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Ser mãe é padecer na internet

Opinião|Saudade da treta 'mãe de pet também é mãe', né, minha filha?

Voltar a falar disso seria o símbolo de que a vida da gente voltou ao normal

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De repente senti saudade da discussão em que estive envolvida alguns anos atrás, sobre a festa de dia das mães na escola. Eu engrossava o coro dos que acreditam que o que deve ser comemorado é o dia da família, já que existem diversas configurações domésticas que nem sempre contemplam uma mãe (o que causa sofrimento para as crianças que não se encaixam nos estereótipos papai-mamãe-filhinho da propaganda de margarina), enquanto muitos batiam na tecla de que a frustração tem que fazer parte da vida (mas só na dos pequenos, ok?), que teriam aguentar o tranco de uma comemoração dessas mesmo sem ter essa figura em sua vida.

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Só que estamos no meio de uma pandemia e não haverá festa de qualquer espécie na escola porque não há mais escolas, talvez você sequer consiga encontrar ou dar um abraço na sua mãe ou em quem cuidou de você a vida toda, já que estamos isolados de grande parte da família e dos amigos que tanto amamos. A gente era feliz (e não sabia) enquanto ainda havia espaço para problematizações como essa. Também é possível que não haja clima para comemoração alguma entre aqueles que perderam alguém para esse vírus terrível e estão no meio do processo de luto, onde a certeza de que nada mais será como antes dói na carne e no espírito.

A ideia de pegar a bolsa e passar uma tarde passeando e olhando vitrines para escolher um presente parece algo que foi possível apenas em outra vida, de tão distante. Comprar algo pela internet e mandar entregar virou uma operação de guerra, 'passa álcool-gel no papel de presente antes de abrir, mãe', explica o filho pela videochamada. Mas para muitos não há nada a ser embrulhado já que a conta corrente e o bolso estão vazios. E o prato especial do almoço de domingo será feito com o que se tem na geladeira porque, como se não bastasse, sair de casa se tornou uma aventura perigosíssima.

O 'lá fora' não existe mais, lembrou o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral, em entrevista ao blog semana passada. Isso significa que temos de lidar apenas com nós mesmos e com aqueles que tem a (boa ou má) fortuna de estarem isolados com a gente, por um tempo que ainda não sabemos quanto vai durar. Por isso o dia das mães perdeu o sentido? Claro que não. Se a sua mãe está em segurança e com boa saúde, um brinde a ela. Se quem cuidou de você durante toda a infância está bem assistido economicamente pois tem reservas, aposentadoria, emprego ou conseguiu o milagre de receber o auxílio emergencial do governo, você é privilegiado sim, bora comemorar.

O que eu quero ganhar de 'dia das mães' o ano que vem, já que a celebração desse ano está cinza? Não tenho dúvidas que seria o direito de ir e vir sem medo de ser contaminada por um vírus mortal. A liberdade de abraçar quem eu sentir vontade, na hora que eu bem entender. Adoraria, ainda, a voltar a brigar pelo fim da festa do dia das mães na escola, porque esse seria o primeiro sinal de que a vida retornou aos trilhos, mesmo que com solavancos. Mas o auge seria a volta da treta mãe de criança x mãe de pet (nunca participou dessa discussão?). Esse seria o sinal inequívoco de que a vida da gente voltou mesmo ao normal, que alívio.

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Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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