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Opinião|'Precisamos criar meninos emocionalmente saudáveis e que não sejam estupradores', afirma produtor-executivo da série 13 Reasons Why

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Atualização:

Os 'colegas' de Hannah, protagonista de 13 Reasons Why  Foto: Estadão

A primeira temporada da série 13 Reasons Why, produzida pela Netflix, chamou a atenção de todo o mundo por debater, sem filtros, assuntos que ação considerados tabu ou que são retratados de forma superficial pelos seriados adolescentes: cyberbullying, porn revenge, uso de drogas, abuso sexual, estupro e suicídio. A segunda temporada foi anunciada e o produtor-executivo da série, Brian Yorkey, contou ao blog quais serão os temas que serão levantados pelos novos episódios, revelou que não se deixou influenciar pelas críticas e afirmou que depois das denúncias de abuso sexual em Hollywood, os debates sobre assédio e estupro podem ganhar qualidade. Yorkey ressalta que a educação é o caminho para formar homens diferentes da maioria dos personagens da série, que se mostraram machistas e assediadores. "Precisamos criar meninos que sejam emocionalmente saudáveis, seres humanos atenciosos e que não sejam estupradores", ressalta.

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Blog: Quando você percebeu que uma segunda temporada de 13 Reasons Why seria uma boa ideia?

Yorkey: Já tínhamos filmado cerca de dois terços da primeira temporada quando percebi que estava apaixonado por aqueles personagens. Ainda não sabíamos quantos telespectadores assistiriam à série, mas eu acreditava que eles se envolveriam com a história e não iriam querer deixar os personagens para trás ao final da primeira temporada, a maioria deles estava no início de um processo de recuperação de algumas histórias difíceis. Jessica (Davis, vivida pela atriz Alisha Boe) acabara de descobrir que tinha sido vítima de violência sexual e começava a lidar com isso, Clay (Jensen, vivido pelo ator Dylan Minnette) tinha perdido a garota por quem era apaixonado e acabava de começar seu processo de luto. Percebemos que queríamos acompanhar os desdobramentos desse processo e descobrir como e se eles se recuperariam.
Blog: Em qual momento das gravações você percebeu isso?

Yorkey: Há uma cena na primeira temporada, acho que no 12º ou no 13º episódio, não me lembro ao certo, onde Clay e Jessica conversam Jessica e o ele diz: "se você quiser eu queimo essas fitas. Eu queimo e ninguém mais vai vê-las". Ele está prestes a sair e ela diz: não queime as fitas." Eu estava atrás das câmeras, filmando, e lembro que pensei:  Quero saber o que vai acontecer com a Jessica, porque ela está mudando. Não está mais em negação, algo tinha mudado nela.

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Blog: Você esperava que a primeira temporada repercutisse tanto, principalmente nas mídias sociais? (A série 13 Reasons Why foi a série mais comentada no Twitter em 2017. Foram mais de 11 milhões de tweets desde o seu lançamento, dia 30 de março de 2017, segundo compilamento feito pela revista americana Variety, especializada em cinema e entretenimento).

O produtor-executivo de 13 Reasons Why, Brian Yorker  Foto: Estadão

Yorkey: Nós sempre esperamos que a série gerasse discussão, sabíamos que tínhamos feito escolhas fortes, mostrado cenas muito intensas. Mas ficamos um pouco surpresos pela proporção que o debate tomou, principalmente nas redes sociais.

Blog: Quando abuso sexual, depressão e suicídio aparecem nas séries, geralmente apenas alguns capítulos são dedicados a esses temas. Nunca uma série inteira havia se debruçado sobre essas questões. Você tem alguma ideia de por que isso acontece? Acha que os adolescentes são subestimados pelas produções?

