logo de cara?' Não.

Primeiro entra a fruta, então são algumas semanas só de fruta no período da manhã, substituindo uma das mamadas, e aí depois começa a entrar os alimentos mais salgados, apesar de não ter sal a gente chama de alimento salgado. Então entram os vegetais e aos poucos a gente vai introduzindo a proteína, que é a carninha, e depois de alguns dias entra um prato pronto. Então até sete meses mais ou menos fica a fruta de manhã, fruta de tarde e o almoço, sempre substituindo mamadas. E aí, depois de sete meses a gente entende que o bebê está comendo engajado já, entendeu o que fazer com aquele alimento na boca, e aí entra o jantar, que na verdade é muito parecido com o almoço. Aí já introduzimos tudo e é só brincar de variedades e texturas. Também existem maneiras de oferecer hoje em dia, que é o BLW, que são alimentos inteiros na mão do bebê e a gente sugere também se dê alguns alimentos assim para o bebê explorar, é super interessante o bebê segurar, brincar, coisa que antigamente nem se pensava.

Imagem: Pexels Foto: Estadão

Blog: Camila e quando é que eu decreto que o meu filho não gostou de uma coisa? Por exemplo, eu dei pra ele um pedacinho de brócolis, ele pegou com a mão, colocou na boca, fez careta. Isso significa que ele não gostou ou eu tenho que insistir? E se eu tiver que insistir, quantas vezes eu tenho que insistir?

Coisa de Nutri: Nessa fase a gente nunca vai achar que eles gostaram ou não gostaram, porque entre seis meses e um ano é a fase que o ser humano está mais aberto para as experimentações na vida, para eles é tudo novidade. Vai ter dia que o bebê não vai estar perfeitamente bem de saúde, então, poxa, será que é nesse dia que eu ofereci os brócolis e de repente ele fez uma careta, não gostou, ou não aceitou? Eu vou voltar com esses brócolis daqui alguns dias de novo, isso com qualquer alimento, a gente tem que voltar a oferecer. A cara do bebê não vai dizer nada pra gente nessa fase.

E a parte de saciedade é importante a gente falar, que é o seguinte: os bebês nascem com autorregulação, que é a saciedade ou fome. Começa desde a amamentação, quando o bebê não quer mais sai do peito ou vira o rosto pra mamadeira. Então ele já tá dizendo que não quer mais porque a barriguinha encheu e isso também demorou para ele aprender, muitas vezes ele regurgitou, colocou o leite pra fora. A mesma coisa com os alimentos, então o bebê quando não quer mais ele mostra, dá sinais de saciedade que têm que ser respeitados. Eu acho que essa é a informação mais importante, se a saciedade desse bebê for respeitada durante a infância os pais nunca vão ter uma criança obesa ou uma criança desnutrida. Esse respeito às vezes acaba não existindo, porque a nossa intenção é alimentar a criança, a gente quer que eles 'raspem o prato'. E quem define quanto se põe no prato geralmente somos nós e não o bebê, então o bebê precisa realmente ser respeitado nessa questão. Comer demais sem ter vontade cria muitos traumas, além de problemas físicos, pode levar à obesidade.

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Blog: Como a gente educa o paladar dos mais novinhos que são mais seletivos? Como é que a gente faz essa abordagem respeitando a criança?

Coisa de Nutri: Quando a criança faz 2 anos ela entra naquela fase conhecida como 'a adolescência do bebê', o terrible two. A criança passa a querer pertencer, ela muda o vocabulário, 'é assim, eu quero, eu não vou, eu posso, é meu', você começa a perceber que ela tem uma outra relação com a vida, porque ela quer participar, quer mostrar que ela existe de uma certa forma.

Os pais precisam estar conscientes disso para não achar que é birra, precisa sim ter bastante paciência. O que é muito comum é as crianças levarem isso pra alimentação, é nessa fase que eles começam a ficar seletivos, o que mais gostavam não gostam mais, 'não gosto mais disso, não gosto mais daquilo, não tomo mais o leite assim'. E aí, o que é que acontece? Instintivamente, os pais se preocupam muito com a parte da alimentação porque é totalmente relacionado com saúde. Então, por exemplo, se aquela criança que gostava de vestir uma roupa não gosta mais, 'não quero mais', o pai está tranquilo. Agora, quando acontece com um determinado alimento, os pais realmente fazem qualquer negócio e aí que começa a dar força para o alimento virar território de manipulação. 'Ah, mas se você comer o brócolis que você comia eu te dou um chocolate.' 'Ah, e se eu colocar o Ipad, você come?' Sabe assim? Aí começa a chantagem, aí começam as trocas, aí, o que é que a criança faz? Fala, 'opa, aqui eu mando, aqui eu tenho um poder de persuasão bom porque meus pais estão ficando nervosos com isso'. A criança começa realmente a dominar aquela situação e exige de comer só o macarrão, de comer só o arroz, não querer mais uma fruta e tudo mais.

