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Ser mãe é padecer na internet

Opinião|Sim, nós devemos falar de política com os nossos filhos pequenos

Portal dedicado à infância produz série de conteúdos que ajudam os pais nesse desafio

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Atualização:

 Foto: Pexels

"Não vamos falar de política!"

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Quem nunca ouviu ou falou essa frase na mesa do almoço de domingo nos últimos anos, principalmente naqueles em que há eleição? "Política deve ser algum ruim, né?", devem pensar nossos filhos, principalmente os menorzinhos.

Infelizmente, na maioria das vezes que a palavra 'política' é citada nas conversas de adultos é em um contexto negativo. Mas a Política é a arte da negociação, do entendimento, além de um dos principais instrumentos da Democracia. Seu objetivo é aparar arestas entre diversos interesses e se chegar a um denominador comum, necessário para se viver em sociedade. As crianças não sabem disso e sempre que ouvem falar mal dessa tal Política, nunca de um jeito positivo. O que fazer para mudar essa imagem? Como falar sobre o assunto nos nossos filhos pequenos, explicar a eles que a política pode ser o caminho para construir um mundo melhor para a gente viver?

Esse é um dos desafios colocados pelo Portal Lunetas, especializado em infância, uma iniciativa do Instituto Alana que está no ar desde 2018. Como esse ano é de eleição para vários cargos importantes como o de Presidente da República, Governador, Deputado Federal e Senador, o Lunetas produziu uma série de conteúdos especiais para ajudar pais e mães a entenderem a importância de se conversar sobre política com seus filhos. "Um caminho é dizer para a criança que política é aquela que faz valer os nossos direitos", explica a gestora do Lunetas, Raquel de Paula, em entrevista ao blog. O conteúdo também leva os adultos à reflexão, lembrando que políticas públicas voltadas à infância precisam constar nos programas de governo dos candidatos, e que esse é um ponto importante que pais e mães devem levar em consideração no momento de escolher seus representantes.

Blog: Muita gente fala mal da política publicamente, os adultos geralmente falam isso em voz alta, perto das crianças, e podem passar essa mensagem negativa mesmo sem querer aos filhos. Como o Lunetas vê esse tema e a relação dele com as crianças, Raquel?

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 Raquel/Lunetas: O trabalho que a gente faz é um trabalho que segue o pressuposto de que a gente vive em uma sociedade que é a aldeia que olha para a criança e isso significa dizer que os meus filhos, os seus filhos e os filhos dos outros são nossa responsabilidade constitucional e moral. Então a gente fala sobre educação, política, parentalidade, maternidade e isso não é uma discussão única, mas deve ser considerada uma discussão coletiva. Quando a gente considera só o pai e a mãe responsáveis por essa criança estamos desconsiderando a responsabilidade do poder público, das organizações, das escolas. Então eu acho importante trazer esse pressuposto, porque quando a gente entende que é preciso uma aldeia para cuidar dessa criança, toda nossa concepção sobre infância e sobre as crianças ganha um outro lugar.

E a política ela se faz no dia a dia, faz-se na rotina. Tem uma frase de um ativista que a gente gosta muito, o Pedro Marco, que é: 'a política é a varinha mágica que transforma o mundo naquilo que sonhamos'. Então, quando a gente vai conversar com as crianças sobre política ou mesmo quando a gente vai trazer esse assunto em uma conversa entre os adultos, a política não deve ser vista como algo ruim, mas sim ser entendida como um espaço que a gente fala sobre a nossa vida, nossa existência, o nosso dia a dia, sobre as coisas que a gente quer transformar.

Quando a gente transpõe esse conhecimento para a criança, ela vai entender que a forma dela existir, de se comunicar, a forma que ela vai para a escola, se relaciona com os amiguinhos, tudo é política. Então eu acho o começo dessa conversa é trazer essa perspectiva de política como algo que não é ruim, para a criança se conectar com esse tema ela precisa entender que todo o entorno dela é política.

Blog: E que exemplos a gente pode dar pra tangibilizar essa ideia, mostrar que tudo que se refere à vida dos pais e à dela é fruto de uma decisão política ou de uma sociedade que faz política?

Raquel/Lunetas: Um caminho é dizer para a criança que política é aquela que faz valer os nossos direitos, faz valer a democracia e, acima de tudo, que política é ação. E o que é que isso significa na prática? Uma criança que está brincando, observando as coisas ao redor dela, como é o parquinho, como são os espaços, esse debate não pode ser abstrato para as crianças como é para a gente, por exemplo, a gente fala de liberdade, a gente fala de democracia. Para a criança é o dia a dia, é a relação como o coleguinha da escola, como ele se sente, como ele vai para escola, o lugar onde ele mora, se ele vai de ônibus ou se ele vai de carro. Essa característica do território e do entorno da criança é um caminho para gente ir explicando como as coisas são formadas e explicando também para as crianças que elas têm direito à educação, à cultura, direito ao brincar, direito à vida, direito à saúde, e que tudo isso faz parte de uma grande sociedade que tem que fazer valer todos esses direitos.