Yorkey: Muitas séries adolescentes retratam abuso sexual, depressão e suicídio mas, como você disse, no máximo em dois ou três episódios. E eu acho que isso passa uma falsa percepção à audiência de como essas questões realmente impactam na vida dos adolescentes. Fiquei chocado quando um jovem comentou nas redes sociais "que a história da Jessica tinha acabado" assim que contou ao pai o que tinha acontecido com ela. Isso me chocou porque muitos acreditam que uma questão assim tão grave se resolve rápido, 'em apenas um episódio'. Por isso eu acho que precisamos mostrar os desdobramentos dessas questões tão graves na vida desses jovens, contar suas histórias da forma mais completa e autêntica que pudermos.

Blog: A pesquisa da Northwestern University revelou que a série 13 Reasons Why ajudou os adolescentes - e também seus pais - a discutirem e refletirem sobre questões importantes - como depressão, bullying e suicídio. Quais debates vocês esperam promover na segunda temporada?

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 Yorkey: Uma das coisas que eu acho legal na segunda temporada é que os pais dos personagens da série, assim como os pais que assistem ao seriado, tiveram os olhos abertos a uma variedade de questões que os adolescentes enfrentam. Seus relacionamentos com os filhos ficaram mais profundos. Nos novos episódios vamos falar sobre como lidar com experiências traumáticas, abuso sexual, isolamento social e com o bullying. E sobre como discutir o assunto, pedir ajuda. Também sobre a sexualidade dos adolescentes, sobre o sexo consensual e o não consensual. Esperamos que pais e filhos continuem conversando sobre as questões levantadas por 13 Reasons Why.

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Blog: O jeito de se criar os filhos mudou muito de algumas décadas para cá assim como o que é ser adolescente nos dias de hoje. Como vocês vão abordar essa questão?

Yorkey: Com o advento da mídia social e da tecnologia, o mundo que esses jovens vivem hoje é muito diferente do mundo em que nós crescemos. O primeiro desafio dos pais nesses novos tempos é ajudar esses jovens a lidar com essas questões e mantê-los seguros. Protegê-los e também entender o que esses jovens enfrentam. Há 20, 30 anos havia um jeito muito específico de criar meninos e de criar meninas, isso para o bem e para o mal, muitas vezes para o mal. Esse paradigma não está mais apresentado e precisamos criar meninos que sejam emocionalmente saudáveis, seres humanos atenciosos e que não sejam estupradores. Essa última frase parece absurda, mas é a mais pura verdade. Nos Estados Unidos ainda temos também o problemas dos adolescentes que vão armados às escolas para matar seus colegas.  Essas questões todas estão ligadas à forma como educamos os meninos, que sentem raiva e simplesmente não sabem lidar com o que sentem. Parte dessas discussões estarão na segunda temporada da série.

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Blog:  Embora a pesquisa revele que 13 Reasons Why foi muito bem recebida entre os adolescentes e seus pais, alguns telespectadores e especialistas se mostraram, principalmente pelas redes sociais, descontentes com a forma que a série lidou com algumas questões. (Muitos disseram que a série 'glorificou' o suicídio e que poderia servir de 'gatilho' para quem sofre de depressão ou tem pensamentos suicidas). Ao escrever a segunda temporada vocês levaram em consideração às críticas que foram feitas à série?

Yorkey:  Nós estávamos cientes das críticas que foram feitas a partir da exibição da primeira temporada, mas não filmamos a segunda como uma resposta a elas. O que fizemos foi dar seguimento às histórias desses personagens da forma mais honesta e verídica possível, para mostrar para onde a vida deles caminhou. Somos contadores de histórias, não temos a pretensão que os personagens façam as melhores escolhas para as suas vidas, o que não significa que aprovemos suas atitudes. Os personagens são pessoas comuns, e pessoas comuns nem sempre fazem as melhores escolhas para elas mesmas.

Blog: Na sua opinião, em que o seriado ajudou no diálogo entre pais e filhos?