Existem situações em que a criança realmente a criança pode ter um problema, uma alergia ou pode ter alguma questão um pouco mais profunda, tipo alguma coisa sensorial. Então o que é que a gente recomenda? Primeiro isso precisa ser descartado. Depois os pais precisam apenas conduzir aquilo e não piorar, saber que pode ser uma fase. E como que se conduz isso da melhor forma? Primeiro sendo o exemplo, essa é a melhor coisa sempre, os pais dando o exemplo de uma boa alimentação. Depois não substituir, estar ali perto nas refeições, usar o lúdico. O lúdico é muito bom, é muito importante, estar com a criança na mesa, brincar também, ler história sempre dentro do universo do alimento. O que é que acontece geralmente? Aquela criança sai da mesa andando o pai vai atrás com a colher. Então é tentar manter um ambiente gostoso na mesa, falar de coisas gostosas na mesa, agradáveis, para criança ter boas memórias afetivas. Também aproximar os alimentos fora da mesa, levar a criança para cozinhar alguma coisa, alimentos de brincadeira, massinha, brincar de mini cozinha, para que o alimento seja visto também de uma outra forma pela criança, não só aquele prato que ela tem que comer, mas como alguma coisa que ela também possa brincar. Então é trazer a criança pelas beiradas, vamos dizer.

Imagens Pexels Foto: Estadão

Blog: Então pode ser que ela volte a comer aquilo que naquele período ela não quis mais? Eu continuo oferecendo, continuo comendo pra dar o exemplo, e espero esse momento de oferecer novamente?

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Coisa de Nutri: O importante é sempre oferecer, ter na mesa, se ela não quer que coloque no prato, 'ai não, não pode pôr no prato', tem que ter à mesa, a criança tem que ver. Por que o que é que acontece? Muitas vezes as famílias falam assim, 'ah, não come mesmo, vou dar macarrão'. E aquilo vira um hábito. Então o papel da família é oferecer, muitas vezes mudar a forma de oferecer, mudar a roupagem daquilo. Então assim, tentar identificar se a criança gosta mais de crocância, de cremosidade, e trazer aquele alimento que ela parou de gostar dentro de um outro, como aproximação gradativa, por exemplo. Ah, a criança gosta de ovo? Então traz aquele brócolis para dentro do ovo, faz uma omeletinha, um muffin divertido, coloca umas carinhas, tente aproximar de outras formas, com outras roupagens.

Blog: E sem chantagear e sem negociar, né?

Coisa de Nutri: Sem chantagear e sem negociar. Eu sei que é difícil falar, eu sei, porque eu também tenho filho em casa, eu sei como é, mas é dessa forma. Às vezes, por exemplo, a mãe até põe o filho para comer na escola para ver outras crianças comendo. É uma boa, pode ser um ótimo caminho, mas pode também não ser, porque vão ter outras crianças que também vão ser da 'turma do eca'. Eca! Aí ninguém come. Então é saber conduzir, tem que ter uma inteligência emocional muito grande, uma paciência, e é isso que você falou, não deixar de oferecer, não simplesmente tirar daquilo e concluir que aquela criança não gosta mais.

Blog: Queria falar dos produtos industrializados. Eles são extremamente saborosos, fáceis, cabem na lancheira, a gente compra pronto, não precisa fazer, ou seja, tem todo um apelo para que os pais incorporem esses alimentos na vida da família. Mas a gente sabe que eles não são a melhor opção, a gente sabe que comer só industrializado não faz bem, nem sempre é possível a gente abolir da nossa vida porque a maioria das pessoas tem uma vida muito corrida. Como é que a gente pode fazer essas trocas inteligentes no dia a dia?

Coisa de Nutri: A reposta a essa pergunta vale um milhão de dólares, porque realmente assim, é uma questão muito corriqueira, muito corriqueira. Os alimentos industrializados geralmente têm sal, gordura e açúcar, que são os três vilões, porque eles são muito gostosos, muito viciantes e as crianças adoram mesmo. E além disso tem toda a persuasão que é feita através das embalagens, a praticidade que traz para as famílias que não têm tempo, que precisa montar ali uma lancheira rápida e tal, então assim, o produto industrializado entrega tudo: praticidade, persuasão, as crianças adoram, está tudo resolvido. O problema é que só industrializado realmente traz muito danos para a vida daquela criança.

