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Opinião|Por que meu filho não foi à escola hoje

Compramos um projeto pedagógico e não a consciência e os direitos dos professores

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Atualização:

 Foto: Pixabay

Há uma semana procurei a escola do meu filho para saber seu posicionamento sobre a paralisação dos professores que estava sendo organizada em resposta à queda de braço entre o sindicato da categoria e o das escolas particulares do estado de São Paulo, que decidiu retirar alguns direitos garantidos pela Convenção Coletiva que rege há 20 anos os contratos de trabalho entre as instituições e os educadores.  Bolsas de estudos para os filhos dos professores, o recesso de janeiro e até o padrão de remuneração estariam ameaçados. A escola me respondeu rapidamente e afirmou que de estava aberta para ouvir às reivindicações dos professores e que, até aquele momento (semana passada), não havia notícia sobre paralisação.

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Ano passado, quando os professores fizeram greve em protesto contra as reformas da Previdência e Trabalhista e a escola do meu filho respeitou à decisão da categoria, houve uma verdadeira guerra nos grupos do WhatsApp e nas redes sociais. Muitos se revoltaram contra a paralisação, intimidaram a direção, os professores e os pais que lembravam o básico: greve é direito constitucional e sobre direitos não há o que contemporizar. Argumentos como "eu estou pagando escola e, por isso, ela não pode entrar em greve" foram usados a torto e a direito, mesmo com muitos pais, eu inclusa, tentando lembrar à comunidade que compramos apenas um projeto pedagógico e não a alma, a consciência e os direitos daqueles trabalhadores que ajudam na educação dos nossos filhos. Alguns pais chegaram até a mudar seus filhos de escola o que, para mim, causou mais alívio do que preocupação.

Volto aos dias de hoje, mais especificamente ontem, véspera da paralisação. Procurei alguns professores para saber como estava a mobilização e descobri, em 'off', claro, que ela não foi 'proibida' pela escola, mas também não foi 'bem-vinda', tendo em vista toda a confusão causada pela paralisação do ano passado. A direção da escola, que eu respeito muitíssimo, classificou minha percepção como "equivocada", dizendo que os professores é que decidiram "lutar de outras formas", sem parar, embora eu não veja como duas dúzias de professores, de forma isolada, consigam 'dobrar' o sindicato das escolas particulares. Enfim, fica o registro.

Sei que o poder econômico que o empregador tem sobre seus empregados é algo que não pode ser desconsiderado, mas sei também que a escola do meu filho jamais demitiria os professores que aderissem ao movimento. Também imagino que a decisão de cruzar os braços em um país com 13 milhões desempregados não seja fácil de tomar, embora educadores de mais de 70 escolas particulares de São Paulo tenham mostrado essa coragem, inflamados pelo apoio maciço dos pais, verdade seja dita. Percebi que talvez eu também não tenha feito a minha parte ao demorar demais a procurar os professores da escola do meu filho e, quando fui ouvi-los, já os encontrei desapontados e, pior, desmobilizados.

A educação dos nossos filhos é um projeto coletivo, lembrem, e pagar um boleto sempre fez com que a gente, ao contrário dos pais que lutam por uma escola pública de qualidade, merecêssemos o título de elitistas, relapsos e acomodados. Ao não participar da paralisação, nós, pais, professores e escola perdemos a chance de ensinar, juntos, uma lição importantíssima aos nossos filhos: sobre como é necessário se mobilizar por causas legítimas e urgentes. 

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Depois de lamber as feridas, eu e alguns pais da escola do meu filho encontramos uma forma de participar dessa paralisação, promovendo uma greve às avessas. Decidimos, em conjunto, que nossos filhos não vão à escola hoje - reconheço meu privilégio de poder tomar uma essa decisão assim, de forma intempestiva. Como trabalho em casa, tenho disponibilidade de cuidar eu mesma do meu filho. Sei que muitos pais não têm.

Aproveitei para explicar sobre a nossa 'mini' paralisação ao Samuca, que perguntou se eu e o pai "também temos o direito" de entrar em greve para exigir melhores condições de trabalho. Eu disse que sim. "Que nem os caminhoneiros, mamain?". Que nem os caminhoneiros, filho. Aproveitei para mostrar a ele algumas fotos lindas das paralisações encabeçadas pelos professores, pais e alunos que já estão acontecendo pela cidade - cerca de 70 instituições aderiram, pelo que estou acompanhando. Gostaria que ele aprendesse de outra forma, verdade. Mas ainda há tempo. Estamos organizando uma comissão de pais para entrar nessa luta, que parece longe de terminar.

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Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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