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Blog: Hoje em dia se tem uma dificuldade muito grande de entender e de respeitar a opinião dos outros. E a Política é esse caminho de duas mãos, de você colocar a sua opinião, ouvir a opinião do outro, tentar convencê-lo, negociar, enfim. Como é que a gente coloca isso para as crianças para que elas entendam a importância de se respeitar, de se ouvir a opinião que é diferente da dela?

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Raquel/Lunetas: Quando a gente pensa nessa criança nesse lugar de um sujeito político, e quando eu falo 'sujeito' é para que se entenda que essa criança é uma pessoa assim como nós, só que menor. O principal caminho é a gente promover e incentivar o direito à participação das crianças desde o início, do começo da vida. E o que é que significa isso na prática? A gente precisa ouvir as crianças, a gente precisa saber o que é que elas desejam, do que elas gostam, qual que é a percepção delas em relação ao entorno. E aí quando você inclui essa criança nessa conversa ela começa a ter essa mesma conversa com outras crianças e aí a partir dessa construção a gente tem os grêmios estudantis, as eleições nas escolas, os coletivos mirins. Tudo isso é superimportante para que a criança cresça entendendo de que ali existe um conjunto de crianças que são diferentes a ela e que, portanto, podem ter opiniões diferentes.

E aí a gente vai construindo nessa criança um olhar de escuta, um olhar de fala que não seja violento, um olhar de respeito, um olhar para a sociedade. Se você tem dentro de uma sala de aula crianças com deficiência, crianças negras, crianças de outras classes sociais ali, pelo fato de a gente ter uma diversidade por si só já se está falando de política, a gente já está falando acima de tudo de contextos diferentes. Ali se constrói uma consciência que muitas vezes é uma consciência mais imaginária, não tão concreta como a nossa, mas é nesse ambiente escolar que vai se construindo os melhores mecanismos para gente criar esse universo de conversas, de escuta, de trocas, de empatia.

Raquel de Paula, gestora do Lunetas Foto: Estadão

Blog: Então ao seu ver a escola tem um papel importante nessa educação política das crianças?

Raquel/Lunetas: Sim, totalmente. A gente não pode colocar toda a responsabilidade na escola, mas a escola é um ambiente que se faz valer a democracia. Ali você consegue enxergar o outro, consegue construir as amizades, consegue construir a empatia e eu acho que todos esses nossos valores se dão em comunidade. E é em comunidade que a gente aprende os nossos valores, que a gente aprende a se colocar no lugar do outro. Então, a escola tem esse papel superimportante de colocar essa criança para perceber o que está em seu entorno e colocar em prática as relações, as angústias, os afetos e ir formando a as crianças pra que elas possam um dia exercer todo o seu poder de escolha.

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Blog: E como a gente pode falar com as crianças sobre esse mundo em que está a sua volta e que pode ser mudado também pela política?

Raquel/Lunetas: As crianças percebem o que está em seu entorno. E eu acho que esse momento de a criança trazer uma notícia, comentar o que ela viu ou ouviu é o momento mais importante e relevante pra que essa construção sobre política aconteça. Então muito mais do que nós adultos falar assim, 'olha filho, senta aqui que a gente agora vai falar sobre política', essa criança vai trazer na rotina, no dia a dia, nessa relação com a escola. Eu acho que só essa rotina no dia a dia, nessas ações, a criança ela vai trazer muita coisa, aí é o momento para gente aprofundar essas questões, uma vez que essa criança trouxe esse conteúdo.

Blog: O portal Lunetas produziu uma série de conteúdos sobre política e eleições para as crianças. Como é isso?

Raquel/Lunetas: A gente lançou uma série de conteúdos que falam sobre quem vota pelas crianças. Considerando que elas não podem votar, mas são pessoas, quem é que defende o direito dessas crianças nas urnas? Então o nosso convite pra sociedade é que a gente olhe para os planos de governo, que a gente pergunte para os candidatos o que é que eles estão programando e planejando para as crianças, se a gente tá falando de ampliação de creche, se a gente tá falando de saneamento básico, se a gente tá falando de educação com qualidade, parto humanizado, enfim, todo o entorno das crianças. O o nosso convite para toda a sociedade é que a gente defenda os direitos das crianças no momento das urnas, já que elas não podem fazer isso. A gente ouviu 40 crianças de todos os estados do Brasil e perguntou o que é que elas fariam se fossem presidente, o que seria diferente no Brasil se elas fossem presidente. E aí a gente tem respostas maravilhosas e eu acho que quem ouvir vai gostar muito.

Leia e assista aqui o especial do Lunetas "Infâncias em foco: Quem vota pelas crianças?".

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Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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