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Então, qual que é a nossa recomendação? Hoje em dia muitas marcas, muitas mesmo, já estão lançando produtos de melhor qualidade. Existe essa preocupação mundial em relação à obesidade e tudo mais, então as marcas que já existiam estão sim melhorando os seus produtos de certa forma, muitas marcas novas lançando produtos que a gente chama de 'industrializados do bem'. Então eles têm açúcar de melhor qualidade, ao invés de ser um açúcar refinado é um açúcar demerara, um óleo de palma ou um óleo de coco, o corante que vem da própria fruta ao invés de ser um corante artificial. Então existem, sim, opções de industrializados melhores, não estou falando que é só pra comprá-los, mas o que é que cabe às famílias? Aprender a ler rótulo. Porque a gente não tem tempo. Então você vê no supermercado um pacotinho escrito assim, 'vitaminas, fibras', você fala, 'oba!'. E na verdade precisar ler. E aí, como que eu vou fazer essa leitura? Não pode ter muito ingrediente, tem que ter menos ingredientes, procurar entender o que tem, se tem farinha integral, açúcar de melhor qualidade, ler a tabela nutricional para ver se tem gordura, se não tem. Sabe, no começo pode ser meio complicado, mas depois que você aprende aí você vai entender, você vai fazer compras melhores daqueles industrializados.

Imagem: Pexels Foto: Estadão

Blog: Mas esses rótulos eles falam a verdade? Eles são fáceis de decifrar?

Coisa de Nutri: Eles são obrigados a falar a verdade atrás, o que é bom pra gente. Hoje em dia existem aplicativos e tem um que chama Desrotulando que você baixa no seu celular e faz a leitura do código de barras daquele produto e vem tudo: o que tem de bom, o que tem de ruim, dá nota, são as facilidades e modernidades do nosso dia a dia.

Blog: E esse aplicativo não é feito pela indústria?

Coisa de Nutri: Não. E ele é feito justamente para atender essa necessidade, não só das mães, mas de todo mundo, da população em geral, entender o que é que tem dentro daquele produto, se é bom, se é ruim, o que é que tem. Então qual que é o caminho? Tentar entender melhor essa compra, o que oferecem esses produtos e tentar de certa forma fazer substituições espertas como, por exemplo, pipoca. Você não precisa comprar pipoca de micro-ondas, você pode fazer pipoca em casa, fazer uma pipoca saudável. Não é o fim do mundo, dá pra fazer, é só se propor a isso, ter uma pipoqueira ou ter um potinho que você leva no micro-ondas. Outro exemplo, uma bisnaguinha pode ser comprada em uma padaria, sabe?

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Outra coisa que é bacana é você tentar se planejar e tentar fazer alguma coisinha em casa. Não estou falando assim que, ai, vamos fazer o pão em casa, não é fácil, não é todo mundo que tem habilidade nem tempo, mas assim, pão de queijo você pode fazer um pouquinho e congelar, polvilho você pode fazer e congelar, mini bolinhos também, pode fazer unitário e congelar. Então dá para ter alguma coisinha também gostosa de forma prática em casa, basta se planejar, saber fazer. E aí assim, claro, a pessoa não precisa mudar totalmente a rotina, mas colocar algumas pitadas de preparos fáceis que também tragam essa coisa de não comer só o industrializado, de também ter a possibilidade de comer algumas coisinhas feitas em casa e tudo mais.

Blog: E nas lancheiras?

Coisa de Nutri: Esse assunto é muito requisitado pelos pais porque ainda gera muita dúvida de como montar de uma maneira equilibrada, de uma maneira prática. O lanche é uma refeição pequena, não é uma grande refeição como é o almoço e o jantar, mas os lanches são refeições que são muito importantes, geralmente eles não podem ser vistos como 'um belisco' só, eles têm uma composição que precisa ser seguida, normalmente um alimento e cada um dos três principais grupos, a proteína, o carboidrato e a fruta. Então a partir do momento que você sabe que tem que ter esses grupos dentro de uma preparação de lanche, você já tem uma base. Então o que é que pode ser uma proteína? Pode ser o recheio de um pãozinho, pode ser um queijo, um iogurte, um leite, um ovinho, um franguinho desfiado, alguma coisa que seja proteica. O carboidrato geralmente é o pão, uma torradinha, uma pipoca, um cereal. E a fruta é sempre melhor que o suco, a fruta e o suco na mesma lancheira não precisa, a gente estaria duplicando o mesmo alimento, sendo que a fruta sempre é melhor, porque ela mantém as fibras. Às vezes são necessárias muitas frutas para virar um suco, então a gente já tá errando aí. Tendo um alimento de cada grupo nessa composição você já está com a composição equilibrada.

Blog: O que é que as crianças bebem se a gente mandar a fruta e não mandar o suco?

Coisa de Nutri: Água. Olha que maravilha.

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Blog: E que polêmico também.

