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Ser mãe é padecer na internet

Opinião|"Por favor, ajude-me a quebrar esse ciclo de violência", pede mãe impedida de falar com o filho, que passa férias com o pai

Antropóloga desabafou no Facebook: "É um pesadelo que parece não ter fim"

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Foto do author Rita Lisauskas
Atualização:
 Foto: Estadão

O desabafo de uma mãe apareceu ontem na minha timeline do Facebook, compartilhado por um amigo. Li inteiro, senti um nó na garganta. Já estive em um cenário como esse e sei como pode ser asfixiante, paralisante, revoltante.

Segue o post da antropóloga Carolina Delgado, mãe de Rakim, 8 anos. O menino passa férias com o pai mas é, segundo a mãe, impedido de manter contato com ela durante esse período.

 

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"É textão e é um saco. Um porre. Um inferno. E também um pedido de ajuda. Uma denúncia. Um 'socorro, eu não aguento mais'.

No dia 01/02/2015 o pai do Rakim o sequestrou. A mãe dele o pegou na casa dos meus pais no RJ para ficar um tempo das férias, procedimento normal.

No dia 03/02 eu fui pra SP pegar os documentos na escola antiga do Kim pra poder matriculá-lo na nova escola no Rio. Quando eu cheguei lá, a diretora me disse que o pai dele tinha acabado de ir lá renovar a matrícula do Rakim. Eu fiquei desesperada. Ele não atendia o telefone de jeito nenhum e eu nem sabia onde nem com quem estava o meu filho. As advogadas, minha e dele, marcaram uma reunião pro dia seguinte. Nessa reunião, ele me disse que estava com meu filho e não ia me devolver. E também não me deixaria falar com ele. Nos dias 4, 5 e 6 de fevereiro de 2015 eu falei com meu filho apenas com as advogadas intermediando as ligações. Seguindo as orientações, eu fiz um boletim de ocorrência registrando todos esses fatos. Depois de uma negociação entre as advogadas, ele devolveu o Rakim, dia 08/02. Desde então, toda vez que o Rakim vai passar um tempo com o pai, ou com alguém da sua família, eles usam esse gatilho cruel deliberadamente, aproveitando que estamos em cidades diferentes - o que surte um efeito bem "melhor". Números de telefone que ninguém atende. Respostas como, "você vai falar com ele a hora que eu quiser", "quando for possível, ele retorna" são constantes. Hoje, se completa o segundo período de 48h sem comunicação com meu filho desde que ele está aos cuidados do pai, que o pegou no dia 26/12. Nem um mês e ele já apertou o gatilho (o nome não é à toa, né?) duas vezes. Então, se você é amig@ do pai do Rakim, da esposa do pai do Rakim, dos patrões socialmente conscientes do pai do Rakim, da mãe do pai do Rakim, dos irmãos e cunhadas do pai do Rakim. Se você é da igreja do pai do Rakim, da academia do pai do Rakim, do prédio do pai do Rakim. Se você é cliente do pai do Rakim, se você vai passar hoje no Shopping Iguatemi ou no escritório da marca moderna que ele trabalha em Pinheiros. Eu te peço ajuda. Eu peço que você me ajude a quebrar esse ciclo de violência insuportável e insustentável e enlouquecedor." Adicionei a autora do post e mãe de Rakim, 8 anos, assim que li o desabafo. Ela me aceitou e começamos a conversar. Carolina mora no Rio de Janeiro e estava naquele momento sem notícias do filho havia quase 60 horas. Ela e o ex-marido, que agora vive em São Paulo, separaram-se em 2013 e, desde então, o menino passa férias com o pai. Ano passado Rakim só voltou para a casa da mãe depois de uma negociação entre advogados e um boletim de ocorrência. Este ano, sem notícias do filho de novo, Carolina teme que o menino não volte para casa sem briga. Rakim está com o pai desde o dia 26 de dezembro e o combinado é que volte ao Rio no dia 20 de janeiro. Carolina, durante esse período, diz não conseguir contactar o menino, mesmo telefonando para o celular e o telefone fixo do ex-marido. "É um pesadelo que parece não ter fim", conta. Peço a ela o contato do ex-marido. Telefono. Ele não me atende. Mando uma mensagem via WhatsApp. Digo que sou jornalista, que li o desabafo da ex-mulher dele no Facebook, reclamando por não conseguir falar com o filho. Pergunto se é verdade, digo que quero bater um papo, ouvir o lado dele. O ex-marido de Carolina visualiza a mensagem. E me bloqueia no aplicativo. Dez minutos se passam. Percebo que ele me desbloqueia e responde com uma pergunta: "Quem é você?" Eu me apresento novamente. Pergunto se é verdade que ele não permite que a ex-mulher fale com o filho deles durante as férias. Ele ignora minha mensagem. Meia hora depois Carol me escreve dizendo que foi contactada pelo pai de Rakim. "Rita, ele deu notícias. Acabou de ligar aqui para a casa dos meus pais. Rakim falou comigo por 10 segundos. Ouvi o pai dele gritar ao fundo: 'quero ver publicar isso no Facebook!' Ao invés de me atender, mandar um email ou SMS dando notícias, ele me bloqueia. Diz que eu não vou mais falar com meu filho. Só espero que isso passe. Beijo e obrigada pela força!" O nome disso é alienação parental. E não acontece só com o Rakim. São milhares de crianças, fruto de relacionamentos que terminaram, que são impedidas de gostar, conviver, sentir falta ou contactar um dos pais. Então se você é amigo de uma mãe ou de um pai que faz algo do tipo, se é casado com alguém que pratique alienação parental, se é irmão, cunhado, patrão, colega da igreja, da academia, do clube, ajude a quebrar esse ciclo de violência insuportável, insustentável e enlouquecedor. Essa criança, um dia, vai te agradecer pela ajuda. Leia mais: Pai que perdeu a guarda do filho para a mãe do menino se veste de mulher: "Para ver se a justiça me enxerga" Leia também: Primeiro pai que ganhou direito à guarda compartilhada no Acre fica sem o filho  

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Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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