Yorkey: Às vezes existem coisas que são difíceis de serem ditas - contar que sofre de depressão, que foi vítima de abuso sexual, que está com raiva ou que se sente sozinho, especialmente quando se é adolescente, mas também quando chega à maturidade. A série abriu a possibilidade de começar uma conversa, dizer, 'olha, eu já me senti do jeito que a Hannah (protagonista da série) se sentia', ou então contar que 'o que fizeram com a Jessica já fizeram comigo'. Eu sempre cito o escritor David Foster Wallace, que disse algo que eu considero muito importante: o objetivo da ficção é fazer com que a gente se sinta menos sozinho. Nós, os contadores de histórias, podemos dizer, 'olha, isso o que eu escrevi é ficção, algo que eu inventei. Mas você pode se reconhecer nessa história, ou ver nela alguém que ama. Ela também pode te ajudar a entender algo sobre sua vida'. Esse é o poder da ficção.  Eu estava conversando com a Dra. Moutier (Christina Moutier, Diretora-médica da Associação Americana para a Prevenção do Suicídio) e em como nossos trabalhos se complementam. Nós queremos que as pessoas falem sobre seus problemas em vez de fingir que eles não existem. Queremos que as pessoas consigam falar sobre o que sentem e que saibam que não estão passando pelos seus problemas sozinhas.

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Blog: Na segunda temporada vocês irão discutir o papel da escola em tudo o que aconteceu na vida de Hannah e daqueles adolescentes?

Yorkey: A maior parte da nova temporada de 13 Reasons Why é sobre o julgamento, já que os pais de Hannah Baker processam a escola por acreditarem que ela tem responsabilidade pela morte da filha. E conforme os capítulos se sucedem, você pode ir mudando de opinião sobre se a escola pode ou não ser responsabilizada pela questão. Nós temos doze pessoas na equipe, exatamente o número de jurados em um caso como esse, e conforme a segunda temporada foi se delineando fizemos uma votação entre nós, para saber quem achava que a escola tinha culpa pelo suicídio da Hannah. Ficamos divididos: seis achavam que sim, seis achavam que não.

Blog: Se eu pudesse, votava pela condenação da escola.

Yorkey: Sério? Esse é um assunto polêmico, que gera muito debate. E nós temos um caso como esse sendo julgado nos Estados Unidos, no mundo real, fora da ficção: pais que estão processando uma escola porque acreditam que ela tem responsabilidade pelo suicídio da filha. É uma questão muitíssimo complicada, que nós também iremos abordar nessa nova temporada.

Blog: A segunda temporada vai ser lançada em um contexto em que o assédio, o abuso sexual e o estupro vêm sendo amplamente discutidos, principalmente na indústria do cinema depois denúncias contra o diretor de Hollywood Harvey Weinstein. Como é voltar a esse assunto nesse novo contexto?
Yorkey: Espero que nós possamos também parte dessa conversa. Contamos a história de assédio sexual dentro de uma escola de ensino médio, falamos sobre a cumplicidade dos funcionários da instituição. Nós escrevemos os episódios da segunda temporada há um ano e, conforme os depoimentos sobre assédio e abuso foram sendo revelados, pensamos: uau, agora as pessoas realmente vão acreditar que as histórias que vamos contar existem! Esperamos que 13 Reasons Why alimente ainda mais a discussão sobre assédio sexual não é um problema apenas nas escolas ou na indústria do entretenimento: é um problema cultural.

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Blog: A história de 13 Reasons Why é contada a partir do ponto de vista de Hannah, que grava as fitas com as razões e motivos que a levaram para o suicídio. Muita gente se pergunta como é possível que exista uma segunda temporada sem as fitas de Hannah.

 Yorkey: A Hannah contou a sua versão e para cada uma daquelas fitas existe um lado B,  um outro lado da história. E o que vai acontecer durante o julgamento é que cada jovem citado naquelas fitas vai ser chamado a testemunhar,  contar o seu lado. Nada do que Hannah disse era mentira, mas nós vamos perceber que ela selecionou as partes que quis contar e há mais coisas a serem ditas. Então há muitos flashbacks nessa temporada.

Blog: Há mais fitas?

Yorkey: Não, não há.

Blog: Arquivos de áudio gravados em outras mídias?

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Yorkey: (Risos). Há algo sim, um novo mistério, mas eu não vou te contar, nada de spoilers.

O blog viajou a Nova York a convite da Netflix.

Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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