Coisa de Nutri: O suco é a fruta com água. Então você pode oferecer a água separadamente porque a criança pode ter uma certa sede nessa hora, então ela pode beber. A água de coco às vezes a gente recomenda que possa ir no lugar, daí não é um problema, pode mandar para variar também. Pode ser a água de coco natural, que se ela é comprada no dia, um dia antes, ela fica fresquinha. E se for mandar o suco, existe uma forma que a gente sempre recomenda que é legal, que é congelar o suco natural -  existem hoje em dia umas forminhas de gelo que são palitinhos compridos, como formatos de palitinhos, você coloca dentro de uma e manda na lancheira e aí na hora que a criança vai tomar ela só chacoalha, porque ele já vai estar descongelado num ponto bom, vai estar geladinho.

Blog: O que poucos pais sabem é que o néctar, que é vendido nos supermercados, não é suco.

Coisa de Nutri: O néctar não é suco, o néctar é um veneno, é uma das opções ruins de industrializado e hoje em dia as empresas precisam ser o mais claras possíveis no rótulo, mesmo assim ainda vem uma confusão, os pais ainda não entendem o que é polpa, o que é néctar. Então tem que fugir do que é néctar.Em primeiro lugar ele é artificial, é algo imitando o sabor dessa fruta. O ideal também seria procurar, se for um industrializado, um suco com a palavra integral. Por exemplo: suco de uva integral, suco de laranja integral, porque isso indica que está sendo vendido um suco verdadeiro ali, é uma maneira de você entender que ele é um suco de verdade.

Geralmente a questão do preço também é um bom critério pra você ver se é bom ou não. Suco de pó geralmente custa um real o pacotinho, 1,50. Um néctar de um litro está na faixa de 5 reais e o suco bom a partir de 10 reais. A diferença é gritante, porque é qualidade mesmo, né. É qualidade.

Blog: Como ficou a alimentação das crianças na pandemia? O que é que você viu e ouviu das escolas e das mães e dos pais em relação aos filhos nesse mais de um ano que eles ficaram sem escola, sem ir ao parque, sem brincar junto com outras crianças, muitas vezes sem atividade física e dentro de casa, ansioso, comendo, e muitas vezes comendo coisa não saudável. Qual que foi o resultado disso?

Coisa de Nutri: Na verdade esse foi um fenômeno mundial. A rotina das crianças foi quebrada de um dia pro outro, sem nenhum planejamento, e isso causou uma grande ansiedade para os pais, que também ficaram em casa, que foi passada para os filhos de alguma maneira, não teve como eles não perceberem essa preocupação tão grande. E dentro dessa quebra de rotina as crianças ficaram ociosas, sem as atividades físicas que já estavam acostumadas naquela rotina do dia a dia, e com muito eletrônico disponível. A princípio houve até famílias que conseguiram cozinhar mais, irem pra cozinha, logo no início, 'já estamos aqui mesmo, vamos fazer esse momento na cozinha, vamos cozinhar, vai ser super gostoso', tal. Passado um tempo começaram a usar os industrializados novamente, porque é aquela praticidade que vem com um monte de coisa trash junto, e a criançada começou a comer muito mais, porque você estando em casa você tem acesso à geladeira, aos armários. Então a conta chega, na verdade.

As crianças entre 5 e 12 anos, a faixa etária mais atingida, acabaram ganhando em média de 6 quilos. Os pais também engordaram um pouco, mas para as crianças foi muito nocivo. Muitas famílias nos procuraram para tentar reverter, o que é que a gente pode fazer agora? Foi todo mundo meio que ao mesmo tempo, meio que com a pandemia dando uma acalmada. E na verdade existe uma maneira de você recuperar tudo isso, agora as aulas voltaram presenciais então isso já faz naturalmente faz com que as crianças voltem a ter a rotina delas. Só o fato da aula ter voltado da maneira que era antes, atividade física ter voltado como era antes, os esportes, brincar ao ar livre, ter contato com outras crianças, tudo isso fez com que esse quadro já começasse a se reverter um pouco. Mas o grande problema foram os hábitos errados que foram criados, que são os alimentos industrializados que viciam que acabaram entrado de penetras nessa fase. Então tem que ter planejamento, para começar. Por que não sentar um dia do fim de semana, fazer um cardápio junto com as crianças, às vezes até consultar nutricionistas que podem ajudar? Tem que trazer a criança junto pra trocar ideias, a criança gosta muito de participar, é a hora dos combinados também. Não ter em casa alimentos que não são interessantes, porque a hora que o alimento tá em casa ele fica fácil pra criança ter acesso. São os pais que vão ao mercado e os próprios pais têm que reconstruir novos hábitos, evitar comprar esses produtos industrializados e produzir em casa.É na verdade é um combinado, assim como na pandemia foi um combinado de coisas erradas que acabou gerando isso, essa obesidade, agora vai ser um combinado de coisas certas. Então a alimentação correta junto com atividades, e essa vida de rotina nova das crianças de novo, de rotina de novo. Eu acho que daí para frente a gente consegue aos poucos ir revertendo esse cenário.

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Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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